Gustavo Tadeu Alkmim apresenta ‘O Futuro te Espera’: narrativas das complexidades humanas

Luca Moreira
12 Min Read
Gustavo Tadeu Alkmim

Gustavo Tadeu Alkmim, desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região no Rio de Janeiro e membro da Associação dos Juízes pela Democracia (AJD), apresenta em “O futuro te espera” 23 contos que exploram as intricadas complexidades das relações humanas. Com uma narrativa que transcende o cotidiano, o autor, doutor em Literatura e Estudos Culturais, mergulha nas realidades política, social, econômica e psicológica. Essas histórias revelam medos inerentes à existência, inquietudes sobre a morte e os desafios emocionais enfrentados pela sociedade contemporânea, utilizando personagens profundos e diversificados. Dividido em duas partes, o livro oferece uma linguagem simples e coloquial, estabelecendo uma conexão íntima com os leitores. Esta obra marca a estreia literária de Alkmim, que também é aluno da renomada Oficina Literária Ivan Proença.

Quais são os temas centrais que você aborda em “O futuro te espera” e por que eles são importantes para você?

Trato, principalmente, de questões do cotidiano, aparentemente banais e corriqueiras, mas que, de alguma forma, conduzem o leitor a uma reflexão. Sobre a vida — o que nos cerca, o que nos constrói. Enfim, as nossas perspectivas, seja do ponto de vista social ou psicológico.

Em seu livro, você explora as complexidades das relações humanas e a maneira como as pessoas existem no mundo atual. Pode compartilhar mais sobre como a sociedade efêmera se reflete em suas histórias?

A partir do nosso nascimento, quando do primeiro instante, do primeiro choro, começamos a nos encaminhar em direção à morte. Este é o verdadeiro — e inevitável — futuro que nos espera. Não ficamos, nem devemos ficar pensando nesta inexorabilidade, sob pena de enlouquecermos. Até ela, a morte, chegar, o caminho pode ser longo. Ou não. Pode ser leve; pode ser pedregoso, duro. Seja lá como for, neste caminhar vamos construindo e fazendo histórias. As histórias coletivas estão nos manuais doutrinários. Interesso-me pelas histórias individuais inseridas neste coletivo — no nosso caso ocidental, uma sociedade de consumo, capitalista, e que, como tal, consagra o individualismo. Esta trajetória toda — do primeiro respiro à morte — e nossa capacidade de pensar sobre ela é que nos torna humanos e, portanto, complexos e contraditórios. Contar sobre isso é o que, de fato, me mobiliza.

Como a sua formação em Literatura e Estudos Culturais influenciou a abordagem e a escrita dos contos em “O futuro te espera”?

Minha dissertação e minha tese, no mestrado e doutorado, trataram muito dos aspectos culturais e sociais, com ênfase em textos literários. Ou seja, ali pude aprofundar estudos sobre a nossa sociedade contemporânea, particularmente, a ocidental, interessado na dialética que faz do indivíduo fruto do sistema, ao mesmo tempo em que esse mesmo indivíduo constrói esse mesmo sistema. Então, direta ou indiretamente, tais reflexões que me conduziram à elaboração de personagens ficcionais que inevitavelmente estão inseridos neste contexto — e isso, de alguma forma, tem alguma relevância na história que estou contando, embora não necessariamente seja o seu ponto central.

Um dos contos retrata um homem refletindo sobre sua vida enquanto olha para seu próprio corpo no caixão. Qual é a mensagem que você quer transmitir através dessa história?

O tema está, obviamente, longe de ser inédito. A literatura trata dele com frequência. O exemplo mais emblemático talvez seja Machado de Assis e o seu Brás Cubas. A atração pela temática reside exatamente na possível reflexão sobre vida-morte. Tipo “quem somos nós”. Ou “o que fiz na minha vida”. A perspectiva de olharmos para nós mesmos no pós-morte é algo que temos presente, ainda que de forma momentânea, ainda que não fiquemos a pensar nisso o tempo todo. Daí, os invariáveis questionamentos: “valeu a pena?”; “faria tudo novamente”; “e se eu tivesse ido por ali e não por aqui?”. São perguntas que, de alguma maneira, procuro deixar no ar, a critério exclusivo do leitor.

“O futuro te espera” apresenta uma variedade de personagens e situações que refletem as inquietações humanas sobre a morte e a existência. Pode falar mais sobre a inspiração por trás desses personagens e como eles se relacionam com essas temáticas?

Busquei traçar personagens que contenham certa complexidade em torno do binômio vida-morte, ainda que carregados de aparente simplicidade em torno de situações corriqueiras. A empregada doméstica que começa a aprender a ler, o português da padaria dotado de sentimentos nobres que acabam tolhidos por uma realidade imperativa, o casal que precisam se separar de seus livros, o sujeito preso no apartamento por causa da pandemia, o comunista inconformado, a gari invisível, a solidão do trabalhador home-office. Todos trazem em si paradoxos e contradições que, ao fim e ao cabo, retratam uma realidade humana — essencialmente, humana.

Gustavo Tadeu Alkmim

A divisão do livro em duas partes, “O Sentido Trágico da Existência” e “E La Nave Va”, é significativa. Como essa estrutura reflete a mensagem que você quer transmitir com sua obra?

A proposta, na verdade, contém uma ironia. De um lado, a existência e suas possíveis tragédias (o morto-vivo, a burocrata solitária, a moradora de rua que perde o filho, a igreja do diabo, a família que não derramava uma lágrima sequer); do outro lado, “vida que segue” (o advogado negro, o casal de amantes incontroláveis, a lenda da mulher de branco, a necessidade de mudança). As duas partes representam os paradoxos da vida — tão presentes em praticamente todos os contos.

Você mencionou a importância de manter uma linguagem simples e coloquial em seu livro. Como isso facilita a conexão dos leitores com as mensagens que você quer transmitir?

Vivemos atualmente num mundo dominado pela internet e redes sociais, onde impera a linguagem abreviada, recheada por emojis, símbolos e siglas. São mensagens curtas e fragmentadas, compatíveis com os tempos de linguagem e informações superficiais e rápidas. O livro entra em cena para disputar espaço com esta telemática ou procurar um lugar próprio e propício. Entendo que a “disputa”, neste caso, é ingrata com o livro, que exige um lugar específico e particular. Para tanto, o leitor contemporâneo exige textos diretos e informais, sem rebuscamentos desnecessários e enfadonhos, e sem perder a qualidade. Não se pode renunciar a uma linguagem criteriosa, bem construída, gramaticalmente correta, mas que consiga seduzir o jovem leitor, permitindo que o escritor cumpra o seu ideal: contar de forma bem contada as suas histórias por meio de contos ou romances.

Há alguma história ou personagem em particular que seja especialmente significativa para você em “O futuro te espera”? Se sim, por quê

Vou me valer de velho clichê: as obras para o escritor são como filhos, não dá para preferir apenas um. Se tivesse que eleger um especial, é o conto “A balada da fotografia”. Primeiro, por ter o ritmo “balada”, o que não prevalece nos demais textos. Segundo, de alguma forma me identifico com tímido o personagem, misto de menino de 6 anos e um idoso de 61 anos. Foi um conto que gostei muito de escrever. Claro que estou presente em todos os meus textos e personagens, e ao mesmo tempo não sou nenhum deles, não vivenciei aquelas histórias, e definitivamente os contos não são autobiográficos, nem “escritas de si”. É pura ficção. O que não significa que traços, trejeitos, contextos ou modo de ser retratem de alguma maneira, direta ou indiretamente, o escritor.

Como você acredita que a literatura pode influenciar a maneira como as pessoas percebem e lidam com as incertezas da vida e do futuro?

Literatura é vida. Através da literatura, o leitor viaja, vivência, se emociona, passa raiva, estranhamento, ri, chora. A boa literatura é aquela que incomoda, provoca desconforto, conduz à reflexão. E induz à imaginação por parte do leitor. Não gosto tanto de textos pronto-e-acabado, com final fechado e moralista. Gosto da literatura que deixa tudo aberto, à condução e conclusão do leitor. Ele torna-se “dono” da obra. Jamais o sujeito passivo da relação. E com isso se permite pensar e maturar o texto — e lidar com as incertezas e as tensões da vida. Vejo a literatura contemporânea como um lugar da tensão e do inconformismo social. O lugar da dúvida, da perplexidade e do encantamento. Francisco Bosco diz que o escritor escreve sobre ninguém. Diz ele, “’Ninguém’ é a impessoalidade que se atinge quando se ilumina o sentido da realidade. Escreve-se para todos e para ninguém: quando se capturou a impessoalidade da vida, qualquer um pode lê-la, pois ela dirá respeito à vida de todos; todos é o mesmo que ninguém em particular”. Isso é literatura.

O título “O futuro te espera” tem uma conotação intrigante. O que você espera que os leitores levem consigo após lerem seu livro e refletirem sobre o futuro?

O título também é uma ironia. Qual futuro, né? É a pergunta sem resposta. O amanhã, os planos e as expectativas, a morte? Espero que o leitor tenha tido, inicialmente, prazer com a leitura. Que provoque bons momentos de relaxamento e que goste da leitura. Aquele que escreve gosta de ser lido, e almeja que suas histórias alcancem não uma certeza ou uma convicção. A esta altura, a minha “intenção” com meus contos e personagens fica em segundo plano. Importante agora é a recepção do leitor. Só me resta almejar que a escrita provoque nele perplexidade, encantamento ou dúvidas. Ou incertezas quanto ao futuro e ao presente, e às vezes até ao passado. Se conseguir provocar estas ou algumas destas sensações em um só leitor, ou em alguns leitores, meu objetivo terá sido alcançado.

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