O novo romance “O amor em meio ao dissenso”, do juiz Newton Carneiro Primo, mergulha na turbulência de uma sociedade afetada pela pandemia e pela polarização política, oferecendo uma narrativa que transcende as fronteiras da ficção para refletir sobre questões sociais, políticas e existenciais. A história acompanha Tatiana, uma procuradora da República recém-separada, e David, um colega de profissão, cujo relacionamento se desenrola em meio ao caos da crise sanitária e da guerra ideológica. Enquanto enfrentam os desafios da vida cotidiana, ambos são confrontados com seus próprios segredos e conflitos internos, em uma jornada que explora temas como saúde mental, diversidade, política e espiritualidade. Neste retrato da angústia humana diante das transformações globais, o autor convida os leitores a contemplarem a busca pelo amor e pela compreensão em tempos de divisão e incerteza.
Qual foi a inspiração por trás da criação de “O amor em meio ao dissenso”?
Inspirei-me para escrever o romance no momento de conflituosidade porque passou o país, do meio para o fim da pandemia, onde o dissenso político-ideológico explodiu no Brasil, dividindo pessoas e afastando familiares e amigos.
Como você vê o papel da arte, em particular da literatura, em abordar temas sociais e políticos?
Particularmente, entendo que a literatura deve focar na experiência humana, refletindo a liberdade criativa do autor, respeitando-se sua imaginação e inspiração, sem amarras ideológicas. Evidentemente, porém, que quando se retrata na ficção uma situação social sensível, isso refletirá no engajamento de uma ou outra bandeira social ou ideológica.
Os personagens de Tatiana e David enfrentam desafios pessoais e externos. Como esses desafios refletem as questões atuais da sociedade?
O casal protagonista tem uma sinergia muito forte. Juntos desenvolvem sua espiritualidade e desse modo conseguem chegar a um nível de autoconhecimento. Ocorre que o caminho é espinhoso, pois ele tem um problema mental grave e é superprotegido pela mãe. Esse quadro fático e de dificuldades coincide e se identifica, em muitos pontos, com os altos e baixos que o país enfrenta a partir de uma guerra ideológica virulenta. Nesse ponto, eles avançam para a compreensão de que acima de tudo deve estar o respeito, a harmonia, corporificados no amor.
Como a pandemia e o contexto político-ideológico influenciaram o desenvolvimento da trama e dos personagens?
Uma obra pode ser inspirada, dentre outros, num fato, numa pessoa, ou num contexto político. No caso de O Amor em Meio ao Dissenso, a obra foi inspirada num contexto político-ideológico complicadíssimo, verificado no auge da pandemia no país. Desse modo, personagens e enredo foram construídos a partir das questões e temas que permearam esse contexto e que de certa forma perduram até hoje. Lados opostos debatem muito intensamente, a partir de formas diferentes de ver o mundo, temas sensíveis como radicalismo político, extremismo, homossexualidade, aborto, espiritualidade, temas estes todos incorporados no romance.
Pode nos falar um pouco sobre a importância da espiritualidade no enredo do romance?
O romance tem certa densidade, na medida em que apresenta uma camada superficial, que é a fática e de disputa político-partidária, e outras camadas mais profundas, identificadas com uma visão filosófica e espiritual da estória, a partir do contexto e cenário retratados. Com isso, a obra conduz o leitor da superfície às camadas mais profundas, oferecendo-lhe uma perspectiva espiritual para desavenças que na verdade são periféricas, quando compreendemos que, no fundo, o que um lado e outro desejam é o mesmo: o bem, a justiça e sobretudo o amor. De modo simbólico, David convive com uma doença mental que se relaciona com uma sensitividade mal compreendida. Aí se abre a espiritualidade que o leitor é convidado a explorar.
Quais são as mensagens-chave que você espera transmitir aos leitores por meio desta obra?
Acima de tudo, o amor, dele decorrendo o entendimento, a fraternidade, o respeito a diferentes formas de pensar e a construção de um mundo melhor e mais inclusivo.
Como você vê a relação entre amor e tolerância, especialmente em tempos de divisão e polarização?
O amor é quase que indefinível, pois ao mesmo tempo em que parece abstrato, é tudo o que há de mais denso e poderoso. Ele está em nós em maior ou menor medida e dele necessitamos para nos mobilizarmos na vida, no mundo. Não podemos abdicar de sua força criadora e restauradora. Por outro lado, a tolerância é um termo a meu ver incompleto e inadequado. Como devemos apenas tolerar o outro? Não é salutar. Na verdade, o que o outro precisa é, no mínimo, de respeito e consideração e isso só obtém com amor. Mas, só conseguiremos apreender isso perfeitamente quando formos capazes de enxergar a nós mesmos nas outras pessoas.
Quais foram os maiores desafios que enfrentou ao escrever este romance?
Como é um romance um pouco mais denso, do ponto de vista psicológico, a caracterização dos personagens me exigiu bastante, pois, em sua maioria, eles têm uma questão complexa para lidar. No mais, as revisões também consomem bastante, haja vista a necessidade de polimento e aperfeiçoamento do texto.
Como você acredita que os leitores podem aplicar as lições aprendidas com “O amor em meio ao dissenso” em suas próprias vidas?
Creio que o leitor, ao ter contato com a história de David e Tatiana, bem como com os dramas que envolvem o casal e outros personagens, poderá refletir sobre temas de extrema importância e, a partir de uma reflexão mais acurada sobre o sentido e o alcance do amor, meditar um pouco sobre si mesmo e o outro. De que modo podemos excluir determinados segmentos quando o que primamos dentro e fora da religião é a igualdade? De que modo podemos relativizar a vida e a fraternidade quando o que desejamos é um mundo sem preconceito e mais inclusivo?
Você poderia compartilhar um momento ou cena do livro que seja particularmente significativo para você?
“– Embora tenhamos uma linha de pensamento, costumamos sair pinçando um pensamento daqui, outro dali. Sabe o que penso? Que o que estamos realmente fazendo é buscando a essência das coisas. Se todos conseguissem perceber como o que buscam é, essencialmente, o mesmo, não haveria tanta divergência no mundo”.
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