A lenda do Rei Sebastião, imortalizada nas noites de lua cheia na Ilha dos Lençóis, no Maranhão, ganha vida em uma emocionante releitura literária. Neste novo lançamento, “O Rei Sebastião”, o pesquisador e brincante da cultura popular, Francisco Bertulino Cruz, nos leva a um mergulho na rica tapeçaria de mitos entrelaçados, que conectam raízes portuguesas, africanas e indígenas na tradição nordestina. Numa narrativa com tons de realismo mágico, conhecemos Sebastião, um menino com uma vida misteriosa desde o nascimento.
Este jovem, marcado pelo silêncio de seu pai, tece um mundo de palavras, colecionando expressões e vocabulários em um “mocó” de retalhos. O que torna essa história ainda mais cativante é a forma poética com que o autor desenha paisagens, pensamentos e encontros, transportando-nos para as praias do Nordeste brasileiro. O balanço da rede, o pé de manga carregado de frutos maduros, o esforço dos pescadores e a canção noturna das ondas do mar tornam-se elementos que enriquecem essa narrativa e revelam como a ancestralidade vive nas experiências mais simples do cotidiano. É uma homenagem à magia que tece as teias do folclore nordestino e às histórias que nos conectam com o passado e a imaginação.
Pode nos contar mais sobre a lenda de Dom Sebastião e como essa figura mítica se tornou parte da cultura maranhense?
Dom Sebastião é um rei de Portugal. Ele desaparece em uma batalha no Marrocos e surge como encantado na Ilha dos Lençóis, no Maranhão. Não há uma explicação lógica pra esse acontecimento, mas existem as conexões entre povos, as transmissões de saberes por nossos ancestrais e o cultivo da espiritualidade. O Maranhão é um emaranhado de mitos, lendários, encantos… Essas forças repassadas pela oralidade, pelas brincadeiras, pelos sons dos tambores, fortalece a identidade da nossa gente e se perpetua dentro de nós.
Como surgiu a ideia de recontar essa história em “O Rei Sebastião” e qual é a abordagem que você adotou na narrativa?
Ela surge sem uma pré-determinação, sem uma razão aparente, apenas reacende como uma força em mim, e isso tem a ver com minha ligação direta com a cultura do meu estado e a forma como eu vivencio isso na minha rotina. A abordagem é mais intuitiva, também não foi uma escolha consciente. Eu deixei fluir, gosto de trabalhar com a fluidez, com os sentidos.
O livro apresenta Sebastião como um personagem com uma conexão profunda com as palavras e a linguagem. Como essa conexão é explorada na história?
Sebastião aparece para nós na oralidade dos mestres, na sabedoria dos povos de terreiros e nas suas forças espirituais. Através desse contato, a gente vai compreendendo a história como um acontecimento vivo na memória, na música, na fala, na dança, nos ritos. É tudo muito pulsante e intenso. É linguagem coletiva, é memória coletiva, é cosmologia… nosso povo é muito sabido.
Além da lenda de Dom Sebastião, quais outros aspectos da cultura maranhense estão presentes no livro?
O livro apresenta vários sentidos da cultura, várias referências, por exemplo, o mês de junho, a brincadeira do boi, a religiosidade de matriz africana, o catolicismo popular… é muita coisa.
Qual é a importância da ancestralidade na história e na vida de Sebastião?
Sem ancestralidade, não há história. Nosso sangue vem de longe, as características dos corpos, do cabelo, das cores, dos nomes. Nossa relação com a natureza, a plantação, a colheita, o pescado… tudo isso é antigo, ancestral, e está enraizado. Assim como os mitos, os encantados, as forças da vida.
A obra parece ter elementos de realismo mágico. Como esse estilo literário contribui para a narrativa?
Eu só soube o que era realismo mágico depois que escrevi o livro. Hoje tenho consciência que é esse estilo que me acompanha na escrita. Foi o realismo mágico que me escolheu.
Você é um pesquisador e brincante da cultura popular. Como sua experiência e conhecimento nesse campo influenciaram sua escrita?
Foi inevitável. Eu começo a escrever e logo minha realidade se intromete na escrita. Eu vivencio essas experiências culturais no meu estado, não como pesquisador, mas como pessoa de dentro. Isso me pertence. É meu lugar de pertencimento.
A literatura tem o poder de transportar os leitores para diferentes lugares e culturas. Como você espera que seu livro impacte os leitores fora do Maranhão?
As pessoas que são curiosas por outras culturas certamente terão interesse no livro. A obra está aí para quem gosta de atravessar fronteiras.
Além de “O Rei Sebastião”, você tem outros projetos literários em mente?
Eu tenho um romance pronto para publicação e estou escrevendo outro.
Como você vê a importância da literatura na preservação e transmissão de histórias culturais e folclóricas como a de Dom Sebastião?
A literatura é uma ferramenta fantástica e necessária para a manutenção, preservação e difusão da história, porque a literatura seduz, nos conecta, transforma nossa forma de pensar. É através da literatura, por exemplo, que as pessoas que não podem ir à ilha dos lençóis, saberão sobre ela e seu rei encantado.
Acompanhe Francisco Bertulino Cruz no Instagram