Buscando explorar uma visão especial da música, Mariano Marovatto lança releitura de “Sutil”

Foto: Pollyana Quintella

Depois de uma temporada de três anos em Portugal – onde lançou o álbum folclórico experimental “Selvagem” (2016) –  o cantor, compositor e escritor carioca Mariano Marovatto, de volta à vida musical brasileira, lança uma releitura de “Sutil”, composição de Itamar Assumpção trazendo seu universo para a canção do paulistano. O single está disponível em todas as plataformas de streaming de música.

Em sua versão  de “Sutil”, Marovatto segue os preceitos de teatralidade do compositor paulista invertendo as polaridades cênicas da canção. O histrionismo dá lugar a uma constrição: efeito causado pela incontornável quarentena de 2020. Diferentemente da extroversão cénica típica de Itamar, Mariano transforma “Sutil” num monólogo quase sussurrado, fazendo questão de manter o eu lírico feminino da composição (feita originalmente para a voz de Ná Ozzetti). Gravada de forma solitária em seu estúdio, tocando todos os instrumentos da faixa, a interpretação de Mariano quer revelar o grande segredo da canção de uma maneira bastante sutil.

Depois de passar por lançamentos em Portugal, recentemente você lançou uma releitura de “Sutil”, obra consagrada do compositor Itamar Assumpção. O que o levou a escolher trabalha em cima de música e como foi a trajetória para dar uma roupagem nova a ela?

Sutil é provavelmente a minha canção predileta do Itamar desde sempre. Em Portugal mesmo já tinha planos de gravá-la algum dia. De volta ao Rio, fui retomando e remontando meu pequeno estúdio em casa durante a quarentena. Sutil foi a canção que inaugurou essa nova temporada de gravações. Fui experimentando pedais, instrumentos ao longo da faixa e o resultado ficou mais legal do que havia imaginado.

Em sua nova versão, você fez pequenas alterações como substituir o historionismo pelo sentimento de construção, que é uma resposta a quarentena que o mundo está passando no momento. Você acredita no poder que a música tenha em trazer um conteúdo informativo em sua estrutura ao abordar assuntos presentes no cotidiano atual?

A música é reflexo do seu tempo, sempre. Houve momentos em que, por sabedoria e sensibilidade do compositorx/cantorx, a música conseguiu antecipar o que viria pela frente na história. A música acompanha a humanidade desde o início, é uma companheira que permanecerá até o final do antropoceno. Talvez sobrevia a ele.

Foto: Pollyana Quintella

Um detalhe que me chamou atenção em sua adaptação, foi a decisão de manter o eu lírico feminino que foi feita originalmente Ná Ozzetti. Aparentemente, sua versão utilizou uma extroversão cênica diferente, transformando-a em um monólogo. Quais foram as principais técnica que se destacou em seu processo de produção?

Eu quis fazer uma interpretação como se fosse uma confissão sussurrada desse amor, desse ciúme. E por que não também fazer esse personagem confessar que ele “vira loba, vira menina” por conta desse amor. Mantendo o eu lírico feminino numa voz masculina penso que universaliza ainda mais o desvairismo da paixão.

Considerado um artista de múltiplos talentos, além da carreira fonográfica, existem várias obras literárias que foram lançadas por você, como “Estriâncio” em 2019 e “Vinte e cinco poemas”, lançadas em 2015 com uma parceria com Chico Alvim. A que se resume o seu contato com a literatura e como foi seu ingresso como escritor?

Correram em paralelo desde sempre meu interesse pelas duas áreas. Nasceram juntas e cada carreira foi seguindo o seu caminho. Às vezes os dois interesses se encontram sem querer. Houve momentos em que gostaria que tivessem se encontrado, mas não aconteceu.

Foto: Pollyana Quintella

Recentemente, você organizou um compilado de contos do poeta e compositor Cacaso intitulado “Doutor Caneta”, lançado no ano passado, além da versão em português de “Silêncio”, trabalho original do norte-americano John Cage. O que mais o atraiu para construir sua base em cima desses trabalhos?

Cacaso era poeta, professor, crítico e compositor. Áreas que também transito. Cacaso foi meu objeto de estudo no doutorado. Me identifico em muitos pontos com ele. Cage também extrapola a música: é um pensador, um escritor, um performer. Gosto de artistas que explodem as fronteiras entre as áreas.

Entre os anos de 2009 a 2016, esteve no comando do programa musical “Segue o Som” da TV Brasil. Quais são as melhores lembranças que tem da época? Gostaria de voltar às telinhas?

A TV Brasil nessa época abria portas, criava possibilidades e liberdade. Julgo que foi o melhor programa musical da TV brasileira na época, justamente porque não tínhamos amarras financeiras com patrocinadores e gravadoras. Falamos de todo tipo de música, de todas as épocas. Era democracia. Adoraria voltar para a TV democrática nesses moldes, sim.

Durante a época da pandemia do COVID-19, tiveram várias ideias de projetos e canções que foram sendo planejadas a fim de expandir suas fronteiras. Acredita que essa época tem sido um momento de inspiração para se focar na carreira e em novas composições?

Para quem trabalha com cultura no Brasil, a pandemia foi um golpe pesado. Já era difícil estabelecer-se sem ela. Foi asfixiante, para usar o termo da nossa época. Voltar para a sua trajetória, entender os seus desejos como artista e projetar planos tanto a curto como a longo prazo foi vital para não enlouquecer.

O processo de mixagem e masterização de “Sutil” foi feita pelo produtor argentino Martin Scian, que foi responsável pela produção de álbuns indicados ao Grammy Latino, inclusive. Como foi o começo dessa parceria e o que achou da experiência?

Martin é um grande amigo de longa data. Quando morava no Brasil, nós dividimos a mesma casa. Era um apartamento bastante barulhento e musical, foi uma época maravilhosa. Martin é um gênio da engenharia de som, além de excelente pianista e multi instrumentista. Desde 2013 trabalhamos juntos.

Atualmente, existe uma relação muito conturbada em relação aos jovens e a literatura, principalmente na fase escolar, onde crianças não costumam estar demonstrando interesses pela leitura de muitos clássicos. Uma das questões que são apontadas são os temas e títulos oferecidos em propostas dos extraclasses e indicações dos professores. Você teria uma opinião sobre esse cenário?

Posso contribuir para esse debate com duas frases de efeito: o problema não está nos livros em si. A precarização da educação no Brasil foi sempre um projeto. Da colônia escravocrata ao neoliberalismo fascista de hoje.

Ouça a música “Sutil”: https://smarturl.it/SutilMMarovatto

Foto de capa do artigo: Pollyana Quintella

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