*Por Júlia Vasconcelos
É de Roberta Martinelli a voz que tem ampliado o espaço para a música brasileira contemporânea. Mais do que uma voz grave nas ondas do rádio e um rostinho bonito na tela da tevê, Roberta é a mulher cuja mente e coração estão por trás de ideias que movimentam arte e cultura no Brasil.
No dia 3 de agosto de 2023 estreou o programa que revela outra faceta de Roberta Martinelli: o seu amor pela literatura. O Clube do Livro Eldorado agora entra na lista dos programas acumulados por ela na programação da rádio Eldorado 107,3 FM. Idealizado por Roberta, o programa joga luz na sua vertente leitora, adjetivo que a acompanha desde a infância e que sua conta no Instagram não nega.
Com um nome consolidado no mercado da música brasileira, ela iniciou sua carreira no rádio e seu primeiro projeto foi um programa musical que segue no ar apesar de, inicialmente, ter tido que enfrentar a descrença de seus superiores. Mas nem só de música vive uma mulher.
Diferente de seus outros projetos, majoritariamente voltados para esta linguagem, como é o caso do Som a Pino, que vai ao ar semanalmente, ao meio-dia, também na rádio Eldorado, o Clube do Livro se lança sobre a união entre literatura e rádio em um formato pouco convencional.
Clube do Livro Eldorado
A proposta do Clube do Livro é levar a literatura ao rádio, o que, segundo o diretor artístico da Eldorado, Emanuel Bonfim, é o “projeto mais pessoal que ela já fez”. Cada programa é dividido em duas partes, contando com dois convidados e um “livro-tema”.
No primeiro momento, o convidado é alguém que, assim como Roberta, leu o livro. É quando ela conduz uma conversa sobre as percepções acerca da obra, trocando figurinhas como quem bate papo em uma mesa de bar.
Na segunda parte, a radialista entrevista, idealmente, o autor do livro em questão. Caso o escritor não fale português ou já não esteja vivo, o convidado é um pesquisador da obra e/ou do autor. A finalização do programa, claro, fica por conta da música – alguma que seja mencionada no livro ao qual o programa se debruça.
O Clube do Livro Eldorado vai ao ar todas as quintas-feiras, às 21h00, e, assim como o Som a Pino Entrevista – extensão do programa Som a Pino –, é disponibilizado nas plataformas digitais em formato de podcast.
Como é marca registrada de Roberta Martinelli, o programa soa despretensioso aos ouvidos. A pompa da impostação de voz e o decoro robótico da ausência de espontaneidade não fazem parte do estilo da curadora, apresentadora e pesquisadora musical.
Os fiéis ouvintes do seu programa vespertino de nome esperto, que se sentem acolhidos e, religiosamente, estão a postos para ouvi-la por algum dispositivo e até telefona-la, ao vivo, a fim de pedir uma música e, frequentemente, fazer uma declaração de carinho, são reflexo disso.
Cada dia que vai ao ar, o Som a Pino tem uma agenda a cumprir. Enquanto as quintas-feiras são reservadas para uma entrevista com um artista da música e as sextas para o “telefone aberto”, o restante da semana conta com programação exclusivamente musical.
O Som a Pino certamente angariou parte do público para o seu novo programa, além de ter aberto precedente para uma nova criação na emissora. Este, no entanto, não é o primeiro projeto de Roberta Martinelli. A comunicadora caiu de paraquedas no mundo da comunicação, começando no rádio, que, mais tarde, passou a dividi-la com a televisão.
Roberta Martinelli por Roberta Martinelli
A radialista começou a trabalhar na rádio Cultura como estagiária, enquanto fazia faculdade de Rádio e TV. Foi neste período que criou o Cultura Livre. O programa começou na rádio AM e eventualmente migrou para a TV, tornando-se seu projeto de maior projeção, especialmente depois do fatídico meme viral da apresentadora com o grupo Bala Desejo.
Foi um professor da faculdade que viu potencial na voz grave de Roberta Martinelli e a ofereceu o cargo de estagiária na rádio Cultura. Aos 27 anos, largou o emprego de professora de teatro para dedicar-se à Comunicação, onde, depois de ter passado pelo Direito e pelo Teatro, acabou, ao que tudo indica, se encontrando.
Só o tempo, entretanto, provou certo o docente. Se o primeiro teste de Roberta para o rádio foi um fracasso, hoje, ela é premiada e respeitada no universo da música brasileira, sendo o Cultura Livre o primeiro projeto (de muitos) idealizado pela comunicadora.
O programa foi para o formato audiovisual em 2011 e une entrevista e apresentação musical ao vivo. Hoje, o Cultura Livre é disputado pelos músicos cuja carreira está em ascensão ou engatinhando, fazendo valer a luta encabeçada por ela para o projeto ser aprovado e, mais adiante, para que se mantivesse da forma que havia idealizado; ancorado pela sua curadoria e com seu rosto na tela da TV.
Formada em Rádio e TV, Roberta Martinelli trilha um caminho no jornalismo musical, desempenhando importante papel na difusão da música contemporânea brasileira, fazendo coro ao ainda reduzido time de mulheres no rádio.
A comunicadora, no entanto, não se atém à brasilidade. Conexão Itália e Prelúdio são outros programas assinalados pela sua voz. O primeiro, como o nome já sugere, é voltado para a música italiana. Já o segundo, é um programa de música clássica, exibido na TV Cultura e na Cultura FM. Ela tem ainda um programa que vai ao ar exclusivamente no Japão, o Sounds and Cities.
Além desses, Roberta juntou-se com Sarah Oliveira, outra comunicadora do universo da cultura, no período de isolamento social da COVID-19 e, juntas, fizeram um podcast no Spotify chamado “Nós”. Para fugir do óbvio, o projeto não era sobre música, mas sobre relações humanas e contação de histórias.
Pela quantidade de projetos, não é difícil inferir que Emanuel Bonfim tem motivos para afirmar, como fez ao Estadão, que Roberta Martinelli é uma “máquina infinita de ideias”, embora nem sempre leve o crédito que lhe pertence.
Além do nome já consolidado enquanto jornalista musical, Roberta Martinelli agora abre margem para, assim como faz com a música, democratizar a literatura, colocando essa linguagem por vezes sacralizada como assunto no meio de comunicação mais acessível do país — o rádio.
O trabalho de Martinelli remete à relevância do papel dos jornalistas musicais no Brasil e, mais que isso, à importância da Comunicação para a difusão da cultura, que nem só de artistas é feita.
Se a função social de seus projetos já os torna importantes, Roberta imprime ainda uma atmosfera aconchegante e intimista em seus projetos, provocada pela naturalidade da sua condução, que faz renascer o desejo de ligar o rádio (e a TV). O segredo é o ingrediente comum aos seus projetos: a paixão impregnada na impressão digital que ela deixa marcada.