Quando Tita Caldas se deu conta de que seu filho adolescente estava envolvido com drogas, ela se viu em um dilema, sem saber a quem recorrer ou como afastá-lo desse vício. Nos anos 1980, as informações sobre o tema eram limitadas, e uma família do interior de Santa Catarina enfrentava ainda mais desafios para descobrir como ajudar um jovem com dependência química. Mesmo assim, a mãe fez tudo o que estava ao seu alcance para auxiliar o filho e, quatro décadas depois, decidiu compartilhar essas experiências no livro “Drogas – O Diário de uma Mãe”.

A obra, escrita à mão na época, chega às prateleiras em um momento em que Tita se sente mais preparada para falar sobre o assunto. O propósito é nobre: oferecer apoio a pessoas em situações semelhantes. Com esse objetivo, ela expõe sentimentos íntimos para mostrar que as famílias não estão sozinhas nessa batalha e, como muitos, enfrentou sentimentos de dor, culpa, raiva e frustração.

O texto reconstrói eventos dolorosos e reais, diálogos, pensamentos e cartas, sem tentar amenizar os traumas. Nesse formato confessional, a escritora destaca características comuns em pessoas com vício, presentes nos hábitos do filho Daniel. Mentiras, fugas de casa, ciclos de melhoria e recaída e comportamento difícil para pagar as drogas são alguns dos episódios relatados.

Apesar disso, “Drogas – O Diário de uma Mãe” não se propõe a ser um manual de como ajudar familiares com dependência química, mas busca iniciar a discussão e romper o silêncio que envolve as drogas. Com esse lançamento, que foca em uma década na vida do jovem, desde a adolescência até o início da vida adulta, a autora também eterniza as lembranças do filho. Para além das dificuldades, ela retrata o carisma, a bondade e o respeito à família que eram intrínsecos à personalidade de Daniel, uma vítima do vício.

Tita Caldas se coloca aberta a críticas, permitindo que os leitores aprendam com os acertos e erros dela. Em várias partes da narrativa, faz uma autoanálise e reflete sobre o que poderia ter feito de forma diferente.

O que a motivou a escrever “Drogas – O Diário de uma Mãe”?

Foi realmente uma atitude de lavar a alma, expurgar o sofrimento e, talvez, nesta época de tanta dor, justificar para mim mesma que eu havia lutado. Precisava acreditar que, não desistindo da luta, a minha fé e esperança não haviam morrido. Foi uma obra escrita há 27 anos, mas só agora publicada. É um ciclo que se fecha! Eis o diário de uma mãe!

Como foi o processo de revisitar e compartilhar sentimentos tão íntimos e dolorosos ao publicar esse livro?

Foi uma luta interna, uma forma de justificar a mim mesma e sem nenhuma pretensão, na época, de que virasse um livro. Fui lavando a alma como uma terapia, e as lembranças vinham espontaneamente como um carretel de linha que, ao puxar, as pontas corriam soltas e vinham aos borbotões. Eu precisava enganar a dor, tirá-la de dentro de mim e, assim, compartilhar meus sentimentos.

Ao escrever sobre a experiência com a dependência química de seu filho, quais aspectos específicos você espera destacar para ajudar outras famílias que enfrentam situações semelhantes?

A moça sonhadora que casa, tem seu primeiro filho e sonha para ele um mundo perfeito enfrentou uma vida de tanta luta para que tudo desse certo! Ele era um menino lindo, esperto e inteligente. Quando começaram as minhas desconfianças, foi muito cruel, porque eu estava indo contra tudo o que me ensinaram: amor, respeito, responsabilidades… Eu confiava tanto no meu filho, no amor recíproco que nos unia e na responsabilidade que sempre lhe incuti. E agora? Quero que as pessoas julguem minhas atitudes, questionem os acontecimentos e aprendam com os meus erros. Fui muito boazinha? Fui severa? Tive alguma sabedoria? Soube encaminhar a situação? Questionem! E, para me atormentar ainda mais, tenho a dúvida cruel: Plantei a boa semente? Na correria do dia a dia, com trabalho, casa e bebê pequeno, será que dei a devida atenção ao meu filho adolescente? Será que ele se sentiu tão amado como eu o amava?

Qual é a principal mensagem que você deseja transmitir aos leitores de “Drogas -O Diário de uma Mãe”?

Não tenho a pretensão de achar que é um manual, uma receita de como educar os filhos, como agir em horas tão delicadas. Mas quero levantar a discussão e romper o silêncio e o preconceito que envolve a droga quando chega à família. Nós, pais, nunca estamos preparados o suficiente, mas que estejamos sempre alerta na educação de nossos filhos. Quero que os leitores aprendam com os meus erros, me coloquem em julgamento, questionem e lutem por um mundo melhor!

Como você acredita que a falta de informações nos anos 1980 impactou a sua jornada e o tratamento disponível para o seu filho?

Numa época de tão pouca informação, o que sabíamos eram sobre clínicas particulares muito caras longe do nosso alcance. Isso nos desesperava, a coisa piorava, não víamos saída. Foi quando descobrimos uma comunidade terapêutica na nossa região, um trabalho voluntário, onde foi seu primeiro tratamento. Depois, conhecemos uma comunidade terapêutica mais estruturada com psicólogos, tratamento pré-estabelecido mais longo e regras mais rígidas que ficava na capital do estado. Tive que lutar muito, e só a minha busca com fé e esperança me mostraram o caminho. Nunca desistimos.

Tita Caldas (Daniel Vieira)

O livro aborda alguns momentos difíceis, como mentiras e ciclos de melhoria e recaída. Como lidar com esses desafios se tornou parte da sua vida e, consequentemente, da narrativa?

Costumo dizer que a recaída é a mentira! Depois vem tudo. Nos tratamentos, a base das orientações é sempre ser verdadeiro. Cada tratamento nos dava grande esperança e alívio. Quando ele voltava ao convívio familiar, vivíamos no tempo de tantas alegrias e alma leve, com muito amor. Nas recaídas, vivíamos a decepção, a dor ainda mais intensa e a certeza de que tínhamos muito o que fazer mais uma vez. Precisávamos sempre ter fé e esperança entre os desafios.

Quais foram os aprendizados mais significativos que você obteve ao refletir sobre sua própria jornada como mãe de alguém com dependência química?

Vou ousar em dizer que a pessoa não escolhe o vício, o vício escolhe a pessoa. Luca, quero convidar você e seus leitores para pensar comigo: um grupo de amigos, de meninos e meninas de várias classes sociais, intelectuais e religiosos, saem para um rolê e combinam uma saidera num determinado ponto. Um deles diz, à meia boca: “Galera, tem um baseado aqui, vamos experimentar?”. Uns se assustam, outros negam, outros experimentam, e assim o baseado passa. O que para uns não passou de uma brincadeira, para outros (espero que sejam poucos) foi o começo de um caminho sem volta de dor, sofrimento, frustrações e calvário familiar. Não sou especialista, peço desculpas pelo meu atrevimento em dizer: acredito que certos indivíduos têm uma propensão emocional, psicológica, física, enfim, nunca encontrei explicação. Meu filho foi vítima desse mal.

Você menciona a importância de lutar por um mundo melhor. Como a sua experiência moldou suas perspectivas sobre como a sociedade lida com a questão das drogas hoje?

A ideia de lutar por um mundo melhor parece tão vago. Mas, se cada um de nós fizer o melhor na sua casa, na sua família, no ambiente escolar e de trabalho, podemos viver em um mundo onde não é a bebida que faz a festa, não é a droga que traz felicidade e não é o dinheiro que nos dá poder. Alegria e felicidade podem estar nos nossos pequenos atos: no respeito, sinceridade, carinho, gargalhadas, afeto, comida familiar e em estar junto de quem se ama! Um alerta: para quase todos, o álcool é a porta de entrada que leva à droga! A bebida sempre foi o maior problema para o meu filho. Costumo dizer que a bebida está a um braço de distância de quem quer beber. Não faz nada mal para alguns, mas é fatal para tantos! Fiquemos atentos.

Além de ser um relato pessoal, o livro também eterniza as lembranças do seu filho Daniel. Como você espera que as pessoas se lembrem dele através desta obra?

Que sua vida não tenha sido em vão! Ele era um ser tão lindo, alegre, brincalhão, educado e prestativo! Vou repassar o que cada uma de suas três irmãs dizem (não vou usar seus nomes, mas por ordem de idade): “Mãe e pai, ele vai estar sempre conosco, sua alegria e seu amor estão nos nossos corações”; “Minha mãe e meu pai, vamos nos lembrar só dos bons momentos, porque foram tantos! Suas brincadeiras e suas gargalhadas!”; “Meus pais, minhas irmãs, vamos nos lembrar sempre do quanto ele nos amava e tinha orgulho de cada um de nós”. Para meu esposo e eu, temos a certeza de que o amor é o nosso maior patrimônio, seus filhos e a lembrança de bons momentos vividos são a herança que ele nos deixou. Esse era o meu Daniel.

O que você diria para outras mães ou familiares que estão atualmente passando por desafios semelhantes e talvez se sintam perdidos ou isolados em suas lutas contra a dependência química?

Mães, pais e familiares, não deixem nunca de buscar ajuda e lutar com suas armas para ter seu filho por inteiro, sem drogas. Tantos conseguem se livrar, o seu filho também pode! Ele conseguirá! Ensinemos nossos jovens a dizerem não a droga. Quanto mais “nãos”, mas a droga será derrotada. Essa é a nossa resposta para o mal, acreditem! O amor incondicional e a família são o combustível deste desafio. Não percamos a capacidade de amar, lutar por um mundo melhor e a alegria de viver. Com coragem e confiança, vamos erguer as mãos ao alto e dizer: seja feita a vossa vontade, amém!

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