Como toda grande catástrofe, Luxúria, o Lobo do Homem – uma tragédia carioca começa por meio de atos bem intencionados, porém maléficos. Escrito por Ronaldo Dalbianco, músico e ator teatral, o lançamento é um retrato cru e visceral do comportamento contemporâneo, repleto de preconceito, difamação, miséria, traições e violência.

Neste suspense social e psicológico, em que a sátira e a tragédia se entrelaçam, o leitor é apresentado à história de Rita Dourado: uma mulher traída e emocionalmente dilacerada, passando por uma crise de abstinência medicamentosa, que deseja se vingar do marido infiel. Para colocar o plano em ação, Rita apela ao amigo de sua filha, Matheo, e tenta seduzi-lo, mas é humilhada por ele. Desesperada e em busca de reparação, a mulher agride o rapaz e o acusa de violentar a sua filha, desencadeando uma tragédia.

Do outro lado, está Odelon, pai de Matheo, que vive uma perigosa batalha interna ao descobrir a traição do namorado com o seu melhor amigo. Tudo o que Odelon deseja é matá-lo para defender a própria honra. Todas essas ações, somadas, conectam a vida dos personagens ao longo da narrativa, como um quebra-cabeça complexo, no qual cada evento acaba desencadeando um novo desastre de proporções épicas.

A partir de diferentes pontos de vista, nesta obra cada personagem é o vilão e o herói da sua própria história; nenhum deles pensa nas brutais consequências que as suas ações podem causar na vida de outras pessoas. Ao explorar o lado mais sombrio da natureza humana, Luxúria, o Lobo do Homem, é uma caricatura incisiva do homem moderno, que faz o leitor repensar o próprio comportamento, a noção de liberdade em um mundo repleto de amarras sociais e a importância de evitar propagação de informações falsas.

Ronaldo, “Luxúria, o Lobo do Homem” é descrito como uma tragédia carioca que aborda temas sociais e psicológicos complexos. Qual foi a inspiração por trás dessa narrativa?

Escrever este livro foi uma verdadeira catarse, uma necessidade profunda de dar voz às reflexões que me agoniavam no decorrer do ano de 2022, quando a sociedade estava imersa em debates políticos intensos. O comportamento corrosivo da era digital, onde difamação e calúnia muitas vezes são confundidas com liberdade de expressão, despertou meu desejo de explorar essas dinâmicas destrutivas: um ambiente virtual obscuro onde o respeito é escasso, os julgamentos são constantes e o anonimato alimenta uma cultura de ataques impiedosos. Dessa forma, meu texto se tornou uma caricatura da sociedade moderna, um protesto contra a disseminação de mentiras e a cultura do ódio que promovem, sem limites, toda sorte de ataques criminosos.

O enredo do livro envolve personagens com nuances complexas e motivações profundas. Como você trabalhou o desenvolvimento desses personagens para criar essa multiplicidade de perspectivas?

Observando o comportamento humano e explorando a mente de personagens preconceituosos, permitindo que suas verdadeiras naturezas aflorassem sem censura, incluindo semântica. Essa exploração irrestrita era crucial para mostrar a realidade do preconceito, especialmente na internet, onde muitos se sentem livres para expressar maldades sem repressão legal. A narrativa desvela as camadas mais obscuras desses personagens, expondo o pior de suas mentes e a realidade da discriminação online.

Além disso, o enredo aborda comportamentos doentios, como a busca incessante pela beleza e a aversão ao envelhecimento, desencadeando inveja e ódio. Essa abordagem implacável permitiu a criação de personagens dúbios, com dimensões reais, motivados por suas próprias angústias e insatisfações com a vida. Ao revelar complexidades e motivações autênticas, a narrativa se torna multifacetada, desafiando o leitor a repensar suas opiniões sobre cada personagem conforme a história se desenrola.

O livro mergulha no lado sombrio da natureza humana, explorando temas como traição, violência e preconceito. Como você equilibrou essa narrativa forte com a mensagem que queria transmitir ao leitor?

Ao abordar a extrema violência moral em ‘Luxúria, o Lobo do Homem’, percebi a necessidade de encontrar um equilíbrio que transmitisse a intensidade da trama de forma impactante, mas ao mesmo tempo envolvente. Optei por narrar a história por meio do humor ácido, que, de certa forma, funciona como uma lente de aumento sobre os aspectos mais sombrios da trama.

Esse humor ácido proporciona uma mudança constante de opinião sobre os personagens, levando o leitor a transitar entre sentimentos como compaixão e repúdio. A sátira de costumes, portanto, é a ferramenta que escolhi para transformar essa história moralmente intensa em uma narrativa que, embora provocativa, também carrega consigo uma crítica satírica aos comportamentos retratados.

Você mencionou que cada personagem é tanto o vilão quanto o herói de sua própria história. Como essa abordagem reflete a realidade contemporânea que você queria destacar?

A dualidade presente nos personagens de “Luxúria, o Lobo do Homem” espelha uma realidade em que indivíduos adotam comportamentos distintos na vida real e virtual. Essa contradição é particularmente visível em pessoas que se apresentam como defensoras de princípios morais na internet, mas cujas ações na vida cotidiana contradizem essa postura.

Ao retratar cada personagem como protagonista e antagonista de sua própria história, destaco a riqueza da complexidade humana. Cada um deles exibe imperfeições que desafiam as noções convencionais de vilões e heróis. Ao longo da trama, o leitor perceberá que até mesmo as vítimas podem inadvertidamente contribuir para suas próprias tragédias, seja por meio de palavras impulsivas ou segredos mal interpretados por outros.

Os antagonistas em “Luxúria”, por sua vez, não são simples arquétipos do mal; eles possuem motivações profundas e compartilham experiências de sofrimento semelhantes às de qualquer pessoa “normal”. Ao explorar essa dualidade, a minha intenção é convidar o leitor a refletir sobre a natureza multifacetada de cada ser humano, desafiando a tradicional dicotomia entre o que é considerado bem e mal na sociedade contemporânea.

“Luxúria, o Lobo do Homem” parece apontar para uma reflexão sobre as consequências das ações humanas e a falta de consideração pelos impactos que podem gerar. Como você vê essa reflexão aplicada à sociedade contemporânea?

Este livro promove uma análise das implicações das ações humanas na sociedade contemporânea, especialmente no contexto da propagação de informações falsas. A narrativa destaca as potenciais ramificações dessas práticas, evidenciando como elas podem afetar significativamente a vida de indivíduos inocentes, muitas vezes sem que os responsáveis enfrentem as devidas consequências legais.

A trama é focada em traições e busca por vingança, e fornece uma representação simbólica dessas complexidades da vida real. Nesse contexto, o enredo ressalta os limites da liberdade e os danos resultantes da disseminação irresponsável de notícias falsas na sociedade. A história também questiona a extensão do conceito de liberdade de expressão online, sugerindo que tal liberdade não deve abranger aqueles que cometem atos criminosos online, como difamação, calúnia ou injúria.

Ronaldo Dalbianco

Quais foram os maiores desafios ao escrever um livro que aborda temas tão profundos e controversos?

Entrar na mente de pessoas preconceituosas, que discriminam sem dó nem piedade, foi o meu maior desafio ao escrever Luxúria. Embora o leitor possa se sentir incomodado e desconfortável com a crueza da narrativa, é exatamente nesse ponto que busco impactar. A ausência de censura semântica e a extrema violência moral presentes na mente de cada personagem não são gratuitas; são uma representação fiel do comportamento bizarro que permeia nossa vida virtual.

Escrever sobre o que personagens complexos e maliciosos pensam foi meu verdadeiro desafio. Era crucial mostrar a baixeza que envolve a vida virtual, expondo como comportamentos obscuros podem destruir vidas. Não foi fácil abordar temas tão intensos, mas fiz questão de retratar a realidade que gostaria de destacar.

Ao explorar o lado mais sombrio da mente humana, corri o risco de ser visto como promotor desses comportamentos. No entanto, meu objetivo é exatamente o oposto. Dentro da literatura que proponho, acredito ser essencial mostrar à sociedade alheia a esses comportamentos que eles existem. Precisamos lutar contra a normalização dessas atitudes, e essa obra busca contribuir para essa conscientização.

Sua experiência como ator teatral influenciou sua escrita? De que forma sua bagagem artística impactou a construção dessa história?

Minha trajetória artística começou aos sete anos, quando iniciei meus estudos em música, e escolhi o piano como minha forma de expressão até os vinte e poucos anos. No entanto, um problema médico no pulso me obrigou a abandonar esse sonho. Aos vinte e quatro anos, conquistei uma vaga em um concurso público, o que me permitiu ir para o Rio de Janeiro estudar artes cênicas, onde permaneci até poucos anos atrás, dedicando-me às artes dramáticas.

Após tantos anos envolvido nessa arte coletiva, percebi a necessidade de explorar a minha mente e criatividade de outra forma. Foi nesse momento que comecei a escrever, uma resposta à necessidade de expressar tudo o que acumulei ao longo de mais de duas décadas dedicadas às artes. A catarse pessoal deu origem ao enredo de uma história que, mesmo não tendo sido publicada, marcou o início da minha incursão na escrita de ficção.

Toda a minha jornada artística está presente em meus textos. A musicalidade, o ritmo e a sensação de estar dentro da história, adquiridos pela experiência de encenar personagens nos palcos, são elementos que busco transmitir aos leitores. Quero que o leitor não apenas observe a história, mas participe dela, vivenciando o enredo de forma intensa e, por vezes, excessiva, mas fundamentada.

A influência dos ritmos da música e do teatro me proporcionou compreender o ritmo ideal da minha escrita, mantendo o leitor em constante suspense, ansiando pelo desdobramento da trama. Recebo, às vezes, o retorno de alguns deles, enquanto leem o livro, envolvidos e desejosos de descobrir o que acontecerá a seguir. Isso me dá uma sensação de dever cumprido.

O livro destaca a importância de evitar a propagação de informações falsas. Como você acha que a literatura pode contribuir para essa conscientização?

A literatura pode oferecer diversas e distintas abordagens com o intuito de alertar sobre os perigos da propagação de informações falsas. No meu livro, a trama se desenvolve inteiramente em torno de mentiras. Os personagens foram construídos com dimensões realistas; eles mentem, difamam e caluniam em busca de vingança, cujas consequências catastróficas atingem várias vidas inocentes.

Ao expor essa rede de enganos e suas tragédias por meio de uma história fictícia, busco conscientizar o leitor sobre os perigos das mentiras e da disseminação irresponsável de informações falsas na sociedade. A literatura aqui age como um espelho que reflete os danos causados pela mentira e incentiva uma reflexão sobre a responsabilidade na manipulação da verdade.

Qual é a mensagem fundamental que você gostaria que os leitores levassem após lerem “Luxúria, o Lobo do Homem”?

Em Luxúria, busquei explorar as nuances entre verdade e mentira na era digital, assim como temas complexos como saúde mental, preconceito, discriminação, exposição excessiva na internet, objetificação sexual, envelhecimento, maturidade (e falta dela), entre outros. Ao apontar todas essas questões de forma intensa e visceral, o meu objetivo é proporcionar uma experiência impactante que leve os leitores a refletirem sobre a realidade, a qual muitas vezes preferimos ignorar. Ao confrontar o leitor com as sombras da existência humana, espero instigar a reflexão sobre as escolhas que fazemos, as consequências de nossos atos e a necessidade urgente de repensarmos valores e comportamentos.

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Por fim, como foi a transição de artista dos palcos para escritor? Quais foram os principais aprendizados nessa nova empreitada literária?

Fui motivado pela busca por uma forma de expressão mais alinhada à minha personalidade tímida, por mais contraditório que possa parecer para um ator. Mesmo participando de várias peças e musicais, percebi que preferia estar nos bastidores, o que me impulsionou a começar a escrever. Assim, descobri que a satisfação que encontrava nos palcos podia ser reproduzida através do retorno dos leitores às minhas histórias.

“Luxúria, o Lobo do Homem” marca minha estreia literária, mas antes disso, testei minha escrita em textos publicados apenas digitalmente, recebendo feedbacks positivos. Essa experiência me fez perceber que não precisava doar meu corpo para criar arte, mas podia expressar minha mente, pensamentos, ideias e criação por meio da escrita. Ao compreender isso, a transição dos palcos para a escrita não foi difícil.

A mudança também foi impulsionada pela natureza coletiva das artes cênicas, que, para mim, tornou-se um desafio. Como alguém dedicado e obsessivo pela arte, lidar com diversas pessoas e seus diferentes níveis de comprometimento se tornou um obstáculo. A escrita me dá a liberdade de caminhar sozinho, sem depender de uma equipe durante a criação, tornando-se uma jornada mais alinhada com minha abordagem artística.

No entanto, as partes técnicas, como revisão de texto, diagramação, capa, etc., tão importantes quanto o processo criativo, exigem parcerias. A vantagem da carreira literária independente é que posso escolher com quem trabalho. A caminhada tem me feito conhecer muitos excelentes profissionais, outros nem tanto, o que ajuda a reconhecer aos poucos o caminho correto a ser seguido.

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