Cantor, compositor e multi instrumentista brasileiro radicado na Finlândia, Pedro Bergamo une a sua paixão pela MPB setentista com o rock progressivo nórdico em uma viagem psicodélica e solar no single “Escute o som que vem daqui”. A faixa, que sugere início de ciclos e renascimentos, mostra o recomeço de um trabalho artístico para Bergamo ao mesmo tempo que pode dialogar com o ouvinte que busca no ano novo uma página em branco.
Nascido em uma família de músicos, Pedro busca desde cedo unir suas influências musicais ecléticas do flamenco, folk, forró e rock com seu interesse em assuntos místicos, históricos e filosóficos. Influenciado por seu avô que era benzedor, tarólogo e contador de causos, o artista iniciou sua discografia com o single “Lago Brasil” em 2019, contando uma trágica história indígeno-Brasileira fazendo uma ponte entre o dialeto caipira de trovadores paulistas como Tião Carreiro e Pardinho, e o folk rural do nordeste setentista de Zé Ramalho, seu maior ídolo. Um ano após, em meio a uma perda pessoal forte e inspirado pela obra de Ariano Suassuna, Pedro produz “Abrahadabra!”.
Trabalhando em seu disco de estreia, ele dá a primeira amostra de sonoridade com “Escute o som que vem daqui”. Produzido pelo guitarrista Lauri Loikkanen, da banda finlandesa The Halophones e masterizado por Jaakko Virtalähde (Death Hawks, Mikko Joensuu), a faixa chega com um clipe dirigido pelo diretor sueco-finlandês Anders Ragnar. A faixa está disponível em todas as plataformas de música digital e o clipe, no canal do YouTube do artista. Confira a entrevista!
Entre as muitas características que foram puxadas em seu novo single “Escute o som que vem daqui”, o MPB setentista e o rock progressivo nórdico, trazem o ar psicodélico da música. Como foi que a junção desses dois ritmos distintos acabou resultando em seu novo projeto?
Foi meio que por acidente. Lauri tem uma banda de rock psicodélico aqui e ele usou o baixista e o batera nessa faixa. Não era o plano inicial mas essa sonoridade de rock clássico ressoou bastante comigo e acabou casando perfeito com a musica. Algo contemplativo, imperfeito, suave. E eu nunca tentei ativamente produzir algo similar ao MPB dos anos 70, mas toda hora aparece um dizendo “Cara, seu som é muito Tropicália. Muito ‘Secos e Molhados’”. O motivo é que esse é o tipo de som que eu curto. Raul Seixas e Pink Floyd são grandes influencias minhas.
Lançada como uma inspiração para os ouvintes que buscam novos planos para o ano novo, a faixa também apresenta o um recomeço do seu trabalho artístico. Qual tem sido o significado desse lançamento no momento atual da sua vida?
Eu acho legal quando a galera faz essa conexão: ano novo, musica nova, recomeço, mas eu mesmo não vejo muito um recomeço da minha carreira, pois parece que eu estou deixando pra traz os sons que eu produzi anteriormente. Pra mim “Escute o som que vem daqui” é um experimento. Algo que eu nunca fiz antes e eu estou bem feliz que o povo tem achado conforto nela. Mas nada me impede de voltar a fazer um som 100% acústico como em “Abrahadabra!”. Eu ainda sou o mesmo Pedro.

Além de você, vimos na sua biografia que a arte está presente entre vários membros da sua família. Nesse caso, como foram os seus primeiros contatos com o universo da música?
Bem, meu pai, tios, avô, todos são violeiros e muitos são compositores. Meu primo me ensinou meus primeiros acordes e meu pai teve uma interessante carreira artistica com a dupla caipira “Canário e Passarinho”. Eu até escrevi um livro sobre ele que vai sair esse ano. Quando criança eu acordava 4 da manhã pra ir no programa de radio dele e ouvir essas modas de viola tipo de 1940, que falava sobre tudo quanto tema que você imaginar: natureza, Deus, Diabo, morte, amor, saudade. Eu acho que pouquíssimas pessoas sabem o quão rico a cultura caipira é. Nós possuímos uma literatura espetacular e infindável. Porem ela existe em forma de música, da mesma forma que Kalevala (o livro que deu inicio a Finlandia como um povo) é na verdade um compendio de musicas que um escritor no século 19 criou uma narrativa em cima. Provavelmente esse acesso ao aspecto oculto da musica caipira seja a maior herança que eu recebi de meu pai e de meus ancestrais.
A respeito de seu estilo musical, você costuma misturar bastante referências, sejam elas do flamenco, folk, forró e até mesmo o rock. Como costuma ser o processo para conseguir misturar estes diferentes estilos e como funciona o seu processo de composição? A música já nasce com um estilo ou ela vai adquirindo?
Essa é a pergunta de um milhão de reais. De onde a vem a inspiração? Sou eu quem escrevo a música ou é a música que se manifesta? Eu tenho a tendência de pensar que a musica (ou qualquer obra de arte) já existe em um outro universo e um artista é nada mais do que um carteiro. Pensando assim a música, já existe com suas características (letra, ritmo, duração) e tudo que eu tenho que fazer é descobrir ela ao invés de criar ela. É como pensar que Newton descobriu a gravidade e não inventou ela. Ela já existia, tudo que Newton teve que fazer é observar e escrever sobre ela. E minha predileção quanto ao blues, forró, flamenco, sertanejo antigo deriva do fato de serem ritmos considerados “música de pobre”. É um som de minorias sofridas, seja dos ciganos na Espanha, negros no sul do Estados Unidos ou nordestinos em São Paulo.

Em suas músicas, as suas letras costumam ter bastante participação de assuntos místicos, históricos e filosóficos. Como se deu o seu interesse pela abordagem dessas temáticas?
Quando adolescente eu era muito cristão e até estudei pra virar Pastor. Eu tinha um professor de matemática que todo domingo eu ia na casa dele pra estudar a bíblia e jogar xadrez. Era um cara fantástico, ele e a esposa dele. me ensinaram muito. Mas me lembro que em certo momento eu fiquei intrigado que as pessoas interpretavam a bíblia literalmente e não como um livro místico, de natureza secreta, cheio de metáforas e conceitos que são super difíceis de traduzir, diga lá compreender. Ai nessa época um amigo me introduziu a bibliografia de Marcelo Mota e Aleister Crowley e a partir dai foram vários anos estudando gematria, ocultismo e astrologia. Porem nos meus 23 anos eu achei um livro na biblioteca da universidade onde eu estudava química, chamado “Dragões do Eden” de Carl Sagan. Ao invés de ser um livro sobre assuntos ocultos, como eu esperava, se tratava de um livro sobre ceticismo. O trabalho de Carl Sagan impactou tanto minha vida que a partir dai eu me fechei completamente para o misticismo ou religião pra me dedicar 100% ao estudo da ciência e tecnologia. Fiz metrado e doutorado aqui na Europa e durante uns 7 anos eu tentei meio que esconder esse meu lado “Jovem Místico”. Mas em 2020, um acontecimento abalou minha vida de tal forma que eu reabri a porta e deixei entrar Deus, os anjos e todos aqueles que nas profundezas vivem do qual nunca ouvimos falar. Desde então eu estou aprendendo a conviver com o Pedro cristão, o Pedro místico e o Pedro ateu.
Lá em 2019, você fez a abordagem de um importante tema para a história do nosso país, que foi a indígena-brasileira em “Lago Brasil”, que faz ponto entre o dialeto caipira de trovadores paulistas e o folk rural do nordeste setentista. Ao compor uma música como essa, se faz necessário uma prévia pesquisa para melhor abordar os tópicos do tema?
Acho que a mesma pergunta pode ser feita sobre qualquer música considerada ‘regional’. Por exemplo “Ferreirinha”, uma moda de viola composta por Adauto Ezequiel (Carreirinho). É uma música super rica, feita por um violeiro sem muita instrução. Carreirinho era um gênio, mas não um intelectual. Quando ele mudou pra São Paulo ele trabalhava como pedreiro, assim como Cartola, um dos maiores compositores que já existiram, na minha opinião. Quanto de pesquisa prévia Cartola fez pra compor “O mundo é um moinho?” Zero. Pra compor algo desse nível você tem que amar, sofrer, passar fome, chorar, rir. Você tem que viver! Eu diria até que se você tentar parir algo do tipo usando o intelecto, nada sai. Por isso eu fico muito triste com a maneira que muitos professores ensinam música ou literatura. Eles querem te passar uma fórmula, mas não existe fórmula. Mas voltando pra sua pergunta, eu fui capaz de escrever “Lago Brasil” por que eu vivi aquilo. Eu tive o privilégio de ter um avô indígena que me contava desde criança essas histórias fantasiosas tipo da “Mãe d’água” como se fossem casos verídicos. Isso fica registrado na alma ou no sub consciente e acaba se manifestando em forma de música.

Logo em 2020, você chegou a se inspirar em uma obra de Ariano Suassuna para chegar até “Abrahadabra!” que veio justamente após uma forte perda pessoal. Poderia nos contar um pouco mais da história dessa música?
Claro, Luca. O ano de 2020 foi um ano muito sombrio e poucos sabem disso. Eu não tinha força pra fazer nada. Nada fazia sentido. Foi aí que eu viajei para o Brasil e fiquei um tempo na casa de um amigo de infância que por acaso tinha um estúdio. Nessa época, eu achei numa livraria o livro “O romance da pedra do reino” de Suassuna. Eu nunca tinha lido nada dele mas minha mãe, que é uma leitora ávida, sempre me indicou. Me lembrei do trailer que eu vi da serie da rede globo, onde um personagem, também chamado Pedro, acreditava ser o legítimo rei do Brasil. Comprei o livro e até hoje não sei se eu que achei o livro ou se o livro que me achou. Suassuna foi a primeira pessoa que conseguiu me fazer sentir orgulhoso de ser Brasileiro. Pela primeira vez eu consegui encontrar onde eu me encaixo no mundo. A porta pra Deus e pro oculto se abriu novamente, depois de muitos anos. Foi como encontrar um Oasis no deserto. A partir dai, aproveitando que eu estava no estúdio do meu amigo, gravamos a “Abrahadabra!” somente com instrumentos Brasileiros. A música fala sobre Cristo como um ilusionista. Alguém capaz de fazer truques como andar sobre as águas, transformar água em vinho. Mas ele usa essas ilusões pra divulgar uma mensagem. A maioria das pessoas foca nos truques de magica ao invés da mensagem. Foi minha maneira de reencontrar ordem no meio daquele caos. Em seguida fizemos um vídeo clipe e esse som por enquanto tem sido o que mais repercutiu. Tudo quanto eh show que eu faço, a galera vibra bastante com essa musica.
“Escute o som que vem daqui” é o primeiro lançamento que irá compor seu disco de estreia. Como estão suas expectativas para esse lançamento e o que o público pode esperar ao ouvir esse seu novo single?
O publico pode esperar conforto, paz, alívio. O que você espera encontrar em um retiro espiritual. Acredito que a arte serve pra criar um ambiente ou um universo onde o ouvinte se eleva e deixa pra traz, pelo menos por alguns minutos, as loucuras do mundo. Por exemplo, dois dias depois do meu lançamento, um bando de bárbaros atentaram assassinar a democracia, algo que deve ter feito Suassuna se revirar no túmulo. Esse tipo de coisa, um bando de vagabundos que estão cagando pro Brasil (literalmente), me faz pensar “Pra que fazer arte aqui no meu quarto, quando o mundo lá fora está pegando fogo?”. Mas aí eu penso que da mesma maneira que a arte de Suassuna era exatamente o que eu precisava em 2020, talvez a minha arte seja o que um outro Brasileiro como eu precisa nesse momento. O sentimento de alguém pegar na tua mão e dizer “Relaxa, tudo isso vai passar. Enquanto isso, pega o violão e canta comigo uma música. Talvez assim, o tempo passa mais rápido.”
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