No livro “Todas as Vidas de Tati”, a pedagoga Vanessa Nascimento mergulha em temas profundos que permeiam a adolescência contemporânea. A história acompanha Tati, uma jovem de 14 anos, sobrecarregada pelas pressões da sociedade, cobranças estéticas e a ausência emocional de sua mãe, uma influenciadora obcecada pela perfeição nas redes sociais.
Quando uma crise de pânico e um sério distúrbio alimentar ameaçam sua saúde, Tati é levada a uma jornada de autodescoberta ao ser enviada para passar as férias com a família materna em Caruaru, no sertão pernambucano. Longe das redes sociais e das expectativas irreais, ela encontra na simplicidade da vida no interior uma nova perspectiva de felicidade e liberdade.
Vanessa Nascimento utiliza sua experiência como pedagoga para explorar temas sensíveis, como distúrbios alimentares, bullying e fragilidade emocional, oferecendo não apenas uma narrativa cativante para o público infantojuvenil, mas também um guia para pais e educadores lidarem com questões complexas na relação com os filhos.
Como a história de Tati reflete questões tão relevantes para a adolescência contemporânea, como pressão social, distúrbios alimentares e ausência paterna?
Muito se fala sobre assunto ‘abuso doméstico’ entre casais, mas a origem desse abuso, geralmente é ignorada, por tratar-se de um assunto considerado inquestionável, que é o abuso que começa ainda na infância e se acentua na adolescência. Questões como pressão social, distúrbios alimentares e ausência afetiva estão presentes desde que o mundo é mundo, mas apenas agora estamos conseguindo refletir e falar sobre como os pais influenciam na formação de pessoas sem autoestima.
Qual foi a inspiração por trás da decisão de enviar Tati para passar as férias com a família materna no sertão pernambucano? Como essa experiência impacta a jornada da personagem?
Minha mãe é de Caruaru, mas veio para São Paulo ainda bem pequena. Lembro que, aos 10 anos, quando visitei a cidade pela primeira vez, fiquei impressionada com a arte local. Os artistas fazendo escultura em barro ali, na minha frente. Essas imagens nunca saíram da memória. Voltei pouco tempo após a pandemia e os ateliês estavam parados. Apesar da flexibilização do turismo, as pessoas pareciam ter esquecido daquela cidade e seus artistas. Mas o que mais me chamou a atenção foi ver as crianças brincando na rua, algo que não via há muitos anos. Quando comecei a escrever Todas as vidas de Tati, queria oferecer a ela um mundo onde pudesse entender o que é ser criança, para com isso, perceber todas as privações que a vida online lhe trouxe e, assim, tomar a decisão de continuar ou não a vida de influencer.
Como a literatura pode ser uma ferramenta eficaz para abordar temas sensíveis como distúrbios alimentares e fragilidade emocional entre adolescentes?
É por meio da literatura (e histórias) que desenvolvemos a habilidade de nos colocar no lugar do outro. Ler sobre os sofrimentos de uma menina que, aparentemente, tem uma vida perfeita, faz a adolescente se identificar e, com isso, ter mais liberdade e confiança para expressar as suas próprias angústias.
No livro, Tati abandona sua vida de influenciadora digital e encontra felicidade nas coisas simples. Qual é a mensagem principal que você espera transmitir aos leitores com essa mudança de perspectiva da personagem?
Quero que os jovens questionem o que é imposto como felicidade X o que, realmente, os faz felizes. A indústria do consumo está tentando convencê-los de que precisam ter coisas para atingir a tal felicidade que, aos olhos deles próprios, parece tão distante. Isso porque estão lhes roubando a oportunidade de ser ao invés de parecer.
Quais são os principais desafios enfrentados por pais e mães na criação dos filhos, especialmente diante das pressões sociais e do impacto das redes sociais na vida das crianças e adolescentes?
A falta de diálogo está formando indivíduos solitários dentro de suas próprias casas. Imersos no entretenimento barato das redes sociais, famílias passam pela vida sem conhecer uns aos outros. Quanto menos liberdade os jovens têm para se comunicarem com aqueles que mais deveriam confiar, mais eles confiam nas influências que vem da internet. E com isso, essa indústria da aparência lhes é enfiada goela abaixo.
Como a experiência como professora de crianças e adolescentes em escolas bilíngues influenciou sua escrita e a forma como aborda os temas em seu livro?
O ensino da língua inglesa em escolas bilíngues é sempre pautado na literatura. Envolvendo discussões nos pós leitura. Com isso, pude desenvolver um olhar especial para os tipos de discussões que podem ser feitas, tanto na escola, quanto em casa. Porém, esses livros vêm do exterior, e tratam de questões de crianças americanas, britânicas e canadenses. Minha intenção com esse livro, foi aproximar a literatura das questões que os adolescentes enfrentam no Brasil, que é, por exemplo, o País com o maior número de influenciadores do mundo.
Você acredita que a literatura infantojuvenil pode desempenhar um papel importante na promoção da autoaceitação e da autoestima entre os jovens? Em caso afirmativo, como?
Não só acredito como já vi isso acontecer inúmeras vezes. A autoaceitação depende de o jovem entender que tudo bem ser diferente e não se espremer na minúscula caixinha que a sociedade tenta os colocar. Ao ler sobre personagens que se aceitam, descobrem que é possível para eles também. Já a autoestima, acredito vir, justamente, dessa autoaceitação. Já que, quando nós aceitamos, aprendemos a observar qualidades e aptidões.
Quais são os principais valores que você espera transmitir aos jovens leitores por meio da história de Tati?
Espero que, principalmente as meninas, aprendam a se impor diante do que querem ou não querem fazer com a sua autoimagem e, com isso, pensem mais na saúde mental do que no skin care.
Como você vê o papel dos pais e da família no apoio ao desenvolvimento emocional e psicológico dos adolescentes, especialmente em um mundo cada vez mais digital e conectado?
Sou uma eterna defensora do diálogo em família. Não tenham medo de ser chatos. Acreditem, seus filhos querem limites, e com uma boa conversa, são capazes de entender os malefícios das redes sociais para o próprio desenvolvimento.
Qual mensagem você gostaria que os leitores tirassem de “Todas as vidas de Tati” após lerem o livro?
Gostaria que soubessem que o mundo precisa de autenticidade e, sendo elas mesmas, podem satisfazer a elas próprias e as que as cercam.
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