Paulo Stucchi aborda olhar literário sobre memórias e vestígios do nazismo escondido nos tempos atuais

Luca Moreira
13 Min Read

O jornalista Paulo Stucchi tem o nazismo e a Segunda Guerra como um pano de fundo seus principais livros, entre eles, A Filha do Reich, finalista do Prêmio Jabuti. A temática, que se tornou uma marca do autor, está de volta em O Homem da Patagônia, lançamento da editora Jangada. Em seu novo livro, o palco da história não é o continente europeu ou o interior do sul do Brasil, mas sim o país que mais abrigou nazistas, depois dos EUA: a Argentina.

Na trama, um thriller psicológico perturbador ambientado na Buenos Aires de 1958, Sebastián Lindner, um renomado psicólogo argentino, é contratado por uma jovem alemã para tratar de seu pai, um velho refugiado nazista que mora em uma remota fortaleza na Patagônia e cuja personalidade está envolta em vários mistérios. Conforme as lembranças do misterioso paciente vão sendo acessadas, Dr. Lindner se vê diante de um antigo e terrível segredo – que remonta aos últimos dias de Hitler em um bunker em Berlim e que pode mudar drasticamente os rumos da história do pós-Segunda Guerra. Em um dilema pessoal, o psicólogo passa a se confrontar com a pior face do mal e enfrentar seus próprios demônios.

Passo a passo, entre sessões de terapia e novas revelações de personagens reais e fictícios, o leitor descobrirá, juntamente com o psicólogo Sebastián Lindner, quem é o velho alemão misterioso, e mergulhará nas mesmas dúvidas do personagem: afinal, estaria ele diante de Adolf Hitler em pessoa – um dos personagens mais importantes e abomináveis da história mundial? Confira a entrevista!

Considerado um dos momentos mais sombrios de 1933 à 1945, a Alemanha Nazista foi responsável pelo extermínio de milhares de pessoas e até hoje é referenciado pelo seu marco histórico em diversas produções e obras literárias, tais como os seus livro “A Filha do Reich”, que foi finalista do Prêmio Jabuti, e o mais recente “O Homem da Patagônia”. Abordar um tema tão sensível como esse foi uma tarefa complicada?

Eu acho que é uma tarefa importante, pois, apesar da ficção envolvida em ambos os projetos, muitos fatos são reais. E trazer à tona essas atrocidades é um meio de fazer as pessoas não esquecerem de até onde a maldade humana pode chegar.

Em relação às suas obras, esse tema está fortemente presente em todas, e nesse novo livro, a história se passa na Argentina, país que abrigou os nazistas após a passagem pelos Estados Unidos. Quanto tempo e quais foram às técnicas de escrita e pesquisa necessárias para se produzir essas duas obras e porque o tema o atraiu tanto?

Talvez tenha sido o livro que mais me exigiu pesquisas. Não apenas sobre o período pós-guerra, mas sobre a Argentina dos anos 50, sua história. Em relação ao tema em si, sempre gostei de ler e pesquisar sobre o nazismo. Me atrai o questionamento de como uma ideologia tão nefasta atraiu e uniu tantas pessoas.

Considerado uma obra thriller psicológica, a narrativa do seu livro foi dada como perturbadora, principalmente pelo seu contexto, que seria o do psicólogo Sebastián Lindner, que foi contratado para tratar o pai de uma jovem alemã, que no caso seria um refugiado nazista. Ao dar vida a essa história, você chegou a pensar as sensações que passaria por Sebastián se essa história fosse verídica em sua vida?

Sim, com certeza. Também sou psicanalista, de modo que algumas técnicas freudianas que descrevo no livro são reais, possivelmente, seriam usadas por mim se estivesse na pele do Dr. Lindner (risos). É sempre importante lembrar que o terapeuta não é uma ilha; é um ser humano como suas próprias questões. Muitas vezes, casos trazidos pelos pacientes afetam o terapeuta de modo que ele mesmo precisa rever coisas dentro de si. Chamamos isso de contratransferência. Por isso optei por criar Sebastián Lindner como um homem com seus próprios dilemas e demônios, que se vê em um vórtice perigoso diante da possibilidade de estar tratando alguém que, muitos, consideram a personificação do mal, como Hitler. É interessante que muitas pessoas que leram o livro antes do lançamento destacaram que não há mocinho ou vilão na história, ainda que alguns pareçam ter esses papéis. Quando se escreve sobre a natureza humana, não se pode levar em consideração ideias maniqueístas. Tentei colocar isso em prática no enredo também.

Em determinado momento da história, Lidner acaba tendo acesso à diversas lembranças do seu paciente, e um deles, mostra como os últimos dias de Hitler em um bunker de Berlim, poderiam ter mudado os rumos do pós-Segunda Guerra. Esse com certeza foi um dos ápices da história, e como se deu a elaboração da introdução dessa descoberta no livro? Acredita que ainda exista muito da história nazista que ainda possa ser descoberta pelo mundo?

O último dia de Hitler em seu bunker abre e fecha a história, praticamente. Todo o enredo gira em torno do que teria de fato acontecido nas últimas horas do Führer em seu bunker, e leva o leitor a refletir como seria a realidade pós-guerra se, de fato, Hitler tivesse sobrevivido. O fato é que não encontraram um corpo – teoricamente, os cadáveres dele e de Eva Braum foram incinerados pelos soldados soviéticos. O objetivo nunca foi contar uma história em que Hitler sobreviveu à queda de Berlim, mas, sim, levar o leitor a refletir sobre as consequências dessa possibilidade – que em nenhum momento fica evidente no livro.

Após um tempo nessa situação, o psicólogo passa a confrontar sua pior face maligna e enfrenta seus próprios demônios, e aos poucos, a narrativa faz com que o leitor passe por uma submersão, onde ao final, faz pensar se estaria se deparando com o Adolf Hitler em pessoa. Paulo, ao escrever esse livro, por mais que se trate de sua própria escrita, quais foram os pensamentos que brotaram em sua cabeça no decorrer da construção dessa narrativa?

Eu nunca escrevi com a certeza de que Albert Leipzig era Hitler ou não. A mesma dúvida que esteve em mim ao longo das 512 páginas, quero que esteja ao leitor. Não escondi nada na narrativa, eu também me mantive no escuro ao longo do processo (risos). O importante, como o próprio Sr. Leipzig diz, não é o Führer ter sobrevivido ou não, mas sim que seu sonho se mantivesse vivo. E, como a história recente do mundo e do Brasil prova, a extrema direita está mais viva do que nunca. Ainda é fácil, quase ridículo, manipular pessoas em torno de ideias estapafúrdias; por que não, então, levá-las a morrer e matar? Esse é o questionamento que Dr. Lindner deve ter tido, e que espero que o leitor também tenha.

Em relação à essa possível identificação do idoso com a imagem de Adolf Hitler, em um cenário possível, afinal, em abril completa 78 anos desde sua morte, o que você teria a dizer a ele hoje e quais seriam suas reações à um encontro com o ditador?

Eu rezo para que Hitler realmente tenha encontrado seu fim em 30 de abril de 1945. O mundo não precisa de pessoas como ele, apesar de todo seu carisma. O Brasil de hoje sabe o que é criar um mito em torno de uma pessoa de intelecto limitado, alguém limítrofe que beira à boçalidade; isso é danoso. Qualquer ditadura, de esquerda ou direita, o é. Acho que, para responder sua pergunta, o importante não seria o que eu diria a um ditador, mas às demais pessoas. Acho que falaria algo como “levantem-se e abram os olhos!”. Não existe líder sem seguidores.

Apesar de muitas pessoas associarem sempre o Nazismo apenas na Europa, a presença dele na América do Sul, ainda demandou algumas buscas e leituras sobre a presença do movimento no continente. Como se deu a ideia de começar a escrever os livros? Ainda pretende lançar um terceiro volume sobre o assunto?

Tirar o foco do nazismo da Europa para a América do Sul teve como objetivo mostrar como essa ideologia estendeu, de fato, seus tentáculos no mundo todo. Havia um projeto real de perpetuação do nazismo e de reconstrução de u Quarto Reich. A América do Sul tinha papel estratégico importante devido às suas riquezas. Os nazistas estiveram na Amazônia, no interior de São Paulo, no Paraguai, no norte da Argentina e na Patagônia; seus engenheiros e cientistas foram acolhidos pelos EUA e pela União Soviética e se sabe que tiveram um papel importantíssimo no desenvolvido dos programas especiais e de estudos médicos. Então, a semente do nazismo nunca foi exterminada, ainda que sua ideologia tenha sido combatida.

A respeito de toda essa construção do livro, é claro que enquanto alguns elementos foram construídos e personagens foram criados, muitos elementos também possuem referências reais da nossa história. Porém, o quanto você acredita que as histórias desse livro sejam reais e acredita que o nazismo, mesmo que comprovadamente devastador como ele se mostrou na nossa história, ele ainda possa ter uma influência forte na cabeça de muitas pessoas?

O nazismo vez ou outra mostra sua face na Europa ou mesmo na América, muitas vezes, travestido de nacionalismo. Muitos dos fatos de “O homem da Patagônia” são reais, incluindo personagens nazistas que se refugiaram na Argentina e viveram como fazendeiros e políticos. E não foi apenas lá; até hoje se descobrem nazistas vivendo com outros nomes, que refizeram a vida, construíram famílias. Vale lembrar que, ainda que o nazismo seja algo aterrador, o que a União Soviética fez com os povos conquistados não ficou atrás; muitos julgam Stálin pior do que Hitler. Então, não importante o nome que se dê – nazismo, comunismo aos moldes soviéticos, revolução cultural da China. Por trás de tudo, está a maldade humana, o potencial destrutivo que temos em nós.

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