A cantora e produtora musical gaúcha Kristal Werner mergulha nas nuances do amor platônico em seu mais recente lançamento, “Cachaça de Gengibre”. Nessa envolvente faixa, que funde R&B e Neo Soul com toques de brasilidade, Kristal tece uma narrativa fantasiosa baseada em um romance imaginário. Conhecida por sua voz etérea e arranjos vocais únicos, a artista, graduada em Música Popular pela UFRGS, destaca-se não apenas por sua habilidade musical, mas também como produtora, desbravando um espaço predominantemente masculino. O single é lançado pela Peneira Musical, um selo comprometido em impulsionar talentos LGBTQIAP+, negros, 50+ e periféricos, fundado por Elisa Fernandes em 2020, no Rio de Janeiro.

“Cachaça de Gengibre” tem uma história envolvente por trás. Como você transforma experiências pessoais em música e como esse processo influencia sua conexão com a audiência?

A música é a forma como eu melhor sei me expressar e comunicar o que eu sinto. Desde pequena, eu escrevo e canto para aliviar a pressão aqui dentro. Compus uma música pela primeira vez aos 13 anos, e comecei a escrever (letras, poesias, frases) quando eu tinha uns 11. Reconheço que a forma mais efetiva de me conectar com o público é contando a verdade, contando histórias reais, pois é mais fácil de tocar no ponto certo transmitir sentimento, o que facilita na aceitação do público e conexão com o trabalho. Eu também invento histórias, mas não é o que mais me satisfaz.

Você atua não apenas como intérprete, mas também como compositora e produtora musical. Como equilibra esses papéis e como sua formação acadêmica em Música Popular pela UFRGS contribui para sua abordagem musical?

Eu me identifico mais como compositora do que como intérprete. Acredito que, por mais que eu cante desde muito nova, a Kristal compositora é a personagem principal. Compor é inevitável e a interpretação é a consequência. A formação em Música Popular me possibilitou conhecer pessoas que, hoje, considero minha família, além de trocar experiências e descobrir qual era o meu caminho dentro da música. Foi durante o curso que eu descobri a Kristal produtora, que eu entendi que eu era capaz e que eu precisava ter essa autonomia. É muito bom poder converter, em som, uma ideia que tá dentro da minha cabeça, sem depender 100% de outras pessoas. Isso facilita muito o processo. Além disso, durante a formação acadêmica, eu aprendi a procurar pela minha identidade sonora. Digo que aprendi a procurar, porque não acredito que eu só vá encontrá-la uma vez, esse processo é para sempre. Eu aprendi a procurar, porque eu entendi que essa busca é interna, não externa. Eu me peguei muitas vezes tentando fazer o que os outros esperavam, em troca de admiração, mas essa admiração só veio depois que eu entendi que a minha sonoridade só poderia estar dentro de mim.

O single “AMIGS2” transmite uma mensagem leve e descontraída sobre relações sáficas. Como a música pode ser uma ferramenta para explorar e expressar diversidade e inclusão na sociedade?

A música, para além da expressão criativa, sempre foi uma ferramenta de expressão política e cultural. Há anos atrás, não se falava tanto na diversidade e inclusão, além de outras pautas importantes, como falamos atualmente. A música é uma ferramenta importantíssima para o combate a governos reacionários e opressores, como o último que tivemos. Precisamos falar sobre sexualidade, sobre gênero, sobre inclusão, sobre raça e ancestralidade, sobre tudo o que nos torna humanos, para que as próximas gerações conheçam os seus direitos e as possibilidades de ser, que não nos eram apresentadas antes. Quanto mais representantes da diversidade e cultura nós tivermos sob a mira dos holofotes, maior será a chance de mantermos nossos direitos preservados.

Kristal Werner

“Cachaça de Gengibre” apresenta uma mistura de R&B e Neo Soul com nuances de brasilidades. Como você aborda a fusão de diferentes estilos musicais para criar sua identidade sonora única?

Como comentei anteriormente, eu busco o que existe dentro de mim. Claro que tudo o que existe aqui dentro, algum dia teve que entrar, mas eu também não me alimento sempre da mesma coisa, do mesmo gênero. Acaba que eu misturo o que está de acordo com o momento, com o sentimento que eu quero passar. A sonoridade do meu trabalho muda muito dependendo da música, justamente porque eu não me prendo numa coisa só. Eu busco comunicar o que eu quero da melhor forma, sem medo.

Você também lançou o EP “AURORA” em 2021. Como esse projeto se diferencia de seus lançamentos anteriores e o que os ouvintes podem esperar explorar neste trabalho?

O EP “AURORA” foi meu segundo lançamento como artista solo. Antes dele, como Kristal Werner, eu havia lançado apenas o single “Acorda”. Também lancei outros singles, pelo duo AKAIRÚ, projeto com meu melhor amigo e produtor musical, Duda Raupp. A grande diferença entre o EP e o single “Acorda”, é a narrativa. O single é bem político e aborda as problemáticas no sistema de Educação do Brasil. O EP narra parte da minha história, fala sobre a minha história com a depressão, então, são trabalhos muito diferentes nesse aspecto. Em relação à sonoridade, “AURORA” mistura elementos orgânicos e eletrônicos. É o trabalho que tenho mais carinho, de todos os que já lancei. É um trabalho que mexe muito com as emoções de quem se conecta com ele. Recebi muitas mensagens de agradecimento emocionantes, de pessoas que se conectaram com a narrativa e visualizaram a própria história dentro de “AURORA”.

O clipe de “Cachaça de Gengibre” traz uma narrativa visual que mistura realidade e fantasia. Como você enxerga a relação entre música e imagem na transmissão de histórias?

Eu costumo pensar em tudo ao mesmo tempo. Visualizar cenários e a narrativa faz parte do meu processo de composição. Não costumo pensar nas coisas separadas, mas, sim, no conjunto da obra. Isso é algo que me ajuda muito no processo. Tem coisas que a gente fala na letra de uma música, que as pessoas só vão entender quando correlacionam com a imagem. Existem muitas formas de comunicação e transmissão de uma mensagem, e quando a gente consegue unir duas ou mais, facilita a compreensão de quem pode recebê-las e amplia a disseminação da mensagem, a partir do momento em que ela também é entregue a pessoas não-ouvintes, por exemplo. Sem contar que é bem mais atrativo para o público em geral.

A Peneira Musical, onde seu lançamento é realizado, tem como propósito impulsionar a arte de pessoas LGBTQIAP+, pretas, 50+ e periféricas. Como vê o papel da indústria musical na promoção da diversidade e representatividade?

A indústria musical é muito ampla. Existem as pessoas que estão no comando dos meios de comunicação, produção e difusão dos trabalhos no mercado, e as pessoas que lutam diariamente para se manter. A Peneira Musical é uma das que lutam todos os dias. É um sonho de uma mulher preta, lésbica e que veio da periferia. É uma luta que, por mais que seja pauta da indústria em geral, ainda não é uma causa que todos abraçam. A gente consegue perceber isso a partir do momento em que a Ludmilla, uma das maiores cantoras do país, teve que recusar o convite do Prêmio Multishow, pois era convidada para cantar em todas edições, mas não era indicada às principais categorias da premiação. Ainda somos pautas, mas não somos a causa de quem detém o poder dentro da indústria. Sempre foi assim, e vamos seguir nessa luta. A Peneira Musical não só promove a diversidade, ela é a diversidade, é a representatividade de uma parcela muito importante e preciosa da população, e eu sou muito grata por fazer parte disso.

Além da sua jornada musical, você mencionou o desejo de se destacar como produtora musical. Quais são os desafios e oportunidades que enxerga nesse espaço, ainda predominantemente ocupado por homens cis?

Ser produtora musical faz parte da minha jornada. É um desafio diário, porque é preciso não só construir, mas recuperar muita coisa nesse processo. A autoconfiança é uma delas. Os homens cis brancos fazem o que bem entendem desde o princípio. Quem estudou em escola particular consegue fechar os olhos e lembrar daquele colega branco que tocava e cantava mal e todo mundo aplaudia. Aqueles colegas brancos que formaram uma banda muito ruim e todo mundo elogiava, gritava, pedia autógrafo. O processo começa de um ponto muito mais distante para mim, e mais ainda para pessoas que estão dentro de outros recortes, como pessoas pretas, indígenas, pessoas trans. É muito complexo, são muitas camadas. Nessa pirâmide, eu estou logo abaixo dos homens brancos cis, e já é muito mais difícil. Nenhum deles confia em mim, é algo nítido. Dá para sentir. Eles dão espaço e incentivam, porque eles têm que fazer, mas a gente sabe quando é verdadeiro ou não. A gente sabe que na hora de indicar alguém em que eles confiam para um trabalho, eles vão indicar outro homem. Isso não é algo que vai me fazer desistir, não, só me deixa com mais sede e vontade de ser cada vez melhor no meu trabalho.

Como você lida com as emoções e os sentimentos que surgem ao revisitar experiências pessoais ao criar música? Existe um processo específico que você segue?

Eu deixo elas chegarem, dou atenção, converso com elas. É um privilégio poder olhar para dentro e conseguir compreender de onde vem e o que são esses sentimentos, entrar em contato com quem eu já fui, me perdoar. Ter tempo é um privilégio muito grande, que pouca gente tem, então, é algo que eu tento aproveitar ao máximo. Quando eu tenho tempo de olhar para dentro e ainda transformar esse processo em arte, é o auge. Tem dias que eu fico muito para baixo, que eu não tenho vontade de fazer outra coisa sem ser ouvir os meus pensamentos. Quando isso acontece, eu sei que o resultado é música.

Olhando para o futuro, quais são seus próximos projetos musicais e o que os fãs podem esperar de Kristal Werner nos próximos meses?

Nos próximos meses, eu pretendo seguir com os lançamentos de singles, colaborações e, também, fazer mais shows. Ainda em 2024, eu vou começar a produzir o meu primeiro disco. Quero que seja um trabalho potente e significativo, que se destaque mesmo. Eu vou fazer de tudo para que isso aconteça.

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