Jeder Janotti Júnior questiona a masculinidade paterna em novo livro “Mãe, o pai não vai chorar?”

Luca Moreira
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Jeder Janotti Júnior
Jeder Janotti Júnior

Inspirado pela relação distante com o pai, o escritor e doutor em Ciências da Comunicação, Jeder Janotti Júnior, lança “Mãe, o pai não vai chorar?”, obra que explora as marcas emocionais deixadas pelo homem de rotinas rígidas e afetos contidos. Com linguagem lírica e detalhista, o autor revisita memórias da infância e os últimos dias do pai para discutir os rituais de masculinidade, as lacunas afetivas e as heranças emocionais que atravessam gerações, colocando a mãe como o elo de afeto que sustentou a família.

A figura paterna rígida e emocionalmente distante parece ter deixado uma marca profunda nas suas memórias. Quando você relembra a construção da casa da família, um dos momentos citados no livro, como você descreveria a presença — ou a ausência — emocional do seu pai naqueles dias?

Na verdade é muito mais sobre a ausência do pai, uma figura contraditória na conformação da família brasileira, já que sua presença, quando cobrada, principalmente nas famílias de classe média, é muito mais por uma presença financeira, materializada no aporte de recursos, na ideia de provedor, do que como alguém que está presente afetivamente, que compartilha seu tempo com filhas e filhos.

Você destaca no livro o contraste entre a figura do seu pai e a força da sua mãe, que foi o arrimo familiar. Como foi para você revisitar, através da escrita, essa dinâmica entre eles e a forma como ela moldou a sua percepção sobre masculinidade e afeto?

O processo de escrita do livro foi uma espécie de autoanálise, tal como ocorre em um processo terapêutico, guardada as diferenças, narrar, organizar minhas memórias foi, ao mesmo tempo, um processo de catarse e de rememoração avaliativa que incidiu sobre a minha própria dinâmica no papel de pai.

A ideia de “phármakon”, que você menciona como uma espécie de cura pela escrita, é poderosa. De que maneira o processo de colocar no papel essas memórias ajudou você a enxergar a relação com seu pai sob uma nova perspectiva, mais reflexiva e talvez mais generosa?

Antes de tudo, e acho que isso é perceptível no livro, eu tenho uma relação de profundos afetos amorosos com as memórias de meu pai, mas como disse, ao tecer a intriga, juntar as pontas soltas, observei meu pai como uma obliteração de afetos, um lugar comum na figura do pai na geração dele, e infelizmente, talvez na minha. Mas ao desenrolar esse novelo, comecei a perceber que aquilo que cura, também pode adoecer, justamente por tornar presente a ausência.

Momentos como os lutos, os encontros finais com seu pai e até os silêncios entre vocês aparecem como capítulos marcantes da sua vida. Que aprendizados esses silêncios te ensinaram sobre a comunicação — ou a falta dela — entre pais e filhos?

Acredito que o silêncio também é um bem necessário, muitas vezes escasso em uma sociedade cujas métricas parecem ser a conexão e o engajamento contínuos. Quem teve a oportunidade de conviver com filhas/os adolescentes sabe que a pergunta, insistente, “ o que você tem? O que aconteceu?” muitas vezes é ineficaz. De outro lado, o silêncio é relacional, é sempre o outro de uma ideia de ruído, de barulho. Assim como nos é impossível viver sob o ruído incessante, o silêncio como totalidade pressupõe uma ausência, que no caso do livro é a falta do pai e a carência de afetos. Hoje, causa-me estranheza relatos de memórias afetivas de pais que são descritos como taciturnos, ensimesmados, calados como traços amorosos.

Jeder Janotti Júnior
Jeder Janotti Júnior

Em “Mãe, o pai não vai chorar?”, você navega por memórias que tocam no medo de envelhecer e na passagem do tempo. De que forma escrever sobre a lenta decadência do seu pai mudou a sua forma de lidar com a sua própria finitude?

Eu tinha uma ilusão de que escrever sobre o fenecimento seria uma catarse, um modo de lhe dar de modo irrevogável com a ideia de que todos teremos um fim. Após terminar o livro, foi-se mais uma ilusão, uma romantização do escrever, mas de outro lado, a ficção, experienciar outras possibilidades de mundo não deixem de ser um modo resiliente, e reflexivo, de encarar esse processo, inclusive de perceber que não é só uma questão individual, mas geracional, como escrevi no livro, Rita Lee se foi, Gal Costa também, meu pai não tinha nada a ver com elas, mas também se foi.

O livro é para todos que desejam fazer as pazes com a criança interior. Para você, como foi encontrar e dialogar com o seu “eu criança” durante a escrita, especialmente ao revisitar essas memórias tão íntimas e familiares?

A criança que habita em mim é uma construção do presente, rememorar é trazer para o atual aquilo que achamos que foi, se conseguirmos domar até certo ponto o idílio com essa época em que nos achamos imortais, onde a passagem do tempo parece alongada e tênue, talvez possamos aplacar parte da angústia que nos aflige ao nos depararmos com esta inflexão na passagem do tempo.

A obra também toca em temas universais como machismo e desigualdade social. Como você acredita que as histórias da sua família podem abrir espaço para reflexões mais amplas sobre esses temas na sociedade atual?

Como disse organizar e partilhar essas experiências me fizeram enxergar de um outro lugar, fatos e relações que normalmente, abordamos de modo acomodado, como se fossem “naturais”.

Por fim, ao transformar as suas lembranças em palavras, você abre uma janela para que leitores se conectem com suas próprias histórias. Que mensagem você espera que cada pessoa leve ao fechar o livro, mesmo que carregue suas próprias dores e memórias não ditas?

Talvez que sejamos seres contados através de múltiplas estórias e perspectivas, que se assemelham, possuem pontos comuns a todas/os como nascer e fenecer, mas também se diferenciam, pois cada uma, cada um parecer percorrer um trajeto singular por essa trilha.

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