Escritora e ilustradora Danielle Felicetti Muquy lança “Cachorro Preto! Cachorro Branco!”, um livro ilustrado que explora a diversidade e amizade através da história de dois cachorros de cores opostas. A obra, publicada pelo selo infantil Catatau da DVS Editora, usa cores e uma narrativa dinâmica para ensinar tolerância e respeito entre crianças.

O que a inspirou a criar a história de “Cachorro Preto! Cachorro Branco!” e a explorar temas como tolerância e diversidade através desta narrativa?

Aceitação às diferenças e preconceito sempre foram temas que me incomodaram, inclusive, desde quando eu era uma criança em idade escolar. Sempre sonhei em publicar um livro ilustrado, mas não queria criar uma história apenas para entreter. Como sou fã de filosofia, sempre li muitos livros sobre valores humanos e foram eles que influenciaram minha escolha. Posso dizer que foi um combo de “vida real com livros filosóficos”. E claro, a vontade de fazer a diferença no mundo e torná-lo um pouco melhor.

Você poderia compartilhar um pouco sobre o processo criativo para o desenvolvimento das ilustrações e como decidiu que o livro começaria em preto e branco e ganharia cores gradualmente?

Quando cursava Design Gráfico na Belas Artes de São Paulo, aprofundei minha pesquisa por livros ilustrados e meu interesse eram por obras que contassem histórias para além do texto, com uso criativo dos recursos visuais. Optei pelo contraste minimalista entre o preto e o branco para dar vida aos personagens e iniciar a narrativa neutra, evidenciando mundos aparentemente opostos. Os próprios personagens trazem as cores para a história quando sentem a necessidade de transformar o universo em que vivem para que possam conviver em harmonia. Eu também pensei em uma forma simples para os cachorros, vislumbrando o incentivo e gosto das crianças pelo desenho. Já recebi desenhos maravilhosos dos cachorrinhos que me emocionaram muito!

Como designer gráfico e ilustradora, quais técnicas específicas você usou para capturar as emoções e a evolução da relação entre os dois cachorros?

Brinquei com o meio do miolo (ali, aonde vai o grampo e há a divisão entre as duas páginas), como se ele fosse uma fronteira entre o mundo da cor branca e o mundo da cor preta. Para aproximá-los, “causei” um incidente em que os cachorros trocassem de cor um com o outro para que percebessem que eram iguais. Assim, eles descobririam não só a semelhança física, mas a afinidade e os mesmos gostos para que formassem uma linda amizade, ou seja, o momento onde as cores aparecem. Um mundo colorido e diverso passa a surgir, tanto impresso nas páginas como na descoberta da nova amizade.

A linguagem melódica do livro é destacada como ideal para leituras em voz alta. Há alguma técnica particular que você utilizou para tornar o texto tão envolvente para os ouvintes?

Procurei textos curtos, alguns rimados e uma certa brincadeira de repetição com algumas palavras. A leitura torna-se divertida e fluída quando unimos um pequeno texto a uma imagem simples. Penso nesse livro como um “livro-imagem”, onde os dois recursos trabalham em conjunto com o objetivo de agradar aos ouvidos e aos olhos, sem causar dificuldades de dicção ou compreensão demorada da mensagem por meio de figuras complexas e/ou muito distrativas.

“Cachorro Preto! Cachorro Branco!” é apresentado como uma ferramenta útil para pais e educadores. Quais são as principais mensagens que você espera que crianças e adultos levem consigo após a leitura?

A principal mensagem é absorver, entender e praticar o respeito, a tolerância às diversidades, inclusão e erradicação do bullying. Evitar o pré-julgamento é um bom começo para evitar o preconceito. E isso é uma prática diária, que tanto adultos como crianças devem fazer. Aliás, todos sabemos que uma criança não nasce preconceituosa, ela torna-se, ela aprende por meio do exemplo da sociedade em que ela está inserida. Tocar em temas delicados como esse desde tenra idade ajuda a criar seres humanos empáticos. E nós precisamos urgentemente que a nossa sociedade seja mais empática e sensível, né?

Danielle Felicetti Muguy
Danielle Felicetti Muguy

Em que aspectos suas próprias experiências e vivências influenciaram a criação dos personagens e a trama do livro?

Eu sempre procurei ser justa em meus julgamentos em relação aos outros. Creio que desde criança, já que tenho relatos de parentes sobre isso. Minha madrasta me contou que na segunda série do ensino fundamental, quando me pegava na escola, ela percebeu que eu era a única criança que brincava com uma outra que não tinha uma mão. Eu não me recordo dessa criança e acho que não a gravei em minha memória porque na minha visão infantil, ela era só mais uma criança como as outras, que corria, ria e que brincava comigo. Esse tema do preconceito SEMPRE me incomodou e segue me incomodando na vida adulta, já que ao assistir os noticiários ou acompanhar as redes sociais, reportagens e flagrantes sobre violência decorrente de preconceito e bullying estão sempre em voga.

Você menciona que frequentemente leva os personagens do livro para escolas. Como tem sido a recepção das crianças a essas visitas e o que mais lhe surpreendeu nessas interações?

Tem sido incrível e emocionante! Todas as trocas com as crianças foram gratificantes e tocantes. Elas tem interesse genuíno em discutir sobre bullying, se mostram abertas a discussão e fazem questão de me dizer que são totalmente contra o preconceito. As crianças são espertas e sensíveis, elas entendem a jornada dos cachorrinhos com muita facilidade, logo, eu não preciso ir lá para dizer o óbvio. E a visita acaba sendo uma conversa fluída, instrutiva e divertida. Eu também abro o processo de criação de um livro infantil para elas. Gosto de levar esperança e novas perspectivas para que as crianças continuem sonhando em serem o que desejarem ser, independente de seus recursos e origens. Afinal, sou “cria” de escola pública e venho de uma família humilde. Reitero em sala de aula que se eu consegui realizar meus sonhos, elas também conseguem.

Há algum autor ou ilustrador que particularmente influenciou seu estilo ou abordagem na escrita e ilustração de livros infantis?

Acho que toda referência nos influencia de certa forma, mas não há uma ou outra que mais me influenciou. Gosto de autores/ilustradores que fujam um pouco do óbvio, seja no estilo gráfico, optando por uma paleta de cores reduzida e ilustrações simplistas, seja na estrutura do livro ou na maneira criativa como abordam o tema da história. Um exemplo disso é Isol, a ilustradora argentina. Admiro o estilo de suas ilustrações gestuais e as colagens. A estrutura diferente do livro “Ter um patinho é útil” no formato sanfona, onde de um lado ela conta a perspectiva do Patinho de borracha, e, do outro, do menino que brinca com ele, é genial! Atualmente estou apaixonada por “O menino, a toupeira, a raposa e o cavalo”, do autor Charlie Mackesy, um livro delicado, sensível, desenhado em rabiscos que tem como temática gentileza, bondade e questões humanas atemporais. “Onda”, de Suzy Lee, escritora e ilustradora sul-coreana é incrível também! Ela também usou a divisão do miolo para deixar sua história mais interessante. Essa divisória separa a garotinha que quer encarar a onda do mar e a onda do mar, que ora avança e ora se afasta dela, até o momento em que ela decide passar para o outro lado da página onde está a onda. É um livro sem texto e pode ser “lido” conforme a imaginação de cada um. Citei só alguns exemplos porque não cabe aqui em um resumo todos os que eu admiro.

Além de incentivar a aceitação das diferenças, o livro também explora a ideia de amizade. Pode nos contar mais sobre como você desenvolveu essa temática ao longo da história?

A amizade é um dos laços humanos mais sólidos e bonitos. Citando a filósofa, professora, escritora, poetisa e palestrante professora Lúcia Helena Galvão, “A grande necessidade humana, é a necessidade de fraternidade, nós crescemos através dos outros, a convivência é um dos maiores núcleos de aprendizagem que existem. O amigo corresponde as nossas necessidades humanas. Para se humanizar, você precisa da humanidade.” Acho que a amizade nos amadurece, auxilia nossa formação humana e enrique nosso dia-a-dia. No livro deixo implícito que boas amizades podem vir de pessoas com as quais nunca imaginaríamos criar esse laço. É importante estar aberto, evitar o pré-julgamento e aprender as virtudes da paciência e da curiosidade para conhecer e, quem sabe, surpreender-se com essa entidade misteriosa conhecida como “o outro”.

Quais são seus próximos projetos? Há planos para mais livros infantis ou talvez uma continuação das aventuras dos dois cachorrinhos?

Sim! Tenho vários “livros de gaveta”. Rascunhos, roughs e ideias reunidos dentro de uma pasta que tenho sobre a mesa. Há algumas histórias que quero contar em livros e que estão mais amadurecidas, com desenhos e estrutura arranjados, e outras estão a caminho de nascer. Falta-me tempo, como a todo adulto moderno, né. Sem dar muito spoiler, um deles será sobre ponto de vista, a importância de entender que cada um vê o mundo de um jeito muito particular e o que podemos aprender sobre isso. Sobre uma continuação das aventuras dos cachorrinhos, ainda está tudo no universo da imaginação, mas há chances de colocar essas ideias no papel e fazer um novo volume.

Acompanhe Danielle Felicetti Muquy no Instagram

Share.