No romance “Meninos Suspensos”, Daniel, o principal narrador, se encontra diante do corpo de seu amigo no necrotério. Enquanto organiza os preparativos para o funeral, sua mente vagueia por momentos marcantes de sua vida. Fiel ao fluxo de pensamentos, o autor D.B. Frattini constrói uma narrativa polifônica, carregada de crítica, suspense e ironia.

A trama se inicia com a inevitabilidade da morte, mas não se concentra no luto. Esse evento funciona como um ponto de partida para uma imersão nos sentimentos vividos por Daniel ao longo de seis décadas. Ele relembra momentos cruciais, desde o assassinato de seus pais durante a ditadura militar até sua vida em um colégio religioso, passando por sua profunda relação com as artes.

Enquanto critica os costumes da sociedade brasileira, o autor também reflete sobre os conflitos existenciais humanos. Através de uma multiplicidade de vozes, os leitores são levados a vivenciar situações diversas: um garoto com transtorno obsessivo-compulsivo proibido de agir por conta dos impulsos; uma mulher que aceita um casamento arranjado pela família, mas vê sua união desmoronar; jovens em um relacionamento homossexual que precisam sacrificar sua paixão em nome da religião, entre outros exemplos.

“Meninos Suspensos” não é apenas fruto do trabalho literário de D.B. Frattini, mas também reflete sua experiência nas artes cênicas. Como dramaturgo aposentado, ele traz elementos do teatro do absurdo para a prosa. Além de personagens presos às próprias circunstâncias, a narrativa desafia a percepção de realidade do leitor: em diversos momentos, Daniel interage com uma lagartixa na parede do necrotério, uma criatura que fala francês e faz questionamentos complexos.

Embora seja um drama existencial, o livro reserva um suspense que só é desvendado nas últimas páginas, relacionado à morte de um dos personagens.

Como você entrou no mundo da escrita e o que o motivou a explorar narrativas polifônicas e não lineares em “Meninos Suspensos”?

É muito bom conversar com você, Luca. Não posso dizer que entrei no ‘mundo da escrita’ de uma maneira intencional. Carrego a ‘obrigação íntima’ de inventar narrativas desde sempre e faz mais de trinta e cinco anos que estou profissionalmente ligado à literatura de uma maneira ou de outra. “Meninos Suspensos” é um romance repleto de personagens e cada um deles acrescenta uma visão paralela do protagonista. Penso que a polifonia nos meus trabalhos está muito ligada ao meu horror pela autoficção, essa doença que anda destruindo a Literatura Brasileira já faz algum tempo.

Sua trajetória nas artes cênicas influenciou seu estilo literário em “Meninos Suspensos”? Como a experiência teatral moldou a forma como você escreve?

A influência é enorme. A dramaturgia foi o primeiro endereço da minha ficção. Minha formação acadêmica e artística é teatral. Lido com muitos gêneros literários – antes do romance “Meninos Suspensos”, publiquei o livro de contos “Bofetada e Êxtase” – e na construção do meu texto é visível a dramaticidade, tanto trágica como cômica, justamente naquilo que penso ser o maior interesse do leitor: a tessitura e a exposição dos sentimentos, sensações e emoções das personagens dentro de situações insólitas.

Em “Meninos Suspensos”, vemos uma abordagem multifacetada dos conflitos existenciais humanos. Qual foi a inspiração por trás dessa variedade de vozes e experiências?

A ação de “Meninos Suspensos” tem início dentro de uma morgue de hospital, natural pensar que o livro vá tratar da história de um morto, de morte e luto. E é justamente o contrário. A narrativa é calcada no homem que está ali para reavaliar sua trajetória, o absurdo da condição humana, a formação e deformação do ser. A existência de um ser real, ou imaginário, que questiona e mostra os caminhos é calcada na presença de uma lagartixa suspensa, as vozes de uma realidade terrível.

A obra traz momentos de ironia, crítica social e suspense. Como você equilibrou esses elementos ao construir a narrativa?

Gosto muito de Literatura Noir: aquelas ruas desertas, noites repletas de assombrações internas, crimes. Uso alguns elementos misteriosos nas camadas de sustentação de “Meninos Suspensos”. A ironia é essencial, assim como a crítica social: sem alguma resistência o romance fica chato. Não posso dizer que sou um autodidata – estudei criação literária e sou especialista em FECA. Mas, nunca participei dessas novidades das escolhinhas de escrita criativa. Tenho minhas próprias regras e liberdade absoluta no momento de transformar discursos. Não consigo ‘prender’ a narrativa (‘represar’ seria a palavra certa), o rio precisa de fluxo.

O fluxo de consciência é uma característica marcante em “Meninos Suspensos”. Como você usou essa técnica para explorar as emoções e os pensamentos dos personagens?

É complicado, a primeira pessoa é sempre desafiadora. Enquanto autor desejo que o leitor participe intensamente da narrativa, compreendendo e acompanhando os detalhes sem deixar a leitura cansativa. Assim o fluxo de consciência e os monólogos interiores oferecem muitas possibilidades. Tento fluir dentro do pensamento das personagens e, depois, mesclo monólogos interiores reveladores.

D.B. Frattini

“Meninos Suspensos” mergulha em temas profundos e existenciais, apesar de conter elementos de suspense. Como você planejou essa interseção entre drama e suspense na história?

Não planejei. Sou longevo, é uma das minhas características. Tentei fugir dos mistérios, mas a personagem cresceu assim atormentada por conflitos e falhas trágicas.

O livro tem uma estrutura não linear, intercalando momentos do presente e memórias passadas. Por que você escolheu essa abordagem para contar a história de Daniel?

Confesso que seria mais fácil desenvolver a narrativa seguindo padrões cronológicos básicos. também confesso que seria impossível. Não consigo gerenciar começos, meios e fins sem analisar circunstâncias anteriores e conflituosas. Daniel é uma personagem antipática, um homem maduro que foi moldado por sonhos e tragédias. O leitor precisa entender seus motivos para acreditar em suas atitudes pouco convencionais.

Há um suspense que se desenrola ao longo do livro, revelado apenas nas últimas páginas. Como você planejou e construiu essa revelação para manter os leitores engajados até o final?

Como já disse: faz parte dos meus trabalhos essa mistura entre mistério e drama existencial. No caso de “Meninos Suspensos”, o suspense é essencial para direcionar os acontecimentos: um colégio de padres cheio de padres franceses rígidos; o caso homoafetivo entre dois noviços; a falta de conhecimento sobre patologias psiquiátricas nos anos 1970; os pais militantes comunistas; o intenso relacionamento sexual entre um adolescente e uma mulher madura neurótica; tudo isso faz parte da escada de uma fatalidade anunciada. O romance abrange sessenta anos de história de um Brasil errático.

Os personagens enfrentam dilemas e situações complexas, refletindo a diversidade da sociedade. Como você desenvolveu essas histórias paralelas e interligadas ao longo da narrativa?

Tudo faz parte das memórias de Daniel e seus sessenta anos. A segunda protagonista: a lagartixa que fala francês e é pedante e temperamental; levanta as questões. Tentei trabalhar o texto procurando por uma linguagem menos seca. Estou cansado da secura e da falta de liberdade na escrita. Agora existe a moda dos romances de 90 páginas. Quando comecei a escrever, 90 páginas serviam para um conto simples. Nas ‘situações complexas e nas histórias paralelas’ reside a graça da narrativa. Inventei até uma ordem religiosa católica que mistura várias doutrinas para dar a verossimilhança necessária para a narrativa.

Qual mensagem ou reflexão você espera que os leitores levem consigo após ler “Meninos Suspensos”?

O romance é uma celebração da liberdade de ser o que realmente se é e a coragem de estar inteiro diante da própria explosão. Também quis explorar a personagem que se perdoa analisando as próprias falhas de caráter.

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