Os Eternos

Os Eternos e as pré-definições

Carlos Vieira Matos
14 Min Read

Faz muito tempo que eles observam a humanidade. No entanto, apenas agora receberam a chance de contar sua história. Como um interessado por deuses e tudo que possa formar o quadro duma mitologia, eu não poderia deixar de assistir Eternos da Marvel. Inclusive, desde já recomendo o filme para que tire suas conclusões aos quais podem ou não bater com o que escreverei. Tendo dito isso, me permitam apresentar aos mais novos deuses da Marvel.

Nas mãos da diretora Chloé Zhao foi entregue a difícil tarefa de dirigir o filme duma nova equipe no UCM (Universo Cinematográfico Marvel), sendo ainda por cima um grupo de personagens totalmente novos. Portante, o filme deveria ser uma origem não só para o time como também para os próprios heróis. Ela não deu para trás e aceitou o desafio, correu atrás de estabelecer sua visão em relação a como o filme deveria ser feito e conseguiu aval.

Ainda que pequeno, Eternos é um passo na direção de um novo rumo artístico para o UCM.

! Spoilers do filme citado vem aí, prossiga por sua conta e risco !

Os personagens e a premissa de Eternos

Há muito tempo surgiu o primeiro Celestial, Arishem, um ser de tremendo poder que criou estrelas e planetas, além de outros Celestiais. Os Celestiais protegem a vida e para defender os planetas com seres capazes de evoluir foram criados os Eternos. Eles deveriam proteger os planetas com vida inteligente UNICAMENTE da ameaça dos Deviantes. Por isso, nenhum Eterno interferiu em nenhum momento durante os problemas quase apocalípticos do UCM.

Os Deviantes, de acordo com o filme, são super predadores e não havia ninguém que fizesse eles de caça. Matavam toda vida inteligente que vissem, como verdadeiras bestas. Com diversos Eternos ao longo do cosmos, essa era a ameaça ao qual tinham de impedir.

O grupo que vem para a terra é formado por 10 Eternos, sendo eles:

No time de Combate:

  • Ikaris: Um super homem quieto e rígido. Possui super força, vôo e visão laser sendo o mais poderoso da equipe, é interpretado por Richard Madden. É considerado por alguns do time como o líder natural.
  • Thena: Uma guerreira determinada e corajosa. Possui super agilidade e habilidade de criar armas, é interpretada por Angelina Jolie. Tem um dos arcos mais meigos do filme ao sofrer de uma doença extremamente problemática, ainda assim, é a deusa da guerra nas palavras de seus companheiros.
  • Gilgamesh: Um guerreiro tão forte quanto gentil. Possui super força e super resistência ao extremo, é interpretado por Ma Dong-seok. É um grande companheiro e parceiro de Thena tanto em combate, quanto fora, pois ajuda a mesma nos problemas de sua condição.
  • Kingo: Um atirador exibido, embora leal. Possui a capacidade de atirar energia pelos dedos, é interpretado por Kumail Nanjiani. Em muitas cenas surge como alívio cômico, mas também é responsável pela leitura antecipada de alguns desdobramentos da trama.
  • Makkari: Uma velocista animada e poderosa. Possui super velocidade ao nível de poder quebrar a barreira do som, é interpretada por Lauren Ridloff. Aparece próxima do final, para ajudar seus antigos amigos com os perigos que crescem rapidamente. Demonstrou uma maestria grande no uso de seu poder.

No time de Estratégia:

  • Ajak: Uma líder sábia e gentil. Possui o poder de curar ferimentos, é interpretada por Salma Hayek. Apresenta-se desde o inicio como a líder nas decisões tomadas pelo grupo, tudo em prol de sua missão concedida por Arishem. Sua presença destaca-se mais nos momentos no qual olha para a equipe com um carinho quase maternal ao aconselha-lhos.
  • Sersi: Uma alquimista humanitária. Possui a habilidade de transmutar qualquer material que toque, é interpretada por Gemma Chan. Seu papel na trama é o da pessoa que mais importou-se com os humanos desde o dia que chegou, chegando até a namorar com um.
  • Duende: Uma ilusionista ranzinza de aparência jovial. Possui o poder de criar ilusões ao seu bel prazer, é interpretada por Lia McHugh. Na trama, detém um dilema em torno de sua aparência infantil, pois dificulta suas relações, até mesmo com outros Eternos.
  • Phastos: Um inventor nato. Possui a capacidade de criar e recriar máquinas, é interpretado por Brian Tyree Henry. Seu papel na história é como um dos principais e mais geniais cérebros do time, além de também ser um dos que tem muito a perder com o perigo eminente.
  • Druig: Um telepata obstinado em ideais. Possui controle mental sobre outros seres inteligentes, é interpretado por Barry Keoghan. Tem o papel de ser uma espécie de contramão inicial com as ideias dos outros Eternos, mas com o tempo assume o holofote junto aos seus companheiros.

Problemas com mais de 7 mil anos

Os Eternos chegaram a terra há muito tempo. Durante sua missão de exterminar os Deviantes presentes na terra, eles acabaram por ajudar a humanidade em algumas questões. Mesmo embora, pudessem interferir mais e quem sabe para alguns devessem, eles apenas ajudaram a evolução humana em âmbitos simples e desapegados aos conflitos entre humanos. Mediaram tudo de forma que ficaram marcados como milhares de figuras históricas ao longo das eras. Comumente sendo tipos de deuses. Depois disso mantiveram-se escondidos e separados pelo mundo.

Ainda assim, chegamos no presente onde Sersi e Duende são atacadas por um Deviante surgido do além. Ikaris então aparece e as salva, eles então decidem ir atrás de seus antigos amigos e “família” para enfrentar essa ameaça mais uma vez.

A construção do filme nos leva de forma rápida (Contando que descontemos os flashbacks) e boa a descobrir como nem tudo é o que parece, mostrando como o objetivo dos heróis vai mudando ao enfrentarem conflitos até mesmo entre si. Isso acontece principalmente, porque descobrem num determinado ponto ao Sersi comunicar-se com Arishem como sua missão não é era proteger a terra dos Deviantes por pura bondade. Eles deveriam defende-la para que a energia das vidas inteligentes nutri-se o nascimento dum Celestial no núcleo do planeta. Tal nascimento destruiria o planeta.

O maior conflito do longa é então desencadeado por Ikaris, devido ao mesmo já possuir conhecimento sobre sua verdadeira missão há milênios. Quando Ajak sugere a possibilidade de parar esse nascimento celestial, pois havia a chance das pessoas do planeta valeram a pena, Ikaris leva ela a uma emboscada. Com ela morta, ele tenta afastar seus amigos dessa debandada rebelde. Porém, Sersi determinada e com a ajuda de alguns outros tenta parar o nascimento. Se a tentativa é bem sucedida ou não, deixo para que assistam.

Eternamente Definidos

A coisa mais interessante nesse filme é ver como essas figuras, acorrentadas numa coleira guiada por um deus maior, tem que decidir o que fazer. Seja salvar a humanidade indo contra a missão para o qual foram produzidos. Ou prenderem-se ao seus papéis de espectadores e aceitarem bilhões de mortes. Prender-se na definição ou voar para além do chão, eis a questão.

Os problemas

Durante o filme, são diversos os momentos que Ajak aconselha aos outros Eternos de viverem suas vidas ao máximo. A mesma detinha conhecimento de estar numa cadeia infinita de servidão aos celestiais, enquanto fossem unicamente ferramentas para um trabalho de parto cósmico. Muitos dos problemas das personagens ocorrem por estarem tão atados a sua vida como Eternos, sem permitirem-se viver. Em alguns casos, isso acaba sequer sendo de sua escolha.

Abandonada

Sersi devido ao fato de ter sido abandonada por Ikaris (Mil anos antes) parece não ser muita aberta nos relacionamentos, sendo isso demonstrado no filme na forma de seu namoro com Dane Whitman. O rapaz apenas desejar morar com Sersi que não consegue permitir-se vive, pois ainda busca algo como com Ikaris, algo supostamente eterno.

Devotados

Ikaris e Ajak inicialmente são os mais devotos a Arishem, principalmente Ikaris. Ajak durante um flashback consegue libertar-se da visão de que o deus Celestial deles sempre estaria certo, algo que ela já não achava mais. Até o final, não fica claro se Ikaris consegue sobrepujar sua fé tão artificialmente produzida. De tanto voar próximo ao sol guia de sua fé, ele acaba por se queimar. Não permitiu-se amar Sersi e estar junto aos outros como poderia.

Tudo que Ajak queria era a felicidade do mesmo. Não queria vê-lo preso a uma fé forjada em suas memórias e em escravidão no seu status como ferramenta.

Acorrentadas

Eis que chegamos no caso de Duende e Thena. Uma definida numa forma inábil em sua visão. A forma de uma eterna criança, que fez ela sentir inveja dos humanos por poderem sentir fases diferentes na vida e ela não. A outra sofrendo duma doença incapacitante. Sendo na verdade, um resquício traumático da manipulação por milênios de seu “Deus”. Ambos são problemas causados por sua criação tão artificial e padronizada. Não permitindo que Duende seja plena e nem Thena saudável.

Deuses entre nós

Além desses casos, também poderíamos falar da fixação mesmo simples de Kingo com cinema e sua ligação com Duende. Entre outros que até mesmo cruzam a quarta parede e voam direto no colo do espectador. Como a censura que o filme vêm sofrendo por ser inclusivo, num mundo onde em alguns lugares também ocorre de termos problemas com pré-definições arcaicas e simplórias. Pré-definições que de nada servem, senão complicar e separar as pessoas da chance duma vida plena.

Nesse redemoinho de desafios, os personagens ainda unem-se. Num momento crível em que lutam por si, por seus colegas, família ou até por vingança. Alguns superam suas pré-definições, tornando-se livres das amarras e buscando uma vida melhor. Alguns até mesmo buscam justiça e ela há de ser feita numa posterior sequência.

O único aspecto em que o filme peca é: Como em todo filme de origem da Marvel (Com exceção de Pantera Negra) acaba por ser nula a ameaça do vilão principal. Mesmo embora, eu possa como a verdadeira tensão e ameaça de Eternos constrói-se em torno dos dilemas internos.

O longa serve inclusive, na MINHA opinião, como uma antologia sobre deuses. Ele carrega suas falhas e clichês, que vão desde traição até um certo melodrama.

Enquanto aproxima o espectador dos personagens através da sutileza de suas pré-definições tão imperfeitas. No final prova-se como deuses são tão mortais quanto nós.

Deuses apaixonam-se e acreditam em outros deuses. Tão falhos quanto.

Deuses questionam, possuem problemas de autoestima e sentem culpa dos seus atos falhos. Mesmo que tivessem boas intenções.

Deuses envelhecem. Deuses amam. E principalmente, deuses tem algo a proteger.

O que tiramos disso tudo?

O que eu tiro desse filme é: Não deixem defini-lo(a) como algo que você não é. Também não deixe uma pré-definição, contenção ou motivação cega (Fé, Ideologia e etc) impedir você de viver a vida que deseja. Mesmo naqueles que todo tempo tem, existe o medo de ficar sem.

Se desejar, confira antigas postagens dessa coluna e comente suas opiniões: Conjecturas Fantásticas

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