O ator pernambucano Allan Souza Lima, desponta como um dos nomes mais versáteis e promissores do audiovisual brasileiro. Protagonista da série de sucesso “Cangaço Novo”, do Prime Video, Allan se destaca não apenas na televisão, mas também no cinema, no teatro e nos bastidores como produtor e roteirista. Filho de uma geração influenciada por Chico Science, ele reforça sua trajetória artística com premiações, projetos autorais como “Sertão Íntimo” e novos desafios que incluem um longa-metragem em produção no Maranhão.
Desde a infância, você teve a chance de conviver com Chico Science, uma figura icônica que ajudou a moldar a cena cultural de Pernambuco. Como essa convivência influenciou o artista que você é hoje e o modo como encara seus papéis?
Meu primeiro contato com o Chico, acredito, foi quando eu tinha uns sete ou oito anos. Isso foi antes mesmo da formação da Nação Zumbi. Me encantei com as alfaias, com o maracatu — tanto que, logo em seguida, quis estudar bateria. Comecei bem cedo e, desde então, direcionei meus esforços para a carreira musical. Mais adiante, acabei migrando para a atuação, mas a música nunca deixou de ocupar um lugar central na minha vida, em todos os aspectos. No processo de criação de um personagem, por exemplo, a primeira coisa que faço é descobrir qual é a música dele. E passo a ouvi-la repetidamente, do início ao fim do trabalho, sempre a mesma faixa. Como diretor, também parto desse princípio: busco o ritmo, o instrumental, a essência sonora do que está sendo contado — seja uma peça, um filme, um projeto qualquer. A música é meu ponto de partida. Quando desenvolvo uma trilha, como fiz recentemente no meu documentário, já sei com clareza o que quero. Tenho um ouvido muito musical, e isso, na verdade, é fruto daquele primeiro contato com a música, lá atrás, por meio do Chico.
Você transita com fluidez entre teatro, cinema e televisão, acumulando experiências e prêmios em diferentes linguagens artísticas. Como você equilibra essas múltiplas paixões e o que cada uma delas desperta em você como artista?
Sempre transitei dentro do mercado artístico, embora já faça bastante tempo que não atuo no teatro. Neste momento, inclusive, estou avaliando a possibilidade de retornar. Estou em negociação com dois atores para remontar uma peça que dirigi antes da pandemia. À época, havíamos conseguido um edital para realizar um circuito, mas, com a chegada da pandemia, o projeto foi cancelado. Agora, estou tentando viabilizar essa remontagem — uma encenação minha, uma direção que assinei naquela ocasião. Acredito que existam muitas formas de representar. No fundo, a arte serve justamente para isso: para externalizar nossas dores. Cada linguagem artística expressa algo distinto. Como ator, posso dizer que “expurgo” minhas emoções reprimidas através dos personagens. Já a direção me oferece liberdade criativa, a possibilidade de acreditar que posso criar o que quiser, nesse universo mágico que alimenta meu imaginário. A fotografia, por sua vez, me conecta com o silêncio. Há algo nela que me conduz a um estado de serenidade, de paz.
Em “Cangaço Novo”, série que conquistou o público em 49 países, você mergulha em uma história profundamente conectada às raízes nordestinas. Qual foi o maior desafio — e também o maior presente — de protagonizar uma obra tão potente para o audiovisual brasileiro?
O maior desafio, de fato, foi esse: foi meu primeiro grande protagonista na carreira. E não se tratava apenas de protagonizar uma série — algo que só depois fomos percebendo o tamanho, a potência que ela teria —, mas de dar vida a um personagem carregado de dor e de silêncio. Um personagem profundo, denso, e que exigia de mim uma intensidade grande. O maior desafio, talvez, tenha sido justamente compreender esse silêncio, essa combustão interna que definia o personagem. Fazer “Cangaço Novo” foi um presente. Sem dúvida, essa obra me colocou em outro patamar no mercado. Foi uma oportunidade que cultivou e revelou a verdadeira potência que, até então, eu acreditava ter como ator. Sou profundamente grato por isso.
Seu projeto fotográfico autoral, “Sertão Íntimo”, reflete uma faceta nova e delicada do seu olhar. De que forma a fotografia tem dialogado com sua carreira de ator e diretor, e o que te levou a explorar essa nova linguagem artística?
A fotografia é um campo relativamente novo para mim — embora eu fotografe há muitos anos, nunca havia levado isso para o âmbito profissional. Em determinado momento, decidi investir de verdade: comprei uma câmera e comecei a estudar a fundo o que a fotografia poderia me proporcionar. Profissionalmente, tudo começou com os retratos que fiz durante o período das gravações de “Cangaço Novo”. Foi ali que meu olhar fotográfico se consolidou de forma mais consciente. E, sem dúvida, a fotografia passou a representar uma espécie de complementação artística para mim. Acredito que ser artista é justamente isso: explorar suas diversas facetas. Claro, isso exige uma dedicação real a cada nova vertente, a cada “braço” criativo que você vai desenvolvendo ao longo da caminhada, seja como ator, diretor ou fotógrafo. Vejo muita importância no estudo contínuo. Para desenvolver um projeto com profundidade, é necessário tempo, maturação, uma busca genuína por sentido. Foi exatamente assim com meu último trabalho na fotografia. Quando decidi levar isso de forma profissional, entrei em um processo de estudo que durou dois anos, até chegar ao projeto “Sertão Íntimo”, que marca essa nova fase.

Em “Aquarius”, você contracenou com a lendária Sônia Braga e brilhou em Cannes. O que você mais aprendeu dessa experiência internacional e como ela ressoou na sua trajetória desde então?
“Aquarius” foi, sem dúvida, meu primeiro longa de grande potência — talvez o primeiro ou o segundo da minha carreira, mas com certeza o mais marcante naquele início. Estávamos ali por volta de 2015, e o filme acabou tendo um impacto histórico, especialmente por termos sido selecionados para o Festival de Cannes. Naquele momento, ainda havia uma distância enorme entre o cinema brasileiro e os grandes festivais internacionais — algo bem diferente do cenário atual. Ser selecionado por Cannes era quase impensável. Lembro que precisei parcelar a passagem por meses para conseguir estar lá, porque sabia que era uma oportunidade única. Foi uma experiência imensa. Mas, mais do que isso, foi um choque de perspectiva. Por maior que pareça a conquista, somos parte de algo muito mais amplo.
Além de atuar, você também dirige e roteiriza, como na Ikebana Filmes. Como é para você estar por trás das câmeras e o que te inspira a contar histórias a partir dessa perspectiva de diretor e produtor?
Há algum tempo venho sentindo falta de dirigir — uma vontade que só fez crescer com o passar dos anos. Recentemente, recebi uma notícia que me levará de volta para trás das câmeras, em um projeto bastante significativo para mim. Ainda não posso revelar detalhes, mas é algo que me move. Além disso, concluí há pouco a finalização de um documentário, que já entrou em circuito de festival. O que me inspira a produzir e dirigir começou a se consolidar há cerca de dez anos, quando abri uma produtora junto com minha sócia. A ideia inicial era simples: não depender do mercado. A partir disso, fui entendendo que podia contar as histórias do meu jeito. Sem interferência, com liberdade criativa, fiel ao que acredito enquanto artista. Histórias que nascem daquilo que tenho a oferecer ao mundo, tanto como ser humano quanto como criador.
Interpretar Jesus em “Paixão de Cristo de Nova Jerusalém” é, sem dúvida, um dos papéis mais desafiadores e simbólicos para qualquer ator. Como foi viver esse personagem no maior espetáculo a céu aberto do mundo e o que essa experiência te transformou como pessoa e artista?
A Paixão de Cristo foi extremamente simbólica para mim. De modo geral, os personagens que marcaram minha trajetória sempre carregaram certa densidade, uma profundidade que exige mais do que técnica, exige também entrega. E interpretar Jesus Cristo, em especial, mexeu comigo. Antes de me impactar como artista, esse papel reverberou em mim como ser humano. No ano passado, vivi um verdadeiro reencontro espiritual. Durante muito tempo, acreditei em um Deus à maneira de Espinosa — uma divindade difusa, impessoal, quase filosófica. Mas percebi que havia um vazio nessa crença. Através dessa experiência com “A Paixão de Cristo”, me reconectei com a dimensão espiritual da existência, com algo mais íntimo e devocional. Hoje, posso dizer que estou me tornando devoto de Nossa Senhora de Guadalupe — e essa aproximação é fruto direto daquele encontro, daquela vivência intensa em “A Paixão de Cristo”, em Nova Jerusalém.
Você conquistou reconhecimento internacional com “Cangaço Novo”, concorreu a prêmios importantes e segue construindo uma carreira sólida e inspiradora. O que você espera realizar nos próximos anos — seja no Brasil ou fora — e quais sonhos ainda te motivam a continuar contando histórias?
Penso muito sobre isso, sobre o caminho que quero trilhar daqui para frente, sobre como gostaria de contar minha trajetória a partir de agora. Recentemente, tive meu primeiro encontro com o México, e, desde então, sinto um desejo de continuar caminhando por lá. Enquanto muitos sonham com os Estados Unidos, com uma carreira em Los Angeles, comigo é diferente. Sou muito guiado pela intuição. Quando me perguntam sobre isso, essa é a única resposta que consigo dar com certeza. Lembro que, em um determinado dia, simplesmente acordei e disse a mim mesmo: vou para o México. Tenho uma admiração profunda pelo cinema latino. Acredito que seja uma cultura de uma riqueza imensa, que merece ser olhada com mais atenção, mais carinho. O mercado de lá é incrivelmente potente. Aqui, no Brasil, quando se fala em cinema latino, geralmente se pensa logo na Argentina, que, de fato, tem grandes filmes e diretores. Mas, para mim, o México é um ponto de foco. Quero me aproximar cada vez mais desse universo, e não só como ator, mas também como diretor.
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