Pedro Lopes orienta leitores sobre se libertar das amarras sociais em novo livro

Luca Moreira
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Pedro Lopes
Pedro Lopes

Na fictícia cidade de Itamarã, no sul da Bahia, o romance Os Dezembros da Minha Vida do autor baiano Pedro Lopes explora a luta de quatro amigos gays para esconder sua verdadeira identidade em um ambiente de conservadorismo e preconceito. Ambientada na década de 1970, a obra traça a jornada emocional de Carlos, Roberto, Elias e Abraão, que se veem forçados a adotar comportamentos típicos de masculinidade para evitar a descoberta de sua orientação sexual. O livro revela, através de um diário intimista escrito por Carlos, a profunda dor e os sacrifícios feitos para manter as aparências, ao mesmo tempo em que destaca a força e a busca pela felicidade.

Enquanto os protagonistas enfrentam a pressão social e o medo de serem desmascarados, eles recorrem a atitudes desesperadas para garantir sua aceitação, como frequentar casas de prostituição e provocar brigas. A narrativa crua e realista, baseada nas próprias experiências de Lopes como homem gay, expõe as paixões reprimidas, os casamentos de fachada e até as tentativas de suicídio resultantes da opressão social. Mais do que um retrato das tristezas de uma vivência homossexual, Os Dezembros da Minha Vida é uma ode à liberdade e ao direito de ser feliz, desafiando a sociedade a reconhecer e acolher a autenticidade individual.

Pedro Lopes, que estreia na ficção com esta obra, combina sua formação acadêmica e experiência pessoal para oferecer uma reflexão poderosa sobre a luta pela aceitação e o desejo de se libertar das amarras sociais. Com uma abordagem sensível e provocativa, Lopes convida os leitores a refletir sobre a importância de assumir a própria história e lutar por reconhecimento em um mundo que frequentemente tenta silenciar vozes autênticas.

No livro “Os dezembros da minha vida”, você retrata de maneira sensível e realista as lutas internas dos protagonistas. Como foi o processo de criação dos personagens Carlos, Roberto, Elias e Abraão, e quanto de suas próprias experiências pessoais você trouxe para a narrativa?

O processo de criação dos personagens se deu a partir de duas referências literárias e uma referência filosófica: o realismo naturalista do Aloísio de Azevedo, a hipocrisia humana evidenciada nas obras de Nelson Rodrigues e a concepção de ser humano do filosofo alemão Arthur Schopenhauer. As minhas experiências pessoais estão presentes no livro complementando alguns momentos da narrativa. Porém, penso que os quatro personagens principais estão muito distantes das minhas experiências pessoais. Eles são medrosos e, ao contrário deles, muito cedo, com 12 ou 13 anos, eu me reconheci como uma pessoa gay. Além disso, também compreendi cedo que seria inócuo lutar contra a minha orientação sexual, porque isso só me traria dor e sofrimento.

A decisão dos personagens de adotar hábitos considerados sinônimos de masculinidade para esconder suas verdadeiras identidades é um tema central no livro. Você acredita que essa questão ainda é relevante nos dias de hoje? Como vê a evolução da sociedade em relação à aceitação da orientação sexual?

Continua relevante sim.  Ainda hoje há muitos homens gays, inclusive do nosso convívio social, que se comportam como machões por medo de si assumirem e serem julgados pela sociedade. Quanto à evolução da sociedade em aceitar a orientação sexual das pessoas, tem acontecido sim seja no Brasil, seja no mundo, porém de forma lenta e dispersa, uma vez que apesar dos avanços verificados, ainda existem países que condenam homens e mulheres à morte, apenas por serem homossexuais.

O formato de diário intimista narrado por Carlos adiciona uma camada profunda à história. Por que escolheu esse estilo de narração e como ele contribuiu para a construção da trama e dos personagens?

Eu me inspirei nos contadores de histórias orais da minha infância, especialmente a minha avó materna. Ela contava histórias antigas, já acontecidas em períodos distantes, com uma intimidade tão grande com os personagens, que parecia serem eles seus amigos íntimos. Assim, eu construir o Carlos e, a partir dele, fui compondo os outros personagens, bem como o enredo do romance. Acredito que esse formato de diário intimista tem levados os leitores e se identificarem, neste ou naquele momento da história, com alguns dos personagens do livro.

A década de 1970 no sul da Bahia é um cenário crucial para a história. Como a cultura e o ambiente da época influenciaram as ações e decisões dos personagens? Você poderia compartilhar um pouco sobre a pesquisa que fez para retratar fielmente essa época?

Influenciaram sim, pois muito do que somos é resultado do ambiente em que vivemos. Três dos quatro personagens principais da história são membros de famílias ricas e poderosas daquela cidade conservadora e retrógada, Itamarã, onde se desenvolve a história. Famílias que jamais iriam aceitar ter um membro gay ‘desonrando’ a tradição familiar. Não houve a necessidade de uma pesquisa especificamente, pois eu sou sujeito daquela realidade. Nasci, cresci e ainda hoje moro no sul da Bahia. Também o fato de ter residido em três pequenas cidades contribuiu para que eu pudesse retratar fielmente o viver, os hábitos e os costumes dos moradores de Itamarã

Seu livro aborda temas pesados como preconceito, repressão e tentativas de suicídio, mas também celebra o direito à felicidade. Como equilibrar essas dualidades ao escrever a história e qual mensagem principal espera que os leitores absorvam?

Com essa dualidade eu quis demostrar que, apesar das dificuldades, preconceitos e discriminações, as pessoas gays podem superar todos esses obstáculos e se tornarem pessoas realizadas e felizes.  Digo sempre, plagiando o escritor Euclides da Cunha, “o gay é antes de tudo um forte”.  Espero que após a leitura do livro, as pessoas em geral possam refletir o quanto o preconceito, o conservadorismo e a discriminação podem ser prejudiciais e transformam negativamente a vida das pessoas.

Pedro Lopes
Pedro Lopes

Além de escritor, você é economista e professor. Como essas diferentes facetas de sua carreira influenciam seu trabalho literário? Há elementos de suas pesquisas e experiências econômicas que se refletem na forma como você aborda os temas sociais em seus livros?

Acredito que toda a nossa história, inclusive a história profissional, influencia no momento de realizarmos um trabalho como este. Como educador, eu coloco sempre o foco no acolhimento e na orientação de adolescentes e jovens gays, que é o motivo maior das minhas preocupações. A adolescência e juventude são momentos muito difíceis para qualquer pessoa. Torna-se ainda mais difícil para uma pessoa gay. Além disso, o fato de ministrar a disciplina Metodologia e Técnica de Pesquisa, além das disciplinas da economia, me ajudou substancialmente na elaboração técnica do romance.

“Os dezembros da minha vida” é sua estreia na ficção e você também publicou “Páginas de MPB”, analisando a música popular no Brasil. Quais são seus próximos projetos literários? Pretende continuar explorando temas sociais e culturais em suas futuras obras?

Sim. Inicialmente eu voltarei a tratar da história da música popular. Ainda no segundo semestre deste ano, estarei desenvolvendo uma pesquisa, vinculada à instituição de Ensino superior na qual eu trabalho, sobre a música popular urbana no sul da Bahia nas três últimas décadas do século XX. Em seguida, voltarei a escrever romance de ficção. Pretendo escrever mais dois romances, ambientados no sul da Bahia e com a temática LGBTQIAPN+, sempre focalizando os conflitos, ansiedades e dor, mas também as realizações e busca da felicidade dos meninos gays.

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