Samba de Colher quebram barreira do masculino ao introduzir interpretação feminista no pagode

Luca Moreira
11 Min Read
Samba de Colher (Foto: Nathalia Pacheco)

Unido em prol de celebrar e se divertir com os hits do pagode dos anos 90, o quarteto mineiro Samba de Colher quer mostrar um novo olhar para o gênero, ainda muito associado ao masculino. Com uma interpretação única e feminista, elas se preparam para lançar um EP com os singles “Pagar pra Ver” e “Acabou”. O material foi gravado no Beco JF, mesma casa de shows que foi palco para a gravação da produção em vídeo do EP, que será lançado posteriormente.

Completam o quarteto a cavaquinista Alessandra Crispin e as percussionistas Isabella Queiroz e Mariana Assis, todas responsáveis pelos vocais. O EP visual, com mesmo nome deste primeiro single, buscará apresentar vozes femininas em uma plataforma de acolhimento e festa.

Criado em 2018, o quarteto rapidamente começou a se destacar no cenário musical de sua cidade natal, Juiz de Fora, na Zona da Mata mineira. No ano seguinte, elas apresentaram o espetáculo musical Donas da Roda para contar e contextualizar a história de mulheres que são referência para o samba e o pagode. Essas referências, misturadas com arranjos diferenciados que uniam as musicalidades de cada integrante, resultam agora no EP de estreia autoral do projeto.

O EP “Samba de Colher” é resultado de um projeto aprovado no PROGRAMA CULTURAL MURILO MENDES (PCMM) – da Prefeitura de Juiz de Fora, gerenciado pela Fundação Cultural Alfredo Ferreira Lage – Funalfa. Confira a entrevista!

Inspiradas pelo pagode dos anos 90, nesse primeiro lançamento do grupo, vocês optaram por apresentar um tom mais feminista na música. Como veio a ideia de fazer essa nova aposta no gênero?

Nós percebemos que o pagode fez parte da nossa vida, cada uma à sua maneira! Já éramos pagodeiras apaixonadas! Depois veio o questionamento sobre não ser acessível a nós mulheres a inserção profissional no gênero, mercadologicamente dominado por homens. Então, montamos nossa banda e nossa estrutura empresarial, tudo coordenado por nós mesmas. Nossa principal aposta hoje é em nossa própria maneira de falar sobre o mundo com nossas canções. Nossas letras não trazem mais a mulher enquanto um ser passivo na narrativa masculina, mas sim, a mulher enquanto protagonista da própria história.

Atualmente, cada vez mais o mundo está em busca de diversidade, e no caso dos gêneros, uma igualdade, tanto representativa quanto de direitos. Como tem sido a recepção desse projeto de vocês e como foi o processo de trabalhar nele?

Percebemos que quem busca um maior envolvimento com a diversidade também deseja consumir produtos que sejam de fato representativos. Querem ver na sua própria tela pessoas que se pareçam mais com elas, e não com os padrões impostos pelo sistema. Com isso, conseguimos atingir muitas mulheres, pessoas negras e LGBTQIAN+, e é claro, o público em geral, que acaba se encantando com nossa troca do palco e com nossas canções. O nosso intuito é, a partir da nossa música e de quem somos, unir e trazer igualdade e respeito para as pessoas que ainda sofrem qualquer tipo de preconceito da sociedade.

Como foi dito anteriormente, até então, o pagode ainda era muito associado fortemente ao masculino. Na opinião de vocês, ainda teríamos muito que mudar para que essa arte representasse todos os gêneros, tanto o feminino como o LGBTQIAN+?

Tudo é um processo e como esse processo se desenrola. Do ponto de vista mercadológico, acreditamos que hoje, quem está fora do padrão (do padrão que impera, que é o masculino), tem que fazer muita força pra aparecer no mercado. Não é só uma questão de ter talento e ser bom ou ruim, mas sim, sobre investimentos e gestão de negócios.

Nós tivemos a oportunidade de nos inscrever em um edital de incentivo à cultura municipal*, que nos proporcionou gravar esse material e hoje poder compartilhar com todes vocês. Mas não seria fácil para nós, enquanto artistas e empresárias independentes, conseguir uma verba como tal para gerar um produto tão grandioso como nosso EP. Do ponto de vista social, percebemos que esse recorte de público (principalmente LGBTQIAN+) já tem uma conexão natural com o pagode (cantam todas as músicas, se emocionam…), porém, faltava a essas pessoas, shows em lugares que as permitissem ser elas mesmas, beijar o crush e tudo mais… Sem o julgamento no olhar que um ambiente mais tendencioso a um protagonismo machista os traz.

Para o futuro temos a esperança que, quanto mais mulheres e LGBTQIAN+ aparecerem e fortalecerem essa história, mais fácil será trilhar esse caminho e obter esse retorno tão esperado pelos artistas, de no mínimo, ter condições de trabalho mais dignas. E também, esperamos que o mercado em geral enxergue e dê mais oportunidades ao trabalho artístico dessa galera incrível e potente que há na cena musical.

*PROGRAMA CULTURAL MURILO MENDES (PCMM) – da Prefeitura de Juiz de Fora, gerenciado pela Fundação Cultural Alfredo Ferreira Lage – Funalfa.

Samba de Colher (Foto: Nathalia Pacheco)

A respeito da música “Pagar pra ver”, que é justamente essa que vem sido trabalhada, uma observação que foi feita por vocês é de que o público feminino e o LGBTQIAN+ acabavam fazendo dos shows de vocês, um lugar de paquera. Nesse caso, como fica a opinião de vocês ao perceber que de tanto que são criminalizados pela sociedade, esses públicos precisaram realmente achar um lugar específico como refúgio para conseguirem se sentir bem?

Ficamos tristes por vivermos ainda em uma sociedade que criminaliza outras formas de amor, mas em contrapartida, ficamos lisonjeadas em poder contribuir e ser um “respiro” para essas pessoas que acompanham e apoiam nosso trabalho. Não há nada mais gratificante que olhar para nosso público e enxergar “todo o tipo de gente” e o melhor: se sentindo em casa e podendo ser quem é.

Sobre o lançamento, vocês também já estão planejando o lançamento do EP visual e que, assim como o EP em áudio, terá como objetivo apresentar vozes femininas em uma plataforma de acolhimento e festa. A respeito do destaque dado ao feminismo na luta pela igualdade, gostaria de saber na opinião de vocês, por que ainda existe o machismo no mundo e se um dia, ainda, iremos conseguir erradicar ele?

O machismo, o patriarcado, ainda impõe regras sociais. Obviamente, quem está mais próximo desse estereótipo privilegiado, recebe as maiores oportunidades e consegue acessar tudo com mais facilidade. Estamos dentro do movimento de combate às desigualdades. É muito gratificante quando sentimos que as mulheres, a comunidade LGBTQIAN+, os homens (que se aliam as lutas das minorias), sentem que estamos representando suas lutas. A cultura e a educação juntas têm sim a capacidade de transformar o nosso futuro. Erradicar o machismo envolve a conscientização humana sobre os seus privilégios, envolve uma intervenção mais eficaz das políticas públicas e necessita uma abordagem educacional sobre as pautas de igualdade que a gente deseja para a sociedade.

Em 2019, vocês realizaram a apresentação “Donas da Roda”, um espetáculo  musical que contava e contextualizava a história de mulheres que eram referências para o samba. Qual foi o significado do projeto na carreira de vocês?

Este projeto (Donas da Roda) nos fez reconectar com a essência feminina do samba e pagode, que sempre esteve presente desde as rodas no fundo do quintal da tia Ciata. Esse tema e ideia sempre estiveram no meio de nós, mas ainda sem uma forma… Até então (2019), já tínhamos um ano de banda mais ou menos, e nosso repertório era baseado nesse recorte de pagode 90, no que mais funcionava nesse meio do entretenimento (Exaltasamba, Molejo, Travessos, SPC…).

Quisemos sair um pouco à regra e ir ao teatro apresentar um outro tipo de espetáculo e junto a isso, esse tema: vamos contar a história e cantar as músicas delas – Dona Ivone Lara, Jovelina Pérola Negra, Clementina de Jesus, Martinália, Leci Brandão, Alcione, Clara Nunes, Beth Carvalho, dentre outras. Para nós, foi um grande aprendizado estar em contato com a vida e obra dessas fortes mulheres, que tanto fizeram pelo samba/pagode. Somos a continuação dessa história e temos muita honra de poder hoje cantar, compor e tocar um instrumento graças à resistência e força das nossas ancestrais.

Falando um pouco sobre o contexto musical do grupo, incluindo essa abertura maior a novos públicos em relação aos gêneros musicais: como definiriam o que é Samba de Colher atualmente?

Samba de Colher é uma construção única que tem a essência do pagode, da coletividade, da arte, da cultura e do empoderamento feminino. Desde o início, sempre colocamos nossa identidade nos arranjos das canções, mesmo nas releituras de músicas já consagradas no mercado. A partir do lançamento do nosso primeiro EP autoral – “Pagar pra Ver”, finalmente vamos conseguir apresentar para o mundo em forma de música, quem nós somos e qual a mensagem que queremos transmitir. Samba de Colher é a mistura dessas quatro integrantes com bagagens e vertentes totalmente distintas, que se uniram e difundiram com algo em comum: O PAGODE.

Acompanhe Samba de Colher no Instagram (Mariana Assis, Isabella Queiroz, Alessandra Crispin e Tami)

TAGGED:
Share this Article
Leave a comment

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você não pode copiar conteúdo desta página