Pânico moral em torno do uso de celulares por jovens é exagerado, pois é preciso transformação cultural para lidar com impactos digitais
Em meio ao avanço de propostas legislativas que buscam restringir o uso de smartphones por crianças e adolescentes, a pesquisadora Lilian Carvalho, PhD em Marketing e coordenadora do Centro de Estudos em Marketing Digital da FGV/EAESP, traz uma perspectiva contrária ao discurso alarmista que tem dominado o debate público. Segundo ela, não é o smartphone o verdadeiro responsável pelo sofrimento psíquico das gerações Z e Alpha, mas sim a cultura digital disfuncional que se consolidou nos últimos anos.
“A tecnologia é agnóstica. O problema não é o celular em si, mas o que estamos fazendo com ele. Temos que parar de procurar vilões fáceis e começar a repensar o nosso comportamento coletivo online”, afirma Lilian Carvalho.
A especialista contesta as teses do psicólogo social Jonathan Haidt, autor do livro “A Geração Ansiosa”, que atribui o aumento de transtornos mentais entre jovens ao uso desenfreado de redes sociais. “Haidt aponta que o número de adolescentes com diagnóstico de doenças mentais subiu de 20% para 45% desde 2008, mas ignora o contexto. Crianças em zonas de guerra, por exemplo, demonstram taxas de transtorno menores do que as apresentadas em seus estudos. Isso deveria nos fazer refletir sobre outras causas”, diz Lilian.
Cultura da humilhação e medo da exposição
Segundo a professora da FGV, a exposição constante nas redes sociais criou uma nova camada de ansiedade. “Hoje, qualquer erro vira print, meme, julgamento público. Estamos criando adolescentes que têm medo de tentar, de se relacionar, de se arriscar — não por causa do celular, mas por medo da humilhação e do cancelamento”, pontua.
Essa vigilância permanente, somada à lógica da performance e da aprovação digital, estaria provocando um novo tipo de paralisia social.
Dados do Fórum Econômico Mundial apontam que adolescentes estão retardando marcos importantes da vida adulta, como tirar carteira de motorista ou buscar independência. “Eles estão se mantendo em zonas de conforto, com medo de viver. Isso não é causado pelo smartphone, mas pelo pânico coletivo que criamos nas redes”, destaca.
Lilian cita a palestra da ativista Monica Lewinsky no TED Talks como exemplo da crueldade que a cultura digital pode representar. “Ela mostra como a internet transformou a humilhação pública em espetáculo. Precisamos resgatar a civilidade no ambiente digital, criar uma nova cultura baseada em tolerância, empatia e privacidade”, afirma.
Regulamentar ou educar?
Diante da tendência mundial de banir smartphones em escolas e limitar seu uso por menores de idade, Lilian faz um alerta: “Estamos criando leis a partir do medo, não da ciência. A proibição pura e simples pode esconder problemas mais profundos. Em vez disso, deveríamos estar educando para o uso responsável, promovendo inteligência emocional e criando espaços digitais mais saudáveis.”
Ela reforça: “A resposta não está em desligar os aparelhos, mas em reconectar as pessoas com empatia, senso crítico e generosidade nas interações. Essa é a verdadeira transformação de que precisamos.”