Quando a bola é lançada próxima a área e o jogador, sozinho, acaba que por reação rápida, recebe de cabeça. No mesmo instante o árbitro paralisa o jogo ao dar falta. Nenhum jogador em campo reclama com o juiz. Mas para surpresa de todos, os torcedores começam a rir.
Essa foi a cena do último domingo (26) no estádio do Spennymoor Twon, clube que disputa a sexta divisão inglesa. Pouco mais de 300 pessoas presenciaram o que seria uma revolução, o que transformaria o futebol de maneira inesperada. Isso se a regra mudasse.
Adultos jogavam na Inglaterra sua primeira partida sabendo que existia agora um limite de cabeçadas imposto. Elas só eram permitidas dentro da área, no primeiro tempo, e proibidas na segunda etapa. Se algum jogador cabeceasse fora das regras seria falta.
O jogo, organizado por uma ONG que incentiva ex-jogadores com doenças neurológicas, não valia absolutamente nada, mas acabou chamando a atenção para um tema bastante discutido atualmente no mundo todo: a relação entre o forte impacto de boladas na cabeça ao longo da carreira dos atletas com lesões cerebrais.
Cinco integrantes da comissão técnica da seleção Inglesa campeã mundial em 1966 já foram diagnosticados com demência e quatro já morreram. A família de um deles, Nobby Stiles, doou o cérebro do jogador para estudo e ouviu dos médicos que os danos eram tão intensos que só poderiam ter sido causados por repetidas pancadas ao longo dos anos jogados. Não para por aí, há vários casos semelhantes. De acordo com um relatório que foi divulgado em 2019 pela Universidade de Glasgow revelou que jogadores profissionais de futebol têm três vezes mais riscos de morrer de doenças neurodegenerativas do que a população comum no geral.
Apesar da tecnologia ter evoluído e, o peso das bolas terem mudado, acendeu o alerta no esporte na Inglaterra. Desde o início de 2020, crianças de até 11 anos não podem realizar o treinamento de cabeçadas e a técnica deve ser ensinada gradualmente em anos seguintes.
Uma recomendação chegou ao profissional, primeira divisão. A Premier League aconselha que os jogadores deem apenas 10 cabeçadas ‘’de força maior” por semana nos treinos – após um passe de mais de 35 metros ou em jogadas de escanteios, por exemplo. O técnico Nuno Espírito Santo, Tottenham, admitiu que não está contando e disse que saltar e cabecear é parte do jogo. Já a Federação de Futebol da Inglaterra defende que as medidas, dos níveis infantil ao adulto, são preventivas enquanto as pesquisas continuam. Em geral, professores de escolinhas apoiam e pais e mães se sentem seguros. Mas tem quem ache um pouco de exagero.
As questões que ficam são: Se já existe um limite nos treinos, ele poderá chegar às partidas profissionais? Dá para eliminar algo não natural do futebol? Parece algo totalmente impensável o atleta do meu time não poder marcar de cabeça. Como o zagueiro defenderia e afastaria a bola em um escanteio? Se o mundo inteiro não seguir as mesmas regras, países como a Inglaterra teriam total desvantagem em competições internacionais? Como se pode ver, são diversas dúvidas. Enquanto isso os médicos correm atrás das respostas e o debate permanece.
A partida do último domingo terminou 5 a 5 e, ironicamente, o primeiro gol foi de cabeça.