“Guerra dos Mil Povos”, um romance épico de Víktor Waewell, mergulha em um período crucial e pouco conhecido da história brasileira: a revolta indígena na chamada Confederação dos Tamoios. Este épico se desenrola em batalhas travadas entre indígenas e portugueses na Baía de Guanabara, no Estuário de Santos e nas densas matas próximas à Vila de São Paulo. Fundamentado em uma extensa pesquisa documental e na análise de historiadores, o livro revive esses eventos com precisão, seguindo o sucesso de seu título anterior, “Novo Mundo em Chamas”, que alcançou o topo das vendas na Amazon e foi semifinalista do Oceanos 2021, um prestigioso prêmio literário em língua portuguesa.

A trama segue Afonso, um guerreiro português que busca paz ao vender sua armadura e partir para o Brasil. Porém, ao avistar a costa da Baía de Guanabara, ele é surpreendido por estampidos de canhões. Em meio à entrada do estuário, ele testemunha uma batalha naval entre navios portugueses e centenas de canoas indígenas, um acontecimento anterior à própria formação da cidade do Rio de Janeiro. Esse conflito, conhecido como Confederação dos Tamoios, representa uma guerra de larga escala entre povos indígenas e os fidalgos escravistas.

Afonso mergulha no Brasil do século XVI, onde vivencia uma trama de amor, lutas e tragédias ao lado de Aiyra, uma nativa em busca de vingança contra os portugueses. Enquanto isso, outras histórias se entrelaçam, como a de Sebastião, um templário em busca de enriquecimento no comércio escravista, e a de Heloísa, uma prostituta determinada a nunca mais se vender por dinheiro.

A narrativa singular oferece uma experiência envolvente, transportando o leitor diretamente para as cenas. Com um estilo consolidado desde “Novo Mundo em Chamas”, o autor tece em “Guerra dos Mil Povos” um enredo repleto de amor e ódio, amizades e traições, tudo entrelaçado com toques de humor.

O livro “Guerra dos Mil Povos” mergulha na narrativa da chamada Confederação dos Tamoios, um episódio pouco conhecido na história brasileira. Como surgiu a inspiração para trazer este momento para o contexto de um romance épico?

A inspiração é precisamente essa. A nossa maior revolta indígena, que viu décadas de batalhas pelo atual Sudeste brasileiro, é desconhecida pelo grande público e até por historiadores. Além daquela guerra de grandes proporções, ali houve um dos acontecimentos mais importantes da história do mundo, que foi o encontro entre as duas bandas da jornada humana, separadas mais de dez mil anos antes, no fim da última Era Glacial. O choque de civilizações, com seus costumes e cosmovisões tão diferentes, é fascinante e ao mesmo tempo um ponto de virada crítico.

Seu protagonista, Afonso, é um guerreiro português em busca de paz no Brasil do século XVI. Como o conflito entre indígenas e portugueses molda o percurso deste personagem?

Os fidalgos não deixariam um português com experiência em batalha simplesmente se tornar um agricultor. Para as plantações, os senhores portugueses já tinham os escravos indígenas. Para cuidar desses escravos, contavam com feitores italianos e alemães. De modo que, logo que chegou a Santos, a então capital portuguesa na região, Afonso logo percebeu a própria tolice ao se ver dragado para o conflito entre fidalgos e caciques inimigos.

A trama envolve diferentes enredos, como a história de amor entre Afonso e Aiyra, além de personagens com trajetórias distintas, como Sebastião e Heloísa. Como a complexidade dessas narrativas se entrelaça durante a trama do livro?

Eu gosto da vida das pessoas comuns. Quero mostrar como um garoto consegue uma garota, como um homem se diverte em dia de folga, o que se come na mesa de um fidalgo ou na venda da vila, coisas assim de dia a dia. Isso também ajuda a gerar identificação para o leitor, que percebe que, embora em situação distinta, aquelas eram pessoas como outras. Tenho personagens ativos nos dois lados, com seus sonhos, medos, enganos e acertos. Além de pintar um quadro realista da época, isso contribui para o efeito que eu amo, que é o leitor não conseguir parar de ler, porque a cada passo há sempre muito em jogo para diversas pessoas.

A obra é elogiada pela forma vívida como apresenta os eventos históricos. Como você equilibra o fato histórico com a ficção para criar uma experiência tão imersiva para o leitor?

O meu princípio é criar uma história que não vá contra as fontes. Não é muito diferente de um historiador, que, baseado em indícios materiais, imagina o que aconteceu num determinado momento histórico, muitas vezes se valendo do que seria plausível, razoável ou provável. A diferença é que, na ficção, eu preciso necessariamente preencher as lacunas. Por exemplo, não costumamos ter receitas culinárias específicas de tempos antigos, então, na ficção histórica, a comida quase sempre tem um tempero de inferências educadas. Assim, na minha obra, a maioria dos personagens e os principais acontecimentos são reais, com base em pesquisa e documentos, sendo que, para dar liga e gerar uma experiência vibrante para o leitor, eu uso recursos próprios da literatura. E é aí que entra o meu estilo de escrita que gera uma experiência vívida, como se o leitor estivesse dentro da cena, tendo aquela experiência junto do personagem. Muitos dizem que se veem transportados para a obra, conectados no nível dos sentidos, e eu fico bem satisfeito, pois foi feito para isso!

O livro se apoia em pesquisas profundas e avaliação de historiadores. Como foi o processo de pesquisa para garantir a fidedignidade dos eventos retratados?

Eu sou rigoroso com a parte histórica, até porque sei que trato de temas sensíveis. Por isso, gosto de me certificar do que estou fazendo. Só de trabalho de campo, foram mais de dois meses, visitando cada locação da obra. É até engraçado, porque o meu primeiro livro se passa em Pernambuco e muitos pernambucanos acham que sou um escritor local, dado o detalhamento das descrições geográficas. Será que, agora, vão dizer que este mineiro aqui é carioca ou paulista? Além da pesquisa de campo, de volta ao ar-condicionado, por mais de dois anos, mergulhei em fontes primárias, como cartas que os jesuítas mandavam uns para os outros, assim como relatos de gente que conviveu com os povos nativos naquela época, como Andre Thévet, Jean de Léry e Hans Staden, e também documentos oficiais, tal como a célebre carta de Pero Vaz de Caminha. Por fim, levei em conta a interpretação deixada pelos nossos principais historiadores, sejam clássicos ou modernos, como Gilberto Freyre ou Sérgio Buarque de Holanda.

Víktor Waewell

Entre amor, ódio, amizades e traições, o enredo carrega um vasto espectro de emoções. Como você explorou esses aspectos para tornar a narrativa mais envolvente?

Quando um livro tem uma certa quantidade de páginas que, como diria João Ulbaldo, faz ele parar em pé, eu acho importante passear pelas emoções humanas, inclusive com pitadas de humor. Isso que faz a narrativa, sempre em frente, continuar fresca aos olhos do leitor. Além disso, eu gosto de contar uma cena de cada vez, de acordo com o ponto de vista dos diferentes personagens, e seria empobrecedor todas elas terem emoções parecidas. Então, esse é um efeito intencional, mas que é produzido de forma orgânica.

O livro também traz uma Nota Histórica ao final, evidenciando o rigor acadêmico da pesquisa realizada. Como essa nota complementa a experiência do leitor ao final da jornada pelo romance?

Eu acredito que a ficção é um jeito incrível de aprender História. Porém, muitas vezes assistimos a filmes e lemos livros que não explicam onde fica a linha entre ficção e realidade, de modo que terminamos com dúvidas ou até aprendemos algo errado ou impreciso. Por causa disso, faço questão de deixar essa explicação aos leitores, o que é muito bem recebido por eles. Se você olhar comentários na Amazon, vai achar muitos e muitos elogiando isso que frequentemente chamam de cereja do bolo. Também encaro esse espaço como um momento para eu escrever com a minha própria voz, para o leitor me conhecer um pouco melhor.

Na sua opinião, qual a importância de resgatar episódios históricos pouco conhecidos, como a Confederação dos Tamoios, por meio da ficção?

Eu estou convencido de que um povo precisa saber de onde veio para tomar boas decisões no presente. O que vemos no Brasil é um povo desagregado, pessoas que passam umas pelas outras sem se reconhecerem, pessoas que não entendem que possuem uma origem e um destino em comum. É bom ficar claro que temos um problema grave de currículo escolar, e seria incrível ali ensinar o básico, mas, mesmo que tivéssemos um currículo bem equilibrado, a ficção continuaria sendo essencial, pois, ao aprender através da ficção, não é só no nível racional, mas também no emocional, na empatia, o que faz toda diferença. Um bom exemplo disso é o quanto as pessoas se compadecem, com razão, pelo drama vivido pelos judeus no Holocausto, mas não temos a mesma percepção dos povos nativos americanos, dos negros escravizados e de tantos outros exemplos no Brasil e no mundo.

Os elogios de historiadores como Náuplia Lopes e Gláucio Cerqueira destacam a solidez e a qualidade da pesquisa histórica do livro. Como foi sua reação diante desses elogios?

Olha, foi um misto de alegria e também de alívio. Por mais que eu seja muito sério e só eu saiba o quanto me dedico para entregar a qualidade que os leitores merecem, o trabalho literário é solitário, então ouvir de pessoas gabaritadas elogios assim traz uma alegria enorme, junto de uma sensação de dever cumprido.

Você já mencionou que “Guerra dos Mil Povos” é um épico. Como você descreveria este livro para aqueles que ainda não tiveram contato com a obra e estão curiosos para conhecer sua trama e seu contexto histórico?

“Guerra dos Mil Povos” é para quem gosta de livro que é impossível largar, aquele que você começa a ler de noite e tem que tomar cuidado para não ver o dia clarear antes de fechá-lo. É uma aventura que emociona, faz vibrar, chorar e rir, com personagens cativantes dos dois lados. E, é claro, tudo ambientado num momento fascinante e importantíssimo da nossa História, a nossa maior revolta indígena, com batalhas em todo eixo Rio-SP.

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