Em entrevista exclusiva, a Dra. Gisele Montano, veterinária especialista em reprodução de animais marinhos e diretora de Sustentabilidade de Espécies no SeaWorld, discute os principais desafios enfrentados na preservação da vida marinha, especialmente devido aos impactos das ações humanas. Montano aponta que a poluição e a sobrepesca são os maiores fatores de degradação dos ecossistemas marinhos, enquanto ressalta a importância da conscientização ambiental e do papel dos zoológicos e aquários na educação sobre a fauna local.
Quais são os maiores desafios que você enfrenta no Sea World em relação à preservação -da fauna marinha, considerando os impactos das ações humanas, principalmente trabalhando em uma empresa que tem tanto reconhecimento ao redor do mundo?
Em geral existem dois motivos principais pelos quais os animais podem precisar ser resgatados e reabilitados:
- Existem problemas naturais, como um inverno rigoroso que pode afetar peixes-bois ou tartarugas, ou encalhe de algum cetáceo (golfinho).
- E existem as causas humanas, como acidentes de peixes-bois com hélice dos barcos, ou algum pássaro que enroscou uma pata em um arame.
Em ambos os casos tentamos prestar o atendimento veterinário imediato, e para isso precisamos que tanto os cidadãos quanto os agentes de governo identifiquem que um animal precisa de ajuda veterinária. Diria então, que realmente o desafio é conscientizar as pessoas para que os acidentes possam ser evitados e para que possam identificar quando um animal não está mostrando um comportamento normal. Por isso acho importante que todos conheçam os hábitos normais dos animais de sua fauna local. Os zoológicos e aquários tem uma função muito importante neste cenário.
Na sua opinião, quais são os principais fatores humanos que contribuem para a degradação dos ecossistemas marinhos atualmente?
Poluição (lixo) e sobrepesca.
Como a poluição, especialmente o descarte de plásticos e outros resíduos, afeta a saúde dos animais marinhos com os quais você trabalha diariamente?
O descarte de lixo pode afetar o crescimento de um animal se o lixo estiver estrangulando uma nadadeira por exemplo, causar problemas gástricos se ingerido, causar ferimentos na pele, se for uma rede por exemplo.
A pesca excessiva e a destruição dos habitats naturais têm consequências diretas para a vida marinha. Como essas atividades afetam a biodiversidade dos oceanos?
A pesca excessiva causa desequilíbrio na cadeia alimentar das espécies em questão e no seu ecossistema. Por exemplo a sobrepesca de tubarões causa um aumento no número de peixes que eram a sua presa, e o excesso de tal espécie consome um número muito elevado de peixes menores, por exemplo. É uma reação em cadeia, e ainda não conseguimos prever todas as consequências. A destruição dos habitats pode causar que as espécies procurem outro lugar para se estabelecerem, o que causaria um impacto no novo ambiente. Ou ainda, caso as espécies não procurem um novo ambiente, a sua população pode ir diminuindo pois não conseguirá ser autossustentável em um habitat que não é o ideal.
Gisele, além de ser uma veterinária pesquisadora, você é especializada em reprodução animal. O que mais a atraiu para esse campo de estudo em relação aos animais marinhos?
Eu me apaixonei pela matéria de reprodução animal quando eu estava na faculdade de Veterinária. Os primeiros animais marinhos com os quais eu trabalhei foram os golfinhos. O que me atraiu nesse caso foi a facilidade com a qual podemos estudá-los, pois eles são treinados para darem amostras biológicas de maneira voluntária, ou seja, podemos coletar urina ou sangue para exames hormonais e também fazer ultrassom de maneira voluntária, e assim ver a atividade dos ovários e o desenvolvimento de uma gestação, por exemplo. Ultimamente tenho trabalhado muito com tubarões, e nessa espécie, o que me atrai é a complexidade da reprodução. São vários tipos de reprodução (algumas espécies são vivíparas, outras são ovíparas ou ovovivíparas, outras inclusive produzem um tipo de placenta) e é mais difícil conseguir amostras (não podemos treiná-los), o que torna os estudos mais difíceis de serem concluídos. Mas como um terço das espécies de tubarões e arraias estão em perigo de extinção, é muito importante estudar como eles se reproduzem, já que isso é parte essencial de sua biologia.
Você poderia compartilhar algum caso específico de resgate ou reabilitação de um animal que tenha sido gravemente afetado pela poluição ou outra intervenção humana?
Em maio de 2022, o SeaWorld resgatou uma peixe-boi fêmea com seu filhote recém-nascido (que receberam os nomes de Reckless e Churro). Ela estava gravemente ferida por uma hélice de motor de barco (um acidente infelizmente comum na Flórida), que a deixou com fraturas expostas na nadadeira esquerda. Reckless passou por um total de 9 cirurgias incluindo amputação da nadadeira e repararão do tecido danificado. Ela e seu bebê estiveram sob os cuidados do SeaWorld por 20 meses até que puderam ser liberados em seu habitat natural.
De que maneira a educação ambiental pode desempenhar um papel na redução dos impactos humanos sobre os oceanos e a fauna, e o que o Sea World faz para promover essa conscientização? Acredita que a conscientização realmente tem tido um efeito positivo em relação a melhoras no tratamento da fauna marinha?
Educação ambiental é fundamental para a preservação dos recursos naturais do nosso planeta. Tanto crianças como adultos precisam saber as consequências do impacto humano sobre os oceanos. Todas as atrações do SeaWorld têm uma temática referente a algum animal ou a uma questão ambiental, como preservação da água, derretimento de geleiras, e mais. Além disso, nossas apresentações com animais transmitem informações importantes sobre a conservação e nossos habitats de animais contam com placas informativas por todo o parque e temos funcionários que explicam para os visitantes sobre os animais e como podemos ajudar a preservar os habitats naturais. Acredito sim no efeito positivo desse tipo de informação e passeios em aquários e zoológicos, em adultos e crianças para uma conscientização sobre a fauna marinha. Já podemos ver como as pessoas se importam mais sobre o meio ambiente hoje em dia do que há anos. É muito importante que as crianças entrem em contato com animais e plantas, para que quando adultos possam fazer o possível para protegê-los.
Olhando para o futuro, quais ações imediatas acredita que deveriam ser tomadas, tanto por governos quanto por indivíduos, para proteger melhor os ecossistemas marinhos e suas espécies?
Diminuição da poluição em oceanos (remoção do lixo existente, alternativas para descarte, fiscalização); regulamentação de pesca para que seja sustentável; mais instituições de reabilitação de fauna marinha.
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