A cantora e compositora Tuany, do ABC Paulista, dá continuidade à sua narrativa musical com o lançamento do single “Meu Lugar”, segunda parte de um projeto dividido em quatro capítulos. Gravado durante uma viagem pela Espanha e Inglaterra, o clipe da canção foi inteiramente registrado com o celular da artista, revelando sua busca por pertencimento e expansão. Com influências do rock nacional das décadas de 60 e 70, a faixa propõe um olhar poético sobre o movimento e o desejo de encontrar o próprio espaço no mundo.
Tuany, “Meu Lugar” surge como um segundo ato de uma narrativa em quatro partes. O que te motivou a construir sua trajetória artística como uma espécie de diário em capítulos musicais?
Eu sempre gostei de acompanhar histórias que se complementam e que fazem sentido quando olhamos com uma lente macro, então quis trazer esse conceito desde o meu primeiro álbum, “Metamorfose”. Acho que isso gera uma expectativa maior no público também, aquela ânsia em esperar pelo próximo capítulo, como se estivéssemos assistindo a uma série. Além disso, a história que eu tô contando tem um sentido cronológico, então a oportunidade já estava ali, na minha cara.
A ideia de pertencimento que você traz em “Meu Lugar” é muito interessante, como se a busca também fosse uma forma de chegar. Para você, a sensação de “estar em casa” é mais uma geografia ou um estado de espírito?
Acredito que os dois. A nossa casa, em estado de espírito, pode ser em qualquer lugar; vai depender muito mais de como a gente se sente e das pessoas que constituem essa casa. Mas, ao mesmo tempo, essa geografia influencia culturalmente, porque, pra gente se sentir em casa, temos que nos identificar culturalmente com o lugar onde estamos. Tem que fazer sentido e fazer a nossa “casa espiritual” acontecer.

O clipe foi gravado com um celular durante sua viagem pela Europa. Como foi a experiência de transformar momentos pessoais em um registro artístico tão íntimo e espontâneo?
Mesmo eu estando acostumada a gravar com o celular, foi uma experiência nova. Equilibrar o momento de lazer (que era um sonho pessoal sendo realizado) com as tarefas profissionais, que muitas vezes acabam se sobrepondo a mim, foi um desafio. Mas acho que, por ser um momento mais íntimo e uma realização pessoal tão grande, trouxe mais verdade para o clipe. Tinha um roteiro por trás, claro, mas muitas cenas ali foram gravadas como registro pessoal, de memórias.
Você homenageia o rock brasileiro dos anos 60 e 70, mas também flerta com elementos modernos, como samplers digitais. Como você equilibra essas influências clássicas com sua identidade atual dentro da nova MPB?
Atualmente, acredito que esse equilíbrio é espontâneo. Minhas referências são muitas, desde coisas mais antigas até as mais atuais, e, por estarem tão grudadas em mim, essa mistura sai de forma natural. Eu não me proíbo de experimentar coisas modernas nem de trazer sonoridades mais clássicas. O legal é misturar tudo e criar o som da Tuany.

No release, você compara esse momento da carreira a uma borboleta que já se metamorfoseou e agora decide voar. Que aprendizados do seu processo de transformação pessoal e artística você leva contigo nesse novo voo?
Que eu tenho que ser eu mesma e acreditar em mim, na minha arte. Muitas vezes a gente se coloca em constante questionamento: se o que estamos fazendo está agradando, se está certo, se está “na moda”, e esquecemos que fazer arte, de qualquer tipo, é a expressão mais sincera e visceral de quem somos e do tempo e da realidade que vivemos. Então esse voo da borboleta que se metamorfoseou vai ser livre, sem amarras, e se lembrando do porquê ela começou a voar em primeiro lugar.
O fato de suas produções serem feitas com ferramentas acessíveis, como o celular, também passa uma mensagem de autonomia. Como você enxerga o poder da autossuficiência criativa no cenário musical independente?
Tem seu lado bom e seu lado ruim, como tudo na vida. Eu acho muito incrível que um celular consiga me dar independência para gravar e editar um clipe sem nenhum custo, usando apenas o que tenho em mãos. Mas, quando olhamos de outro ângulo, vemos a precarização desse trabalho artístico e uma IA crescendo de forma preocupante, tentando substituir o trabalho humano. A autossuficiência nunca será plena e muito menos substitutiva do trabalho de pessoas especializadas. Eu amo gravar meus clipes com o celular, e incentivo as pessoas a fazerem isso, porque é melhor fazer com as ferramentas que temos do que deixar de fazer. Mas isso nunca vai substituir o trabalho de uma equipe de audiovisual, por exemplo. No fim das contas, é uma questão de orçamento e de não deixar de fazer o trabalho.

Seu trabalho mistura som, letra e imagem de forma muito coesa, mas você faz questão de manter tudo mutável, como uma viagem em constante mudança. Como você lida com as expectativas do público em meio a essa liberdade criativa?
O público sempre me recebe muito bem com minhas ideias malucas, e isso me dá espaço para experimentar mais. E sabe, eu fico muito feliz de ouvir as pessoas dizendo que eu tenho a minha identidade visual e sonora, mesmo experimentando e buscando mudanças. Isso me mostra que eu tô sendo eu mesma e sincera com a minha arte.
A amizade com a artista Camila Sanchéz foi essencial na realização do clipe. Como as conexões influenciam seu processo criativo? Você sente que suas músicas nascem mais de encontros ou de introspecções?
Eu posso dizer que sou amiga de todas as pessoas com quem trabalho, e isso é um privilégio. A equipe com quem trabalho hoje vem sendo construída desde 2020, e nesse processo foi meio impossível não criar relações de amizade tão fortes. São pessoas que acreditam no meu trabalho, que sonham junto comigo e confiam na minha música. Isso me inspira a sempre dar o meu melhor e me superar, por mim e por eles.
Eu me descobri uma pessoa mais introspectiva do que imaginava, então as composições sempre acabam indo mais por esse lado. Até mesmo quando é um assunto do mundo, eu tenho a tendência de me fechar com aquele tema, maturá-lo dentro de mim e, depois, criar algo que realmente signifique alguma coisa.
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