Thiago Romaro fala sobre “Lamento”, balada folk de resistência em tempos sombrios

Luca Moreira
15 Min Read
Thiago Romaro (Rita Frazão)
Thiago Romaro (Rita Frazão)

O cantor e compositor Thiago Romaro lançou, em novembro, o single e videoclipe “Lamento”, disponibilizado em todas as plataformas pela Marã Música. A canção marca um momento de síntese artística em sua trajetória: melancólica, mas pulsando esperança, ela revisita a juventude do artista, suas primeiras bandas nos anos 90 e a crença de que o futuro seria mais leve. Entre nostalgia e crítica, Romaro transforma memória pessoal em reflexão sobre um mundo que se tornou mais desigual, mais violento — e ainda assim capaz de produzir beleza.

Escrita em meio às notícias sobre as guerras na Ucrânia e em Gaza, “Lamento” nasceu no violão e cresceu com a força da palavra, inspirada em baladas de protesto e na estética folk de nomes como Bob Dylan. Gravada com sonoridade orgânica no Estúdio Mínimo, a faixa reúne Thiago na voz e violão, Márcio Lugó nos arranjos, Arthur Kunz na bateria e Malu Maria nos vocais de apoio. O resultado é um rock nostálgico, quase atemporal, que ecoa canções criadas em tempos em que ainda se cantava por paz.

O videoclipe, dirigido por Thiago de Mello, amplia o simbolismo da música ao registrar ruínas da cidade e o casarão onde Romaro vive, ambos prestes a desaparecer sob o avanço urbano. Filmado com simplicidade técnica e forte carga emocional, o vídeo mistura imagens de demolições reais, cenas performáticas e momentos de espontaneidade. “Lamento”, assim, se torna mais que uma canção: é um retrato íntimo de perda e persistência, um convite a encontrar poesia mesmo em cenários de escombros — internos ou externos.

Numa frase, você define Lamento como uma música triste, mas esperançosa. Em que momento você percebeu que a canção não seria apenas um desabafo, mas também um gesto de resistência?

No dia que eu comecei a escrever o Lamento eu sentei com o violão no colo, comecei a cantarolar a melodia e a primeira frase que saiu foi “O mundo tá em guerra mas a gente vai pra rua, chegou mais um carnaval”. Eu ainda não sabia o que aquilo ia virar, mas era um dia que eu acordei, me arrumei pra sair pro carnaval e as notícias no jornal falavam das guerras, aquilo me deu uma inquietação, eu precisava, assim, precisava mesmo como quase algo vital escrever, falar de como as coisa não são como eu sonhei que fossem, mas eu não sabia, e ainda não sei se era algo que eu estava querendo escrever como um protesto, como um desabafo, era um lamento mesmo, quando a música tava pronta eu comecei a mostrá-la pra  pessoas próximas e elas foram me dizendo o que elas sentiam quando ouviam e ali eu percebi que tinha uma música que eu queria gravar, que ela tinha sentimentos que não eram só meus, mas que outras pessoas se identificavam com aquilo e que eu queria dividir ela com mais gente.

Thiago Romaro (Rita Frazão)
Thiago Romaro (Rita Frazão)

A faixa nasce de uma saudade do mundo que parecia possível nos anos 90. Se você pudesse conversar com o seu eu adolescente, montando sua primeira banda, o que diria a ele sobre o futuro que encontrou?

Fiquei pensando bastante nessa pergunta, o que será que eu diria pro eu-que-eu-fui adolescente. E acho que no fim eu não contaria nada, porque ele realmente acreditava que a humanidade tava caminhando pra um lugar mais bonito, que ainda, claro, havia muita luta, mas que a humanidade parecia ter aprendido com os erros e que agora era reparar as injustiças, dividir as riquezas e que a música, a banda de rock seria um caminho pra ajudar nisso. Então, fico pensando que se eu encontrasse com ele hoje eu diria apenas, vai em frente, siga nos seus sonhos e ideais, porque, pra ter esperança, a história não pode estar contada, ele imaginava um mundo diferente do que temos agora, mas eu também imagino um mundo diferente pras próximas gerações, a gente luta, sonha e segue vibrando porque temos esperança e pra isso não pode ter spoiler, então, é isso, acho que eu deixaria ele sem uma resposta pra ele poder encontrar as próprias.

Thiago Romaro (Rita Frazão)
Thiago Romaro (Rita Frazão)

Você menciona que, apesar das guerras, escombros e desinformação, ainda podemos cantar. Qual é o papel da música em tempos em que o mundo parece ruir? Ela ainda salva?

A música, mas não só ela, as artes em geral, eu acredito que têm o poder de curar, de transformar, tem um conceito da psicanálise, do Freud, que é o da sublimação, o Freud explica a arte como um produto desse conceito, basicamente a sublimação consiste em transformar conteúdos inconscientes que reprimimos para não sofrer em alguma outra coisa, por exemplo, alguém que perde um parente querido num acidente de carro e cria uma ONG de conscientização pras pessoas não dirigirem embriagadas, a pessoa consegue dar um sentido praquela dor e transformá-la em algo positivo, e assim consegue lidar melhor com o próprio luto, mesmo sem saber. Então, pensando por aí, compor uma música sobre algo que nos está fazendo mal nos ajuda a seguir em frente, e no caso das artes, isso transcende do artista porque é capaz de tocar outras pessoas e a partir daí ajudar a gente a seguir. Nesse sentido a música salva, a música cura.

Thiago Romaro (Rita Frazão)
Thiago Romaro (Rita Frazão)

O clipe foi gravado em casas demolidas e em um antigo casarão prestes a se transformar em prédio. Como essa paisagem em transformação reflete a sensação de um futuro que parecia promissor e, de certa forma, escapou pelas mãos?

Moro em São Paulo, na vila Mariana, depois que compus lamento mandei ainda uma versão demo pro Thiago de Mello, meu amigo que é fotógrafo e ele sugeriu de fazermos um clipe. eu topei e ele me perguntou o que eu queria contar nesse clipe. Nesse dia eu saí de casa e o quarteirão da frente que antes era de casinha germinadas estava destruído, pareciam escombros de guerra, desses que a gente vê nas fotos nos jornais que mostram os bombardeios por aí. A casa onde eu vivo, que é um casarão antigo com cara de mal assombrado onde moram muitas pessoas também está vendida e ano que vem vai ser demolida pra virar prédio, Ali eu cheguei nessa ideia, de contar a história dessa casa e ao mesmo tempo deixar um ar de que, tudo bem, vamos em frente.  Eu acho demolições algo muito triste porque se pararmos pra pensar, um dia alguém construiu uma casa ali, com um sonho de viver ali com os seus, aí o tempo passa, a pessoa envelhece, morre, vem outra família e ocupa e assim sucessivamente, são muitas histórias, muitas vivências, até que um dia a especulação imobiliária decide que acabou, e sobe mais um arranha-céu. Eu nem sou muito crítico de verticalizar a cidade, acho que, muitas vezes e com os estudos certos, pode até ser necessário, o problema é o como, é o lucro a qualquer custo, é a pressão que se coloca nas pessoas que muitas vezes nem querem vender e sair dali. Mas bom, foi dessa sensação de destruição de um bairro acontecendo na minha frente e que provavelmente não vai resolver questões de moradia na cidade que me deu vontade de registrar esse recorte do mundo.

Thiago Romaro
Thiago Romaro

A estética do folk e das baladas de protesto evoca nomes como Bob Dylan e o espírito do Live Aid. De que maneira esses símbolos influenciaram sua visão de arte e política e qual é o protesto que Lamento tenta fazer hoje?

A intenção de “Lamento” ou a sensação, corporal mesmo, que eu tava sentindo enquanto escrevia a música é mais de um lamentar mesmo do que o de protestar, é uma música um tanto autobiográfica que fala de como o mundo não veio a ser aquilo que eu imaginava que seria, aquilo que nos prometeram quando éramos jovens e ingênuos, mas, que apesar disso podemos seguir cantando, e que se não foi ainda, não significa que nunca será, as batalhas são muitas e a humanidade ainda tem um longo caminho a percorrer, eu acredito.. Acho que compositores como o Bob Dylan que também estava cantando sobre um mundo com guerras traz esse exemplo, essa vontade de não se render, de não desistir, de dizer, apesar de vocês ainda vamos fazer coisas belas e ponto.

Você escreveu a música enquanto via notícias sobre a Ucrânia e Gaza, enquanto o carnaval ecoava nas ruas. Sentir alegria coletiva diante de um mundo em conflito produz culpa, alívio ou alguma outra coisa difícil de nomear?

Acho que vou responder essa pergunta falando de um casal de amigos que fiz uns anos atrás. Foi em 2022, eu tive uma oportunidade de trabalho em Portugal e resolvi ir, chegando em Lisboa eu aluguei um quarto numa casa de moradia temporária onde viviam muitos estrangeiros, gente de várias partes, outros brasileiros, um holandês, um povo nômade digital da america latina e também o Igor e a Irina, que eram refugiados da Ucrânia, ela saiu antes dele porque ele teoricamente, sendo homem, teria que ficar e servir na guerra, mas ele não quis e deu um jeito de cruzar a fronteira e encontrá-la, escolheram viver em Lisboa, era um casal muito jovem de vinte e poucos anos, numa das primeiras noites em que eu estava lá nós fomos num festa de rua e eles dançavam, cantavam, se divertiam. Dois refugiados, longe de casa, o país deles sendo destruído, pessoas que eles amam morrendo, mas eles podiam, sem deixar de lado as dores, encontrar momentos pra dar risada, se divertirem no novo lar que encontraram. Aquilo foi uma lição pra mim, O que não dá, talvez, é ignorar o que está acontecendo no mundo, se calar diante das barbáries, mas, ir pra rua e poder dizer “apesar de tudo estamos aqui” também é um ato de resistência política. E acho, voltando a sua pergunta que se divertir diante de um mundo em conflito gera tudo isso ao mesmo tempo, gera culpa, gera alívio e gera coisas que são difíceis de nomear,

O vídeo nasce de uma urgência: entrar em um terreno demolido quase sem tempo para pedir permissão. Você sente que a arte, às vezes, também precisa ser um ato clandestino para sobreviver?

A arte não pode pedir permissão, a arte tem que meter o pé na porta, porque a arte é o ato de transformar e quem quer transformar encontra pelo caminho os que querem conservar e são esses que estão com o livro das regras na mão. Pra filmar o clipe nos escombros de uma casa demolida não dá pra ir pedir pra quem demoliu, a arte é clandestina por natureza.

A música fala sobre um mundo que não foi. Quais são, para você, os sinais de que um novo mundo ainda pode ser e onde você encontra esperança hoje?

Encontro a esperança nas pessoas que vão cruzando meu caminho, as que estão fazendo música, as que estão pegando navios pra levar comida pra Gaza, as que estão dançando e fazendo o carnaval, as que, apesar dos percalços, continuam acreditando que o mundo pode ser diferente. A esperança não é só um conceito, a esperança são atitudes, e o mundo está cheio de pessoas agindo. Isso me faz continuar acreditando.

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