Roberto Martins de Souza lança livro sobre o impacto social e psicológico da tuberculose no Brasil

Luca Moreira
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Roberto Martins de Souza
Roberto Martins de Souza

Com mais de três décadas dedicadas à saúde pública, o enfermeiro e professor universitário Roberto Martins de Souza transforma sua experiência em pesquisa no livro “A tuberculose e suas representações na sociedade”, fruto de sua tese de doutorado pela PUC-SP. A obra analisa não apenas os efeitos físicos da doença, mas também as consequências emocionais e sociais enfrentadas pelos pacientes — que, mesmo após o avanço da medicina, ainda convivem com estigma e exclusão.

Baseado em entrevistas e extensa pesquisa bibliográfica, o autor revela como a tuberculose continua provocando isolamento e discriminação, especialmente em pessoas que também vivem com HIV. Para Souza, o problema ultrapassa o campo médico: reflete um modelo de assistência que ainda marginaliza os doentes. “A doença gera uma ruptura entre corpo e espírito, e isso precisa ser encarado como parte do tratamento”, aponta.

Mais do que um estudo acadêmico, o livro convida à reflexão sobre empatia, inclusão e humanização do cuidado. Roberto Martins de Souza é professor em universidades da capital e do interior paulista e acumula ampla experiência em hospitais e unidades básicas de saúde. A tuberculose e suas representações na sociedade marca sua estreia como autor, unindo vivência prática e rigor científico em uma obra essencial para profissionais da saúde e para todos que se interessam pelas relações entre medicina, mente e sociedade.

Ao longo da sua trajetória como enfermeiro e professor, qual foi o momento mais marcante que despertou em você a necessidade de transformar a tuberculose em tema de pesquisa e, agora, em livro?

O que despertou minha vontade de transformar a tuberculose em tema de pesquisa, e agora em livro, foi a percepção da necessidade de se elaborar campanhas governamentais, seja em rádio, televisão, jornal e outros meios de divulgação sobre a tuberculose.

A tuberculose está aumentando em número de casos a cada ano que passa, tanto aqui no Brasil quanto em outros países. Vi dobrar o número de pacientes que eu atendia por semana. A tuberculose por ser uma doença que está intimamente ligada a pobreza, e notamos que a pobreza também está crescendo no mundo inteiro. O fato de escrever o livro a tuberculose e suas representações na sociedade vem ao encontro de chamar a atenção da população sobre a tuberculose.

Você analisa como a tuberculose afeta não apenas o corpo, mas também a mente e a vida social dos pacientes. Na sua percepção, qual dessas dimensões é mais negligenciada pelo sistema de saúde?

Acredito que ambas são negligenciadas pelo governo. Temos vários profissionais de saúde nos grandes centros urbanos, como na região sudeste, centro-oeste e sul, mas pouquíssimos profissionais de saúde nas regiões norte e nordeste. Acredito que, se o governo investisse mais recursos nessas regiões menos privilegiadas, a tuberculose estaria em índices aceitáveis.

A tuberculose afeta a mente e o corpo, devido justamente ao empobrecimento da população, especificamente aqui no Brasil, onde o desemprego vem crescendo em números assustadores e, com isso, gera a pobreza.

Para um indivíduo que tem tuberculose pulmonar, o tratamento correto gira em torno de seis meses. Isso faz com que o paciente fique isolado socialmente, com receio de transmitir para outras pessoas.

O preconceito ainda acompanha a tuberculose, assim como acontecia no passado nos sanatórios. O que mais te surpreendeu ao ouvir os relatos dos pacientes sobre discriminação nos dias de hoje?

A discriminação continua, porém menos que no passado. O paciente com tuberculose pulmonar ou pleural é tratado em UBS (Unidade Básica de Saúde) por seis meses. Como a transmissão é por via respiratória, esse paciente fica com receio de falar, tossir e até mesmo de compartilhar objetos pessoais, como garfo, faca, toalha etc.

Após os primeiros quinze dias de tratamento, com o uso de antibióticos específicos, esse paciente não transmite mais o bacilo da tuberculose. Porém, alguns familiares e até mesmo o local de trabalho desses pacientes podem excluí-los do convívio. O que não se justifica.

Como você enxerga a relação entre tuberculose e HIV, que muitas vezes intensifica os estigmas? Há algo que considera essencial para que essa associação deixe de ser um fator de exclusão?

A tuberculose associada ao HIV gera um estigma muito grande por parte da sociedade e por alguns familiares desses pacientes. Acredito que, quanto mais se puder falar dessas duas doenças com o maior número de pessoas, esse estigma também diminua, apesar de que não acredito que acabe por total esse preconceito. O que se precisa fazer é ter maior esclarecimento dessas duas doenças.

Roberto Martins de Souza
Roberto Martins de Souza

Durante sua pesquisa, você percebeu que os pacientes passam por um processo de “reconfiguração de vida” enquanto enfrentam a doença. Quais foram as histórias que mais te impactaram nesse sentido?

São várias histórias interessantes, pois assim que iniciam o tratamento da tuberculose, em duas semanas os pacientes já começam a relatar a diminuição dos sintomas, principalmente a febre e a tosse. E consequentemente, com uma boa alimentação, o peso deles já aumentou. Isso é muito gratificante para os pacientes e para os profissionais que estão atendendo também.

Seu livro aponta também para o papel das redes sociais e da comunicação no reforço — ou no combate — a preconceitos. Na sua visão, como podemos utilizar esses canais para promover mais empatia e inclusão?

As redes sociais são de extrema importância, pois são elas que levam as notícias, ou fatos que estão acontecendo para a sociedade. A população precisa de todo tipo de informação, e acredito que somente com informação teremos uma diminuição de tantas outras doenças, não apenas da tuberculose e do HIV.

O senhor atua há muitos anos em hospitais, UBS e universidades. Como essa experiência prática contribuiu para que o livro fosse além da teoria acadêmica e se tornasse também um retrato humano da doença?

Então, por trabalhar há vários anos com pacientes com a doença tuberculose e ser docente em várias universidades, procurei escrever o livro “A tuberculose e suas representações sociais na sociedade”, não apenas para os graduandos e profissionais da saúde, mas também para a população em geral. O livro quase não tem terminologia técnica, o que faz com que ele possa ser lido por qualquer pessoa interessada.

O que você espera que os leitores levem consigo ao final da obra: uma consciência social, uma reflexão filosófica sobre saúde e exclusão, ou uma provocação para transformar a forma como tratamos os doentes?

Acho que espero tudo isso, pois, com o passar da leitura, os leitores vão saber sobre a doença, via de transmissão, diagnóstico e tratamento. É uma provocação à sociedade para que ela não enxergue apenas o doente em si, mas uma pessoa, um ser humano.

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