Unindo tradição e tecnologia, o produtor e DJ paulistano Rev Denis acaba de lançar Moondust – Song Book, seu primeiro álbum autoral, totalmente gerido por inteligência artificial. Disponível nas plataformas digitais, o projeto resgata sonoridades da música jamaicana das décadas de 60 e 70 — como ska, rocksteady, reggae, calypso e mento — em diálogo com a pouco reconhecida library music, gênero criado para trilhas de filmes e TV. Com 14 faixas, o disco presta tributo a compositores esquecidos e abre caminhos para novas formas de produção musical, com o apoio do REGGAEMATIC 3000, IA desenvolvida pelo próprio artista em parceria com Carlos Aitken.
Moondust – Song Book é uma ponte entre a música jamaicana vintage e a pouco reconhecida library music. O que te levou a unir justamente esses dois universos tão específicos nesse projeto?
Sempre fui curioso com estilos musicais que parecem pertencer a mundos paralelos. Testei várias combinações, mas foi nessa interseção entre o rocksteady e a estética da library music que encontrei algo realmente único. O processo foi se moldando organicamente até que percebi que havia ali um caminho sólido. Quando os padrões começaram a se repetir com consistência, mergulhei mais fundo e decidi transformar a ideia em um álbum.
A inteligência artificial teve um papel central na criação do álbum, inclusive com o uso do seu modelo próprio, o REGGAEMATIC 3000. Como foi emocionalmente para você ceder parte do processo criativo para uma tecnologia — e o que mais te surpreendeu nesse processo?
Foi mais natural do que parece. Já exploro e aplico IA Generativa há bastante tempo, seja com imagem, texto ou som. Não sou músico de formação, mas vivi intensamente a noite de São Paulo e escutei horas e horas de música ao longo da vida. Essa vivência me deu repertório para traduzir sensações e atmosferas em parâmetros e prompts. O que mais me surpreende até hoje é ouvir certas faixas e perceber como a máquina captou nuances que seriam difíceis até para um ser humano explicar.

Ao revisitar a library music, você resgata memórias coletivas sonoras que, muitas vezes, nem sabemos de onde vêm. Qual é a sua relação pessoal com esse tipo de música? Alguma lembrança marcante?
Muitas. A library music tem esse poder misterioso de já estar na nossa cabeça antes mesmo de a gente saber o nome de uma faixa. É uma arte que mistura o simples com o sofisticado, cheia de camadas sinestésicas. Uma das coisas que mais gosto é investigar essas trilhas, descobrir quem as compôs, em que contexto nasceram. Meu último achado foi o LP “Paulistana”, do Billy Blanco, que tem o tema “Amanhecendo”. Ouvi esse som tantas vezes que perdi a conta.
O álbum tem uma aura quase cinematográfica, como se fosse trilha de um filme imaginário. Você chegou a pensar em cenas ou histórias específicas enquanto produzia? Que tipo de imagem Moondust – Song Book evoca pra você?
Sim, desde o começo. Sempre fui de fazer mixtapes e colagens sonoras, e isso se reflete na estrutura do álbum, da ordem das faixas aos pequenos efeitos. Gosto de pensar no som como uma narrativa sem palavras. Para mim, o disco traz uma imagem difusa, que mistura o caos urbano, um certo cinismo cotidiano e também o romantismo disfarçado de escapismo de quem vive a madrugada nas grandes cidades. É como um filme que nunca foi filmado, mas que você sente assistindo de olhos fechados.

A decisão de lançar o álbum também em fita cassete é uma escolha bastante simbólica. Qual é o significado dessa mídia física para você e que tipo de conexão espera criar com o público colecionador?
Lá atrás, criei um selo chamado Union Tapes que só lançava cassettes. Sempre tive um carinho pelo formato. Gravei e regravei muitas fitas na adolescência e, depois de toda a digitalização das mídias, voltar ao cassete foi quase uma jornada. A gravação magnética tem alma, tem textura. É permissiva, diferente do vinil, e com uma estética própria. Compartilhar esse material com quem também é fã do formato cria um tipo de conversa muito especial.
A library music muitas vezes ficou à margem, mesmo sendo essencial para trilhas de filmes e programas. De certa forma, você sente que este álbum também é um manifesto de valorização dos criadores invisíveis?
Certamente. Mas também é uma faísca para discutirmos oque significa produzir, em outro recorte, com outros músicos e vozes invisíveis – dessa vez geradas por delírios de uma máquina – também.

Existe um certo misticismo no título Moondust — como poeira lunar. O que esse nome representa pra você dentro do conceito do álbum?
A lua é um tema recorrente nos clássicos jamaicanos, com músicas como “Moonstomp” do Symarip ou “Moon Hop” do Derrick Morgan. A poeira remete aos arquivos antigos de rádio, TV e produtoras que guardavam trilhas sonoras e músicas incidentais. E tem também o fato de o álbum ter sido todo produzido durante noites insones. Foi difícil encontrar um nome mais representativo.
Misturar passado e futuro nunca é tarefa simples. Que mensagem você espera que os ouvintes levem ao final da experiência com o álbum — especialmente aqueles que ainda não conhecem esses gêneros musicais?
Que escutem com curiosidade e sem pressa. Existe um universo inteiro de melodias, referências e atmosferas escondidas ali, prontas para serem descobertas. Às vezes a melhor história é aquela contada sem palavras.

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