No novo lançamento “Ensaios de A a Z para Mentes Inquietas”, o psicólogo clínico e doutor em Filosofia Clécio Branco oferece uma inovadora abordagem ao explorar o alfabeto como uma ferramenta para dissecação e reflexão sobre a pluralidade humana e o mundo ao nosso redor. Utilizando uma combinação de filosofia, literatura, sociologia e antropologia, Branco entrelaça pensamentos de figuras como Platão e Nietzsche com referências contemporâneas de produções culturais, como a série “Breaking Bad” e o filme “Um Dia de Fúria”, criando um dicionário de temas cotidianos repleto de profundidade.
O livro é uma resposta ao que o filósofo Byung-Chul Han descreve como a “sociedade do cansaço”, apresentando textos curtos e profundos que oferecem alento e perspectiva. Influenciado por suas décadas de experiência clínica e formação em Ciências Sociais e História, Branco busca proporcionar ao leitor um espaço para refletir sobre aspectos fundamentais da vida, como amor, desejo e escolhas, além de elementos naturais como água e tempo. Este trabalho é uma crítica ao excesso de produtividade e consumo que, segundo o autor, levam tanto o corpo quanto a natureza à exaustão.
“Ensaios de A a Z para Mentes Inquietas” convida os leitores a uma jornada introspectiva, permitindo-lhes explorar a existência de forma não linear e pessoal. Cada ensaio pode ser lido de maneira independente, encorajando uma consciência mais profunda sobre o ritmo de vida e as escolhas individuais. Antes de abrir as páginas deste livro, o autor sugere um momento de pausa e reflexão, preparando-se para questionar e reavaliar o mundo de uma maneira inédita.
Como surgiu a ideia de usar o alfabeto como estrutura para apresentar as reflexões em “Ensaios de A a Z para Mentes Inquietas”?
O filósofo francês Gilles Deleuze, em um programa de rádio na França, participou de um bate-papo intitulado “Abecedário,” onde o interlocutor mencionava uma letra e o filósofo desenvolvia uma fala a partir dela. Estudei a filosofia de Deleuze e me encantei com seu pensamento, bem como com os conceitos que criou junto com seu parceiro de escrita e companheiro de vida, o psicanalista Félix Guattari. Inspirado por esses autores, decidi escrever “Ensaios de A a Z para Mentes Inquietas.”
Quais foram os principais desafios ao integrar teorias filosóficas e produções culturais populares nas suas reflexões?
Os autores citados fazem filosofia a partir de ideias presentes em diversas áreas, como teatro, cinema, dança, etnografia, artes plásticas, literatura e outros campos. Seguindo os passos desses dois grandes pensadores, decidi olhar para o mundo ao meu redor e me deixar ser levado por ele — pelos riachos, o caminhar errático das formigas solitárias, o som da natureza e, sobretudo, pelas pessoas. Assim, descobri que escrever é como caminhar; às vezes, é como subir uma ladeira íngreme, mas ainda assim é caminhar. Caminhamos sozinhos ou acompanhados, mas, sendo essa caminhada a escrita, quase sempre estamos acompanhados de muitos. Logo, é um desafio prazeroso caminhar com amigos, entre amigos, e ao mesmo tempo, sozinhos.
Você menciona a “sociedade do cansaço” de Byung-Chul Han. Como seus ensaios ajudam os leitores a enfrentar esse fenômeno contemporâneo?
Han aborda essa questão de forma que o leitor, seja ele filósofo ou não, precisa se engajar com os autores em que ele se baseia, o que pode ser uma tarefa desafiadora ao lidar com pensadores complexos como Heidegger ou Hegel. No entanto, é importante não desistir. Em obras como “Agonia de Eros” e “Sociedade do Cansaço,” Han explora como o desempenho extremo na sociedade moderna leva ao esgotamento. Ele utiliza Eros, o deus do amor na filosofia, como uma metáfora para a energia vital que está em declínio em nossa sociedade. Isso resulta em uma sensação de que nada é suficiente, com rupturas tecnológicas, trabalho híbrido e falta de pausas, gerando adoecimento e uma sensação de fracasso. A leitura desses textos oferece uma oportunidade de refletir sobre o que estamos fazendo conosco e o que estamos nos tornando. É um convite para valorizar as pausas e os rituais como momentos de encontro e reflexão. Han sugere que precisamos retomar esses espaços de reflexão para recuperar um senso de comunidade e bem-estar.
De que maneira suas experiências como psicólogo clínico influenciaram o conteúdo e a abordagem dos temas no livro?
As pessoas têm chegado à clínica com novos sintomas, que vão além das neuroses clássicas da psicanálise. Han fala sobre o “excesso de positividade,” que tem gerado uma violência psíquica, manifestando-se em transtornos como TDAH, TAG, síndrome de burnout e uso disfuncional de aparelhos eletrônicos. Esses novos desafios inspiraram os “Ensaios.” Tratar dessas patologias é responder ao grito da alma por descanso e pausa, como um shabbat na natureza. O livro é uma síntese de inúmeras escutas, um reflexo de encontros tanto dolorosos quanto alegres.
Como você escolheu os temas específicos para cada letra do alfabeto? Há algum critério ou inspiração particular por trás dessas escolhas?
Como Deleuze & Guattari dizem, sou um catador de pedaços, colhendo inspiração de livros, filmes, aulas e conversas com amigos. Escrever usando o alfabeto me deu uma direção para organizar o texto. Brincar com as palavras é um trabalho coletivo; nunca se escreve um livro sozinho. Algumas letras são especiais para mim, como o “F” de formiga, que me inspira. Segui os fluxos da natureza e dos encontros, escrevendo a partir das impressões que recebo do mundo ao meu redor.

Você aborda elementos como amor, ciúme, desejos e escolhas. Qual desses temas você considera mais urgente de ser discutido na sociedade atual e por quê?
O amor (Eros), no sentido freudiano de pulsão de vida, é urgentemente necessário. Vivemos em tempos de uma pulsão de morte na política, economia e relações sociais. A falta de amor, não apenas no sentido romântico, mas em um sentido mais amplo de conexão social e respeito pela natureza, está levando a uma crise de valores e relações. No livro “Isso não é um chapéu,” que será lançado em breve, discuto a importância de criar laços e cultivar o amor, seja pelos seres humanos, pela natureza ou pelos animais. É vital resgatar a capacidade de amar e se conectar, o que inclui valorizar a amizade e o trabalho que dignifica.
Qual mensagem principal você espera que os leitores levem consigo após ler “Ensaios de A a Z para Mentes Inquietas”?
Espero que os leitores percebam a importância de registrar suas experiências, mesmo as mais modestas. A lentidão, como aprendida com os estoicos, é uma estratégia importante — ser curioso e observar o mundo com atenção pode nos revelar muito. Encorajo a prática de pausas para ler algo agradável e a busca contínua por aprendizado. É essencial manter a curiosidade viva, tal como as crianças, para podermos perceber e valorizar as nuances do mundo ao nosso redor. Há uma mensagem potente em Walt Whitman para aqueles que se sentem desanimados ou cansados: acreditem no mundo e nas pequenas mudanças que podemos promover.
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