Poeta Neusa Azevedo lança livro duplo que reflete sobre luto, memórias e conexões humanas

Luca Moreira
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Neusa Azevedo
Neusa Azevedo

A poeta mineira Neusa Azevedo lança Ave Mãe e Segredos Nossos, dois livros publicados em conjunto que exploram as marcas deixadas pelos afetos, descobertas e perdas ao longo da vida. Enquanto Ave Mãe presta uma homenagem à figura materna e reflete sobre o luto, Segredos Nossos traz versos mais íntimos sobre amores, incertezas e a busca pela alegria. A obra representa a quarta publicação da autora, que já participou de antologias e publicou outros três livros de poesia.

A poesia tem o poder de transformar sentimentos e dar novas cores às experiências da vida. No seu caso, como a escrita ajudou no processo de luto e na construção de Ave Mãe?

A construção de Ave Mãe foi um caminho de companheirismo de minha vida e de minha mãe. À medida que me aproximava de minha experiência com minha mãe, eu a amava mais ainda porque purificava esse amor. Em contrapartida, eu a libertava para seguir o caminho da morte, que não se sabe exatamente como é, para que ela pudesse ir embora. Eu desabotoava minha blusa, lugar do coração, dos meus apegos egoístas e abotoava as lembranças que eu descobria nela mesma e em mim. Era um processo meu, é claro, mas a tomava como companheira. E o nó do luto ia desamarrando e tornando a vida possível mesmo que minha mãe não mais fizesse parte de minha rotina.

Os versos de Ave Mãe resgatam momentos simples, mas profundamente significativos com a figura materna. Você acredita que a memória afetiva pode ser uma forma de manter viva a presença daqueles que partiram?

É um modo de retermos a memória, lembrarmos, recordarmos, conversarmos mentalmente. Mas a memória efetiva não mantém viva a pessoa, porque a cruel realidade é que esta  morreu e isso não permite deixá-la fazer cafuné em seus cabelos, não emite o som dos passos pela casa que só suas pegadas fazem. Ao escrever Ave Mãe, muitas vezes eu a fantasiava viva, mas eu não esquecia que ela não estava mais aqui. O corpo que carrega a alma é também uma presença abundante, criteriosa, bonita e amorosa.

Neusa Azevedo
Neusa Azevedo

Ao virar Ave Mãe, encontramos Segredos nossos, que traz um tom mais intimista e reflexivo. Como foi o processo de conectar essas duas obras tão diferentes e, ao mesmo tempo, complementares?

Pensei que duas obras que carregam muito sentimento poderiam se unir pelas seguintes características: eu-lírico, síntese, metáforas. Há em todos os poemas de “Ave Mãe” o tema da perda da mãe, sua recordação, enfim, o viés é a mãe. “Segredos Nossos” além da familiaridade poética, trabalha a busca do eu, paixão, amor, solidão e amizade. Há um caderno de anotações que se aprofundam e caminham assim universalmente em suas páginas. O que se vê aqui é um desenho do eu e do outro, de modo singular em cada uma das obras.

Seus poemas exploram tanto a perda quanto o amor, as incertezas quanto os sonhos. Você acredita que a poesia é um espelho das emoções humanas ou uma tentativa de encontrar sentido nelas?

Acredito piamente que a poesia tanto é um espelho das emoções humanas quanto é uma tentativa de encontrar sentido nelas. Um caminho não exclui o outro. Os poemas são significativamente um retrato humano. Freud já dizia que o inconsciente, antes dele, foi descoberto pelos poetas e filósofos. Sendo assim, temos uma herança poética magistral, assim bordamos em nossas páginas Fernando Pessoa que quer entregar sua grandeza à lua no reflexo das águas.  Impossível falar em emoções humanas sem, sobretudo, tentar buscar as palavras em seus sentidos, que são muitos, e ainda assim, não o bastante.

Você já publicou outros livros de poesia e participou de antologias. Em que momento percebeu que a escrita não era apenas uma paixão, mas uma necessidade na sua vida?

Desde adolescente tinha muita vontade de escrever. Mas quando fiz Teoria Literária na UFSC, esse desejo se acentuou bastante, andava pelas ruas de Floripa mentalmente recitando poemas. Era como se caso eu não fizesse isso, não pudesse viver. Eu respirava metáforas.

Você vive na cidade de Tiros, em Minas Gerais, e tem uma trajetória ligada à cultura e ao patrimônio. De que forma sua vivência em Minas influencia sua escrita e sua visão de mundo?

O mineiro é uma pessoa que troca uma palavra pela outra, como se fosse muito comum criar o avesso da palavra ao pronunciá-la. Trabalhei com o patrimônio Cultural 12 anos não sequentemente, e isso acentuou em mim o valor às raízes, as histórias, os causos, A cultura me incendeia na música, na literatura, nos casos de boteco. A cultura é o simples debaixo dos fatos que nos tocam de verdade, querendo que a gente aborde as escadas do passado ao presente que não nega o futuro incerto.

Seus livros abordam temas universais, como família, amor e saudade. Como tem sido a recepção do público? Algum retorno dos leitores te marcou de forma especial?

Tenho retornos muito felizes. Várias pessoas comentam que eu escrevi sobre elas, que eu as retratei. Um dia desses, um rapaz ouviu alguém me chamando em um bar, aí ele falou “desculpa você é a Neusa Azevedo. Não acredito que estou te vendo, te conhecendo. Eu li seus poemas na recepção do consultório da minha médica, como você consegue escrever daquele jeito?”. Outro dia um rapaz que acabou de conhecer meu livro saiu pelo coreto da praça da cidade de Tiros, mostrando o livro e falando de sua importância, segundo ele. Outras pessoas choram lendo determinados poemas. Fico muito feliz quando alguém lê meus poemas e se encontram conforme o tema.

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