“Ouro da Floresta”: estreia de Niara Su transforma a Amazônia em palco de redenção e denúncia ambiental

Luca Moreira
8 Min Read
Niara Su
Niara Su

Em seu romance de estreia, “Ouro da Floresta”, a escritora Niara Su mergulha nas profundezas da Amazônia para revelar o brilho ambíguo do ouro — símbolo de riqueza, destruição e esperança. Ambientada no médio Tapajós, a obra combina suspense, espiritualidade e crítica social, expondo o impacto humano e ambiental do garimpo ilegal que ameaça a floresta e suas comunidades.

A narrativa acompanha Jonas, um piloto carioca em crise que se envolve com uma rede criminosa e passa a enfrentar um doloroso confronto com a própria consciência — e com a floresta viva que o observa. Entre dramas humanos, vozes indígenas e sabedoria ancestral, a autora constrói uma história sobre redenção, fé e preservação da vida.

Assinando sob o pseudônimo de Susana Vanessa Oliveira, servidora pública e pós-graduada em Direito Tributário, Niara Su transforma o roteiro original que chegou às quartas de final do BlueCat Screenplay Competition 2024 em uma obra literária poderosa. “O verdadeiro ouro da Amazônia é o verde de sua biodiversidade — a cura dos males e a garantia da existência humana”, afirma a autora.

 “Ouro da Floresta” nasceu de um roteiro e se transformou em romance. Como foi esse processo de transpor a história do cinema para a literatura? O que a palavra escrita permitiu que a tela talvez não mostrasse?

Não foi um processo fácil, pois assumi o risco de uma escrita sem maior exposição dos pensamentos internos dos personagens, algo comum em muitas obras literárias. Optei por manter cenas impactantes para que o leitor, por si só, realizasse esse confronto e, quem sabe, desenvolvesse maior empatia pelas questões tratadas no livro — que nada mais são do que uma forma artística de denunciar aquilo que já vinha sendo alertado há muito tempo nos jornais.

O livro fala de ganância, culpa e redenção — temas muito humanos. Como foi emocionalmente para você acompanhar a jornada de Jonas, um personagem tão imperfeito e, ao mesmo tempo, tão real?

Foi gratificante conduzir Jonas por tais temas, pois eu precisava de um personagem que não fosse, à primeira vista, tido como mau. Simbolicamente, Jonas representa todos os que, desde a colonização até hoje, seguem acreditando que suas atitudes não são um problema, ainda que guiados por outras formas de ganância humana. O fato de não haver sangue em suas mãos não significa que suas ações não causem destruição à floresta e às vidas de outras pessoas.

A floresta é quase uma personagem viva na trama. De que forma você trabalhou essa presença simbólica e espiritual da Amazônia dentro da narrativa?

A floresta, assim como nós, é um ser vivo guiado pelo seu instinto de sobrevivência. Quando estamos em meio a uma luta e sentimos uma “energia/sintonia” de alguém em prol dessa luta, buscamos por essa pessoa. Se sentimos que o outro trabalha para nos destruir, lutamos contra ele, usando nossas armas. Foi assim que trabalhei a floresta, bem como os personagens Jonas e Rocha, no meio dessa luta de sobrevivência da floresta, que ora arregimenta um e ora ataca o outro.

Você vem da área do Direito. De que maneira essa formação — com seu olhar sobre leis, justiça e sociedade — influenciou a construção do livro e a denúncia social presente na história?

No direito, precisamos ter uma veia investigativa, pesquisando ao máximo para a devida construção dos argumentos necessários ao pleito de um direito. Usei dessa veia investigativa, além da minha natureza questionadora, para tentar compreender essa triste realidade em nossas florestas e dar vida a essa história.

A obra expõe a ferida aberta do garimpo ilegal e seus impactos sobre os povos da floresta. Como foi o processo de pesquisa e escuta dessas realidades? Houve algo que te marcou profundamente?

Queria impactar o leitor com a devida ambientação dessa denúncia social com imagens marcantes. Por isso, pesquisei ao máximo para trazer referências reais sobre o garimpo e as violências mais comuns nesse tipo de ambiente. O que mais me marcou foi uma matéria em um blog indigenista sobre casos de suicídio de mulheres indígenas, após sofrerem violência sexual de pistoleiros. Essa realidade me revoltou, e decidi retratá-la no livro com respeito e cuidado, sem gatilhos, para despertar a consciência do leitor sobre esse grave problema.

O pajé é um personagem de sabedoria ancestral, que guia o protagonista para um despertar espiritual. De onde veio a inspiração para essa figura? Há algo de pessoal nessa dimensão mística da história?

O Pajé encarna a pessoa com uma compreensão mais profunda da mente humana e acaba por guiar Jonas, Niara e sua comunidade. Creio que aquilo que chamamos de dom espiritual nada mais é do que o dom de lidar com as lutas que a nossa “mente emocional” trava com a “mente racional” e vice-versa. Quando criança, sonhava ser neurocientista e, provavelmente, o Pajé representa inconscientemente esse desejo de ser uma conhecedora da mente humana.

 “O verdadeiro ouro é o verde da floresta”, você escreve. O que você espera que o leitor leve consigo ao fechar o livro — uma reflexão, uma mudança de olhar, um chamado à ação?

Espero que as pessoas se sintam tocadas pela mensagem final do livro e vejam o sábio gesto de amor da Mãe Natureza, que enxerguei anos atrás ao ver o mapa das florestas tropicais ao redor do mundo e, assim, busquem manter vivo esse gesto de amor por meio de ações.

 “Ouro da Floresta” é sua estreia na literatura, mas já nasceu de um roteiro premiado. Olhando para o futuro, você se vê continuando nesse universo — talvez adaptando o livro para o cinema, ou explorando novas histórias com o mesmo olhar sensível sobre o Brasil profundo?

Meu roteiro não chegou a ser premiado, mas ter alcançado as quartas de final em um concurso nos EUA já em meu primeiro roteiro me mostrou que eu estava no caminho certo. Hoje prefiro escrever livros, pois não dependem de orçamentos vultuosos para dar vida a uma história. Se minhas obras forem adaptadas para o cinema no futuro, ficarei feliz. Não me vejo escrevendo só sobre o Brasil, sinto, na verdade, necessidade de falar sobre a mente humana, sobre essa luta que ela trava entre essa parte irracional e a parte racional, acredito que seja essa a origem de muitos dos problemas humanos, entre eles a ganância.

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