“O Canto do Amor Eterno” entrelaça romance, reencarnação e a história política do Brasil em novo livro de Proença

Luca Moreira
8 Min Read
Proença
Proença

No romance O Canto do Amor Eterno, o autor Proença narra a trajetória de um casal destinado a se reencontrar ao longo de diferentes vidas, tendo como pano de fundo mais de um século de transformações sociais, políticas e econômicas do Brasil e do mundo. Com passagens que vão da República Velha à polarização ideológica contemporânea, a obra mescla história, espiritualidade, crítica social e lirismo para contar uma história de amor marcada por tragédias, reencarnações e resistência.

Seu livro entrelaça história e espiritualidade ao acompanhar Elka e Paulo através de diferentes encarnações. Como surgiu a ideia de usar a reencarnação como fio condutor para abordar o impacto dos acontecimentos históricos na intimidade dos personagens?

O entrelaçamento entre história real, ficção e valores morais é a tônica do romance “O Canto do Amor Eterno”.  A espiritualidade é um componente importante e, talvez, a reencarnação seja a última esperança, dos protagonistas e do próprio País, em reencontrar o significado de existir. Novas vidas para Elka e Paulo são novas possibilidades de viver o amor verdadeiro. Nova vida para o Brasil é esperança de tornar-se um país liberto da corrupção, da miséria, da mentira e de todo tipo de tirania. Objetivos que, para muitas pessoas, são inatingíveis, mas, de fato, ainda existem aqueles que acreditam na existência do amor verdadeiro e na possibilidade de um Brasil digno.

A trajetória do casal é marcada por dor, vingança e reconexão. Em meio a tantas transformações sociais e políticas no Brasil e no mundo, o amor pode mesmo ser um refúgio — ou ele também é vítima desses contextos?

Emerson disse que o verdadeiro amor é uma prisão e explicou: prisão a valores eternos.  Por certo, estava se referindo àquele tipo de amor que transcende aos desejos da carne, que requer uma firme coragem, alma acima da dúvida e uma têmpera que não se dobra.  O amor verdadeiro, quando encontra esse tipo de gente, não é vítima das circunstâncias. Acontece o contrário, no entanto, com a maioria de nós que herdamos, de maus maridos e péssimas esposas, veias decadentes, entranhas sem energias e um ardor inconstante. Vivemos e queremos viver da superficialidade dos prazeres da vida. Metamorfoses ambulantes, disse o roqueiro. Aquele que comanda o leme, que se abriga do utilitarismo e do hedonismo, caminha para o Emersoniano porto que bem vale a viagem e cujas águas são encantadas.

A narrativa transita entre a República Velha e a atual polarização ideológica do país. Como você enxerga a influência dos ciclos políticos no comportamento afetivo e emocional das pessoas?

Creio que parte da pergunta já foi respondida, uma vez que o livro compartilha a ideia de que o verdadeiro amor é indestrutível, mas é evidente que o meio pode propiciar ambiente favorável ou pode causar dor e sofrimento. Na República Velha, era mais fácil identificar o mal: ele estava materializado em pessoas e crenças. Na atualidade, parece que o tinhoso está tendo êxito no seu perverso plano contra a nação brasileira (Pág. 162 do livro).

Elka se transforma em Isabel e Giulia, enquanto Paulo vive como Jô. Como foi o processo de construir essas personalidades múltiplas, mantendo a essência dos personagens mesmo em contextos tão distintos?

Já foi dito que o ato de escrever é uma compulsão e não um processo consciente. A história nasce na mente do autor e vai criando seus personagens, que são seres independentes da mente criativa. O grande problema é quando esses personagens se impõem e assumem o controle da narrativa. As reencarnações de Elka e Paulo foram exigências desses personagens.

Proença
Proença

O livro traz referências a Manoel de Barros e um universo ficcional dentro do próprio romance, como “O Narrador Caruara”. Que papel a poesia e o simbolismo desempenham na arquitetura da sua obra?

Manoel de Barros é tudo de bom que o jabuticabal produziu. Na minha singela homenagem, espero despertar, nos espíritos preparados, curiosidade pela sua obra extraordinária. O livro traz algumas histórias dentro da história, que oferecem ao leitor oportunidades de refletir sobre as principais alegorias nele contidas. “A Lenda das 700 luas” é a semente do amor verdadeiro plantada na alma de Elka. “Seu Pedro” revela a maldade sombria e perigosa que nos rondou no passado não muito distante. “Prenúncio do sino”, “O Dragão Vermelho” e “O Caso Rute” são fragmentos da nossa realidade atual e o vislumbre de um futuro terrificante, a depender das escolhas que fizermos individualmente e como nação. Parece que nós estamos abrindo mão das questões éticas e morais em troca do vazio, do nada. O relativismo moral já nos trouxe ao precipício do niilismo. Mais uma vez, os personagens da história se impuseram,  exigindo que essas questões importantes, mas heterogênicas, fossem tratadas por parábolas e pela genialidade de Manoel de Barros. Obedeci.

Você utiliza diferentes formatos narrativos, como diários e reflexões filosóficas. O que motivou essa escolha e como isso contribui para a experiência do leitor?

É um livro de múltiplas camadas. Os detalhes e a narrativa complexa podem ser apreciados de maneiras diferentes a cada leitura. Alguns livros: “Crime e Castigo”, “Ulisses”, “Stella Maris” e muitos e muitos outros serão subaproveitados se lido apenas uma vez.

Ao tratar temas como trauma, vingança e empatia, sua obra aponta caminhos de cura dentro de um mundo fragmentado. Que mensagem você espera deixar ao leitor que percorre essas páginas intensas?

A mensagem está na advertência contida logo no início do livro que foi escrita para Ana e serve para todos os leitores: “Leia devagar, concentrada, mas com a janela das possibilidades aberta. Leia como se lê Milton, ou, melhor ainda, leia igual sua avó Joaninha lia Emerson.” (Pág. 4 do livro)

Se pudesse resumir O canto do amor eterno em uma única frase que atravessasse o tempo e as reencarnações, qual seria?

A vida sem amor e sem significado não é diferente do que faz o Dichotomius Schiffleri rolando o seu precioso tesouro.

TAGGED:
Share this Article

Você não pode copiar conteúdo desta página