Em “Os Canibais da Rua do Arvoredo”, Tailor Diniz nos transporta para uma Porto Alegre de 1863, onde José Ramos, Catarina Palse e Claudio Claussner protagonizam uma das histórias mais macabras da cidade: a transformação de corpos humanos em linguiças vendidas ao público. Inspirando-se em eventos que chocaram até Charles Darwin, a narrativa salta para os dias atuais, envolvendo um casal de estudantes enredado em uma trama de luxúria, terror e possíveis atos canibais, sob a vigilância de um misterioso observador onipresente.
Com um cenário composto por um porão ancestral, entre facas e esqueletos, e guiados pelos espíritos vingativos dos assassinos do passado, os jovens José e Catarina são os protagonistas desta intrigante história que mistura lenda urbana com elementos contemporâneos. O observador, membro de uma organização com planos de dominação global, questiona a realidade dos fatos e a confiabilidade dos próprios narradores.
A obra, que será adaptada para o cinema, promete um enredo repleto de reviravoltas, onde o horror ancestral se encontra com o desejo arrebatador, em uma Porto Alegre onde o passado nunca realmente morre. “Os Canibais da Rua do Arvoredo” é um convite para desvendar os segredos de uma história que transcende o tempo, publicado pelo selo Lucens da Citadel Grupo Editorial.
O que o inspirou a criar uma história baseada em um boato histórico tão peculiar e controverso como o dos canibais da Rua do Arvoredo?
O livro nasceu como um argumento de filme, cujos direitos foram adquiridos pela Paris Filmes. Depois eu fiz o primeiro tratamento de roteiro, que serviu de base para o enredo. Eu recebi uma proposta de escrever um roteiro baseado em algum caso real que eu conhecesse, observando essa tendência atual de true crime no audiovisual, mas a história dos canibais, tal qual reza a lenda, já foi abordada à exaustão.
A ideia, então, foi trazer esse caso escabroso, que se passou há um século e meio, para ver como seria tratado em um mundo totalmente diferente e, pelo menos em tese, mais evoluído e civilizado.
Como você vê a relevância dessa história no contexto atual? Existem paralelos que podem ser traçados com eventos ou questões contemporâneas?
Os humanos não mudaram muito um século e meio depois. Vemos crimes absurdos diariamente nos noticiários. A relevância de abordar o caso hoje talvez esteja na forma como se relacionaria e nas possibilidades de tratá-lo a partir das modernas ferramentas que se tem para noticiar e explorar um caso assim. Por exemplo, na história tem uma influenciadora famosa que durante uma live prova um dos produtos feitos de carne humana, gosta tanto do sabor que recomenda a seus seguidores. Em menos de 24h a demanda por “matéria prima” cresce vertiginosamente.
Como você desenvolveu os personagens principais, José e Catarina, para refletir tanto os aspectos históricos quanto os temas contemporâneos que aborda na trama?
Não fiz pesquisas, o livro é uma releitura, uma adaptação livre da primeira história para o tempo presente. Não trabalhei com o compromisso de ser fiel aos fatos ou à personalidade dos personagens verdadeiros. Havia apenas um ponto de partida, com base no original. Então, foi tudo muito tranquilo, desenvolvi os personagens da mesma forma que fiz em meus livros anteriores, a partir de uma linha de personalidade previamente proposta para cada um.
No livro, você utiliza a sátira para compor a história, além uma voz narrativa peculiar. Qual foi a sua intenção ao escolher esse estilo e como ele contribui para transmitir a mensagem da história?
A escolha foi eminentemente técnica, para facilitar a posição de terceira pessoa. Me sinto mais à vontade narrando na primeira pessoa, mas nesse caso achei impossível. Tenho uma certa bronca com narradores oniscientes. A forma que encontrei para usar um onisciente com suas características intrínsecas, sem me preocupar, foi essa. Criei um narrador que sabe tudo da vida dos personagens, dos pensamentos, do passado, do presente, mas com uma explicação clara para todo esse conhecimento irrestrito. A sátira tem o mesmo objetivo. Deixar uma dúvida na cabeça do leitor, se aquela história aconteceu mesmo ou não, se é verdadeira ou uma invenção daquele narrador inconfiável. Criar uma história sem essas características, como se eu quisesse vender algo verdadeiro ao leitor, me pareceu que soaria como um embuste, ficaria inverossímil.
Além do aspecto sensacionalista do canibalismo, quais são os temas mais profundos que você deseja explorar neste livro?
Alguns temas atuais são abordados, que podem ser bem explorados. A prepotência, o assédio sexual, a distorção de fatos para fins políticos, o negacionismo científico, tudo isso está no enredo. O narrador, por exemplo, se apresenta como um ser do mal, integrante de uma entidade maligna, cujo objetivo é manipular mentes, de forma a transformar cidadãos de bem em seres do mal — globalistas e comunistas. Como ele faz isso, ou pelo menos diz que faz? Essa organização à qual pertence introduziu no corpo dos brasileiros, via vacina anti-covid, um chip que envia sinais a um super computador, de modo que essas pessoas chipadas possam ser controladas e manipuladas por eles. Assim ele sabe da vida de todos e usa essas informações para construir o enredo. Fica a critério do leitor acreditar ou se só vai se divertir. Li n’O Globo que uma pesquisa recente mostrou que 11% dos brasileiros acreditam que a vacina anti-covid continha um chip espião. Onze por cento de duzentos milhões é assustador. Na ficção, o escritor teria que se virar do avesso para ser verossímil. Na vida real, não. Está aí a pesquisa para provar.
Como você espera que os leitores recebam essa obra, especialmente considerando seu caráter provocador e suas referências históricas?
Espero que a entendam como ela é: uma sátira, uma adaptação livre, sem o compromisso de ser fiel à história original, sem uma posição definitiva sobre o caso, se realmente os personagens reais cometeram ou não o crime de canibalismo. Que assassinaram várias pessoas é fato, existem documentos púbicos sobre o processo movido contra eles, que foram julgado e condenados. A dúvida é se realmente fizeram linguiças da carne de suas vítimas, mas nessa discussão eu não entro.
Você pode compartilhar algo sobre seus projetos futuros, tanto na literatura quanto no cinema?
Meu próximo projeto é viabilizar a publicação de outro romance, que já está pronto e também deverá ser adaptado, que seguiu mais ou menos o mesmo caminho de Os canibais da Rua do Arvoredo. Nasceu como roteiro e já é livro. O filme ainda vai demorar para ser levado adiante, pois a prioridade no momento é “Os canibais”. Esse livro trata de um tema muito conhecido atualmente, que volta meia vira manchete na imprensa. Trata de uma máfia de aliciadores de jogadores de futebol, que manipula resultados para favorecer apostadores em casas de apostas digitais, as chamadas Bet. Sobre isso, há até uma CPI aprovada no Congresso Nacional, a ser instalada neste ano.
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