Mirna Brasil Portella organiza “Sutilezas do Patriarcado” e lança coletânea de contos sobre violência de gênero

Mirna Brasil Portella
Mirna Brasil Portella

No dia 17 de setembro, a Janela Livraria do Shopping da Gávea, no Rio de Janeiro, receberá o lançamento de “Sutilezas do Patriarcado”, uma coletânea de contos organizados por Mirna Brasil Portella. O livro, que explora os abusos naturalizados no cotidiano das mulheres no Brasil, reúne autoras de diversas idades e regiões. Com 224 páginas que abordam temas como violência psicológica, moral e obstétrica, a obra visa provocar uma reflexão profunda sobre a persistência do patriarcado em diferentes aspectos da vida cotidiana. A capa da coletânea, criada pela artista Panmela Castro, simboliza a sororidade, enquanto 5% das vendas serão revertidos para apoiar mulheres vítimas de violência de gênero.

Como surgiu a ideia para a coletânea Sutilezas do Patriarcado e qual foi a motivação para abordar o tema dos abusos naturalizados no cotidiano das mulheres?

A ideia do livro surgiu em 2020, em plena pandemia. Uma grande amiga sofreu uma violência de gênero muito séria. Ao recorrer à Lei Maria da Penha para obter medida protetiva contra o agressor, que era seu companheiro, recebeu um questionário com várias perguntas sobre situações e comportamentos configurados como agressão do homem contra a mulher. Ela tinha vivenciado quase tudo, violências que nunca havia identificado. Me disse uma vez, numa conversa, que o questionário a fez perceber que já vivia uma relação abusiva há muitos anos, que aquela agressão extrema havia sido a última de uma vida inteira de abuso. Isso me fez refletir sobre como nós mulheres vivemos infinitas violências de gênero, sem nos darmos conta. Porque essas práticas abusivas são naturalizadas pela sociedade. Ter consciência disso, talvez ajude muitas mulheres a tomarem providências antes que seja tarde.

Você pode compartilhar um pouco sobre o processo de seleção dos contos e autoras que participaram da coletânea? Como foi a escolha dos textos e das participantes?

Primeiro eu pensei nas autoras. Desde o início eu quis uma coletânea plural, escrita por mulheres de diferentes regiões do Brasil e com experiências de mundo e idades diversas. Algumas são roteiristas, estreantes no conto. É interessante que uma coletânea traga autoras novas, traga frescor. Há autoras já bem consolidadas, publicadas e premiadas. Sobre os contos, todas ficaram bem livres para escrever, cada qual a sua maneira. O único critério em relação aos textos foi que eles não tivessem violência física, estupro e assassinato.

Quais foram os principais desafios encontrados na organização desta coletânea e como você os superou?

Conversar com 26 mulheres ao mesmo tempo foi um grande desafio. Cada uma com as suas questões, as suas dúvidas, os seus próprios desafios. Mas foi um bonito processo. Me senti muito próxima a todas elas. Foi um exercício de escuta e compartilhamento de questões comuns a todas nós. Um sentimento de irmandade. As indígenas, por exemplo, trouxeram a questão do estupro em seus textos. E foi muito difícil dizer “não pode”, porque elas estão marcadas por essa violência, pelo estupro colonial. Então tivemos muitas conversas para chegar ao entendimento de que a ideia do livro é falar das violências que vêm antes do tapa, antes do estupro. O livro é um chamado de alerta.

Mirna Brasil Portella
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De que maneira você acredita que os contos presentes em Sutilezas do Patriarcado podem contribuir para a conscientização e a transformação das percepções sobre o patriarcado?

Eu acho que a grande pegada da coletânea é mostrar para todas nós mulheres e também para os homens que a violência de gênero possui muitas camadas e está presente em todas as relações, em maior ou menor grau, mesmo quando não há violência física. Pesquisando sobre o tema, descobri que grande parte das mulheres que vive em relacionamentos abusivos, tem dificuldade de perceber as violências sofridas no dia a dia, sobretudo quando não há agressão física. Sentir-se obrigada a ter relações com o parceiro sem estar com vontade, por exemplo, é uma prática comum entre as mulheres casadas. Isso é extremamente violento. E há inúmeras situações de abuso contra as mulheres naturalizados na sociedade, não apenas dentro de casa. Há violência nas relações de trabalho, violência jurídica, obstétrica. Se elas são sutis ou não, é a pergunta que cada leitora e cada leitor deve se fazer. O título é por si só uma provocação.

Como a diversidade de idades e origens das autoras influencia a narrativa e a abordagem dos temas no livro?

O Brasil se constituiu a partir de um estupro, o estupro colonial dos povos originários e dos negros trazidos como escravos da África. Essas violências fazem parte da gênese do nosso país. Foi como o patriarcado se apropriou da terra, do corpo das mulheres, do trabalho alheio, da cultura de outros povos. Como um livro que pretende falar e refletir sobre os desdobramentos e as nuances dessa construção perversa, é imprescindível que ele traga o maior número de vozes possível, de lugares sociais distintos. Todas e todos estamos implicadas nessa lógica, muito embora o machismo possa ganhar requintes de crueldade e operar em maior ou menor grau a depender da etnia, da identidade de gênero, da classe social e da região. Convidar autoras de idades diversas foi uma forma de mostrar que essa estrutura atravessa gerações e que ainda estamos muito longe de resolver a questão.

Você mencionou que 5% das vendas serão revertidos para a Coletiva Promotoras Legais Populares do Rio de Janeiro. Poderia falar um pouco mais sobre a importância dessa parceria e como ela se alinha com o propósito do livro?

Desde o início, a editora Rebuliço e eu pensamos numa contrapartida social. A ideia não é ganhar dinheiro com o livro, a ideia do livro é de coletivo mesmo, uma união feminina em torno de uma assunto comum a todas as mulheres. O livro é uma ação cultural-artística-literária solidária e com responsabilidade social. A Coletiva Promotoras Legais Populares do Rio de Janeiro tem como finalidade o acolhimento, a conscientização e a formação de mulheres ligadas ao movimento feminista e profissionais da rede de atendimento à mulheres vítimas de violência de gênero.

Mirna Brasil Portella
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Como foi a colaboração com a artista Panmela Castro na criação da capa do livro, e de que maneira a obra “Irmãs Siamesas” reflete o tema e a mensagem de Sutilezas do Patriarcado?

A capa é uma obra de 2012, da artista Panmela Castro. A panmela foi extremamente empática ao projeto. Como uma artista militante, que se dedica a combater por meio da arte a violência de gênero, ela abraçou a ideia e veio junto.  A obra “Irmãs Siamesas”, que traz duas mulheres ligadas pelos cabelos, remete à sororidade. Nesse sentido, eu diria que a obra de arte da Panmela Castro é o fio condutor da coletânea.

Qual é a mensagem principal que você espera que os leitores levem após ler Sutilezas do Patriarcado, e como você vê o impacto dessa obra na luta contra a violência de gênero e o patriarcado?

A finalidade do livro é alertar sobre os “pequenos assassinatos”, tudo o que vem antes do tapa, antes do golpe final. Alertar as mulheres para que tenham consciência de que não, não é assim mesmo, quando percebem que há algo errado nas relações. Alertar os homens sobre as práticas que machucam suas companheiras, mães, filhas, amigas, para que reflitam e mudem comportamentos abusivos. Alertar para que mulheres e homens entendam que não é normal que um parceiro queira controlar a vida da parceira, os seus passos, suas roupas, suas escolhas. Não é normal que só a mãe falte o trabalho para ir à reunião da escola ou ao pediatra com o filho. Não é normal que precisemos de uma lei que autorize a mulher a entrar acompanhada de alguém para fazer um exame médico com sedação, porque corre o risco de ser estuprada. Não é normal que uma jornalista mulher seja agredida por um técnico de futebol ao fazer uma pergunta corriqueira numa coletiva. Não é normal que os homens grisalhos sejam considerados lindos homens maduros e as mulheres grisalhas, velhas desleixadas. Tudo isso faz parte de uma engrenagem extremamente perversa.

  • O livro Sutilezas do Patriarcado (ed. Rebuliço, 2024), organizado por Mirna Brasil Portella, que assina o conto “Prato Principal”, terá lançamento no dia 17/09, às 19h, na Janela Livraria do Shoppinda da Gavéa/Cine Estação Net Gávea, no Rio de Janeiro, e já tem previsão de lançamento em São Paulo, Portugal e Espanha.
  • Mirna Brasil Portella acumula 12 títulos para o público infantojuvenil e participa de algumas antologias, entre elas Vou te contar: 20 histórias ao som de Tom Jobim (Rocco); e Manual literário para amar os homens (Átame). A autora já teve obras no Catálogo FNLIJ/Bologna Children’s Book Fair. Seu livro Do Mar, narrativa
  • feminista para jovens leitores, foi contemplado com o selo Altamente Recomendável FNLIJ. Em 2018, ganhou o segundo lugar no Prêmio Biblioteca Nacional, na categoria Infantojuvenil, com o livro Porco de casa cachorro é (Escrita Fina).

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