Inspirado pela ausência de informações sobre a vida de seu avô materno, Maurício Rosa lança Na Proa do Trovão, uma obra que mistura poesia e imaginação para traçar um retrato sensível e inventivo. Publicado pela editora Laranja Original, o livro reconstrói momentos marcantes da vida de Armando, um homem negro e de origem humilde, explorando as relações familiares e afetivas com lirismo e profundidade. A obra também conta com apresentações de autoras premiadas e reafirma o talento do poeta como uma voz singular na literatura contemporânea.
Você decidiu contar a história do seu avô, Armando, através da poesia, mesmo sem conhecê-lo pessoalmente. Como foi o processo de reconstruir a vida dele a partir de fragmentos de relatos e da sua própria imaginação?
Foi uma boa aventura! Tive total liberdade criativa para inventar, reimaginar e recriar fatos reais imprecisos, preenchendo as lacunas com poesia, mas também respeitando integralmente a memória da minha família. Sem dúvida, equilibrando esses pratos, saí da escrita desse livro um escritor muito melhor.
Em “Fascinação”, você faz um contraste entre o nascimento humilde de Armando e a visita de um rei à cidade. Por que esse paralelo foi importante para você, e como ele reflete o tema central do livro?
Ótima pergunta! A intenção era comparar grandezas e o lugar do povo na história brasileira. A visita diplomática está registrada oficialmente, devidamente documentada. Mas, pessoalmente, o nascimento do meu avô é muito mais importante. Quem resgataria esse contraste social? Quem colocaria o pobre na cena política daquele período? Trazer o nascimento do meu avô, para além do aspecto afetivo que trabalhado nesse poema, é um lembrete sobre o fato de que, às margens da “história oficial”, outras histórias tão significativas quanto estão acontecendo, e elas também são importantes para narrar o país.
Os poemas sobre os relacionamentos amorosos de Armando trazem tanto ternura quanto momentos sombrios. Como você navegou entre essas emoções opostas para criar uma narrativa autêntica sobre o amor?
Outra pergunta maravilhosa. Acredito que a trajetória amorosa também tem contrastes e que, eventualmente, olhar para o amor pode ser como observar um prisma, procurando o ângulo que melhor refletirá a luz. Dessas várias faces os amores são feitos. Mas a verdade é que queria construir amores falhos para chegar em um lugar de completude quando o meu avô enfim encontra a minha avó. Depois, há crises, claro, o prisma racha. Mas o amor estará resguardado até o fim. Terno e sombrio.
Você dedica boa parte do livro ao casamento de Armando e à vida familiar. Como você enxerga o papel das relações familiares na construção da identidade, tanto dele quanto da sua própria?
Aquela família que ele começou a criar repercute nas práticas e nos nossos costumes até hoje. A família forja as nossas tradições e os nossos valores. Tenho certeza que formar e ser o núcleo dos Rosa fez do meu avô o homem com os valores relatados pelos meus parentes. É desse “pai de família” que eu retiro 90% da construção do homem que está presente no livro.
Na seção “Tangará”, você aborda os vizinhos e amigos como uma extensão da família. O que te levou a incluir esses personagens, e como eles complementam a jornada do seu avô?
Vivendo em uma comunidade pequena, os vizinhos são, de alguma forma, parte da família: batizam uns os filhos dos outros, tornam-se padrinhos e madrinhas de casamento, casam-se. Me interessa quando os limites são testados e a amizade entre os vizinhos entra numa zona de perigo e conflito. Gostaria de explorar ainda mais esse aspecto. Acho que essa paisagem humana enriquece qualquer história.
No poema “O Retrato”, você descreve Armando como um “herói comum de pouca odisseia”. Como você acha que histórias de pessoas como ele contribuem para enriquecer a nossa compreensão da história e da sociedade?
Contar a história do meu avô (e de demais personagens cujas histórias não foram contadas) é importante porque apontam outras perspectivas, digo até perspectivas mais justas sobre o Brasil. É notório que a História foi contada pela ótica dos privilegiados. Por essa razão, é mais do que urgente resgatar a voz do povo e desmitificar heroísmos manipulados.
Você mencionou a limitação de fatos concretos sobre Armando. Como a linguagem poética te ajudou a lidar com essas lacunas e a construir uma narrativa que ainda assim se sente completa?
A literatura e a linguagem não podem tudo, mas existem coisas que apenas elas conseguem realizar. Foi amparado nisso que segui na empreitada de escrever a vida do meu avô. Nada conseguiria me fazer dar um abraço nele — no limite da metáfora: niná-lo recém-nascido — se não fosse a poesia. Todo esse projeto foi pautado na força da literatura e nos caminhos que só ela pode apontar.
O livro conta com apresentações de autoras renomadas, como Lilia Guerra e Lilian Sais. Como essas colaborações acrescentaram à obra, e o que você espera que os leitores sintam ao mergulhar nessa biografia poética?
A Lilia Guerra e a Lilian Sais contribuíram com textos que ampliaram a experiência do leitor com o livro. A participação delas, bem como da Márcia Pereira, ajudam o leitor a enveredar por caminhos que os olhos sensíveis delas seguiram. Espero que os leitores também mergulhem nesses textos e, a partir desse conjunto de vozes unidas aos poemas, tenham a experiência mais completa possível com esse livro que muito me orgulha e faz feliz.
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