Maurício Melo Júnior lança Sete Solidões, contos que revelam a Brasília invisível e universal

Luca Moreira
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Maurício Melo Júnior (Nelson Fleury)
Maurício Melo Júnior (Nelson Fleury)

Longe dos corredores do poder, Brasília também se constrói nos silêncios, esquinas e dramas cotidianos. É nesse cenário que o escritor, jornalista e documentarista Maurício Melo Júnior ambienta Sete Solidões, coletânea de contos que expõe personagens em busca de liberdade, afeto e sentido, atravessados por tragédias íntimas que, embora ficcionais, refletem realidades palpáveis. Com densidade psicológica e crítica social, a obra reposiciona a capital no imaginário literário e transforma o ordinário em arte.

“Sete Solidões” retrata uma Brasília longe dos palácios e mais próxima das esquinas e silêncios. O que motivou essa escolha por focar na cidade cotidiana e íntima, em vez da Brasília política que todos conhecem?

Optei por fugir do lugar comum. A Brasília que se mostra na TV é real, claro, mas não é a única. Longe da Esplanada dos Ministérios existe uma cidade com vida própria, uma cidade que me encanta. Mas vale ressaltar que meus personagens, alguns, transitam nas rodas do poder, ou melhor, na periferia do poder. E aí vem o fundamento de sua psicologia, caminhar de braços com o poder sem ter as ferramentas necessárias para exercê-lo.

Cada novela do livro apresenta um tipo diferente de solidão. Para você, qual dessas histórias mais te atravessa pessoalmente — e por quê?

A verdade é que, embora todas as histórias tenham meu DNA, afinal fui eu quem as escreveu, nenhuma diz pessoalmente de mim. São solidões inventadas a partir da observação do cotidiano frenético de Brasília. E aí renasce a cidade, normalmente fervilhante, mas depositando sementes de solidão em seus habitantes. E a solidão em Brasília tem uma particularidade: as pessoas podem se recolher ao individualismo por opção própria e sem despertar a curiosidade ou a estranheza do vizinho.

A obra aborda temas como envelhecimento, memória, sexualidade, frustrações e reconexões. Como foi equilibrar a densidade emocional dessas narrativas com a elegância e sutileza da linguagem?

São as possibilidades da literatura. Aprendi, como leitor, que todos os assuntos e temas cabem numa obra de ficção, e por mais duro que eles sejam, devem ser tratados com verdade, o que lhe dá leveza e, em certo ponto, até poesia. Penso nos contos de Poe, onde pessoas são trucidadas, gatos são emparedados, mas tudo contado com tantos mistérios e certezas que nos sensibiliza. Como escritor busco tocar na sensibilidade alheia.

O conto “Peste”, ambientado durante a pandemia, traz uma tentativa de reconexão entre irmãos. Que aprendizados ou reflexões esse período trouxe para sua escrita?

Foi um tempo de impactos. Estávamos isolados e, consequentemente, quase que obrigados a refletir sobre aquele instante. As perdas eram imensas. Perdi amigos, claro, mas também ídolos, como Aldir Blanc e Sérgio Sant’Anna. Isso me deu a dimensão da finitude e a necessidade de plantar legados. Então resolvi contar sobre esse tempo tão inusitado e triste. No texto que escrevi, busquei outra possibilidade daquele momento, a reconexão entre pessoas que se amam. Aprendi que pode haver esperança mesmo diante do abismo. Meus personagens redescobrem a ternura no meio do caos.

Em “Pacto”, uma senhora descobre a liberdade sexual da cunhada através de um diário. Que reflexões você buscou provocar ao explorar esse contraste entre repressão e liberdade feminina?

Procurei refletir sobre o pragmatismo que se formou no mundo sobretudo a partir dos anos 1990, quando se passa a novela. Ali se viveu um momento de transição de valores onde o sucesso, conquistado não importa de que forma, justifica as ações. Foi um tempo de romper tabus e criar novos paradigmas. Também há a questão do prazer. Há um pouco de hedonismo nas duas personagens, que escolhem o prazer como forma de se fazerem felizes. E a felicidade, acredito, é a base de todas as liberdades.

Você mencionou o desejo de reposicionar Brasília no imaginário literário. Que Brasília você acredita que ainda falta ser contada na literatura brasileira?

Como toda cidade, Brasília é um ser complexo. E essa complexidade se manifesta de incontáveis maneiras. Fala-se muito do rock de Brasília, mas aqui há uma profunda manifestação de outros ritmos, como as baladas ditas sertanejas, o choro e o forró. Fala-se de uma cidade politicamente pacífica, mas os movimentos estudantil e sindical. definiram os rumos institucionais da cidade. Tudo isso pode gerar boa literatura. Almeida Fischer escreveu um romance de cunho científico sobre um transplante de cérebro – O Rosto Perdido – ambientado em Brasília, isso na década de 1960, e nossa arquitetura ainda futurista pode gestar canções utópicas. João Almino explorou o intenso misticismo que cerca a cidade, mas aí ainda tem pano para muita manga. São temas, enfim, que estão à disposição dos ficcionistas, como a epopeia da construção da cidade que ainda não mereceu uma ficção a altura do imenso feito.

Como jornalista e apresentador de um programa sobre literatura, você está sempre em contato com novas narrativas. Como esse convívio constante com autores e livros influencia (ou desafia) a sua própria escrita?

Costumo brincar que sou influenciado por tudo que leio, até bula de medicamento. E como preciso ler permanentemente – o que muito me agrada –, vivo tirando lições deste exercício. Até para seguir outros caminhos. Gosto de caminhar na contramão, enfim. Atualmente a literatura nacional está muito voltada às questões identitárias. Como pouco tenho a falar sobre o assunto, então me volto para outros temas também inquietantes – como o diálogo entre a história e o presente –, isso certamente se reflete em minha escrita. São meus desafios de hoje, mas amanhã eles podem ser outros.

Ao escrever “Sete Solidões”, o que você descobriu sobre a solidão — seja a dos seus personagens, seja a sua como escritor diante da página em branco?

Nunca tive problema diante da página em branco. Minha aprendizagem como escritor foi o jornalismo, onde não temos o privilégio de paralisar diante da página, ou da tela. Já a solidão, essa sim, é uma excelente companheira para quem escreve. E com ela descobri o fundamental da reflexão. Refletir sobre o tempo em que vivo foi fundamental para me tornar escritor.

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