Afetadas pela Distrofia Muscular Congênita (CMD), Kelly Berger e Avery Roberts estão se unindo para quebrar estigmas e dar visibilidade à comunidade de doenças raras. Ambas dependem de cadeiras de rodas motorizadas devido à condição, mas não deixam que isso limite suas vidas. Em uma jornada para combater a falta de acessibilidade e exclusão, as duas se dedicam ao apoio de outros jovens adultos com doenças neuromusculares raras, realizando webinars quinzenais e defendendo a causa no Capitólio. Com uma missão clara, elas buscam inspirar e empoderar aqueles que enfrentam condições semelhantes, demonstrando que, apesar dos desafios, suas vozes e presença no mundo são essenciais.
Vocês vivem com Distrofia Muscular Congênita e, mesmo diante de tantos desafios físicos e sociais, não deixaram que isso definisse os limites de vocês. Como transformam o olhar de surpresa das pessoas nas ruas em uma ferramenta de visibilidade e conscientização?
Kelly: “Gosto de mostrar às pessoas quando estou em público — em vez de sempre falar ou explicar, mostrar pode ser uma forma poderosa de causar impacto. Estar em espaços públicos, navegando o mundo na minha cadeira de rodas enfrentando todos os obstáculos, ajuda as pessoas a enxergarem as dificuldades — ou a resiliência — que encaro só para me locomover em um mundo que não foi feito para pessoas com deficiência física.”
Avery: “Quando fica evidente que alguém não sabe como agir e se surpreende ao ver pessoas como a Kelly e eu vivendo vidas tão ativas e plenas, muitas vezes usamos esses momentos como oportunidade de educação. As pessoas costumam associar deficiência a isolamento ou piedade, só para citar alguns exemplos. Mas se você está curioso sobre como é viver como a Kelly e eu vivemos, o que nossas cadeiras fazem, preferimos que você pergunte e se conecte de forma genuína, em vez de continuar vivendo em um mundo onde a deficiência não é normalizada.”

Ao circularem – ou melhor, rodarem – por Nova York com suas cadeiras motorizadas, vocês chamaram atenção e quebraram padrões. Que tipo de impacto acreditam que essa simples, mas poderosa, presença em espaços públicos causa nas pessoas ao redor?
Kelly: “As pessoas ficam surpresas, ou até chocadas. Ver uma pessoa em cadeira de rodas — ou pior (risos), duas ao mesmo tempo — é como avistar um unicórnio ou um panda. Simplesmente não é algo que se vê todos os dias. Então, no meio de todos aqueles olhos arregalados ou bocas abertas, nosso desejo é que ver cadeiras de rodas se torne algo normal, parte do cotidiano da sociedade. Espero que deixemos as pessoas com a sensação de que é possível fazer qualquer coisa, independentemente de suas limitações.”
Avery: “Isso quebra uma das muitas suposições que existem sobre a comunidade com deficiência — a de que não temos vidas ativas e completas. Nosso impacto mostra que a deficiência e suas diferenças não definem quem você é; é você quem decide como vai se definir diante disso.”

Mesmo com as limitações de mobilidade impostas pela CMD, suas vidas são marcadas por movimento, ação e engajamento. Como encontram formas de manter uma rotina ativa e social mesmo em ambientes muitas vezes não preparados para a acessibilidade?
Kelly: “É um desafio enormeee. Gosto de ir a shows ao vivo e festivais, então passo muito tempo pesquisando locais de eventos, ingressos com assentos acessíveis, acomodações no local, estacionamento acessível e até aplicativos de previsão do tempo para saber se vale a pena correr o risco de sair com a minha cadeira motorizada em clima muito quente, frio ou instável. São muitas coisas que a maioria das pessoas nem precisa considerar. É muito mais trabalho, mas não deixo que isso me impeça de viver algo que amo profundamente. Leva mais tempo para chegar ao resultado final, mas isso faz com que eu valorize ainda mais cada momento.”
Avery: “Reforçando o que a Kelly disse, há uma camada a mais envolvida em fazer algo tão simples quanto resolver uma tarefa rápida, algo que as pessoas costumam dar por garantido. Muitas vezes preciso verificar o Google Street View para garantir que o lugar é realmente acessível e atende às minhas necessidades. Cada pessoa entende ‘acessibilidade’ de forma diferente, especialmente quando se trata de quem usa cadeira manual versus motorizada. As cadeiras motorizadas são muito mais pesadas, maiores e exigem acessibilidade em um grau bem maior. Às vezes há rampas para entrar em um lugar, mas não tem elevador lá dentro. Todos os dias, vemos a sociedade se contentando com o mínimo.
Sou bailarina em Nova York, então representação autêntica de pessoas com deficiência na indústria do entretenimento é algo que defendo e busco diariamente — tanto no palco e nas câmeras quanto nos bastidores. Precisamos urgentemente falar sobre como tornar o ambiente de trabalho na indústria menos desumanizador. Como tornar camarins e trailers acessíveis? Como garantir que locais de audições sejam acessíveis? E os banheiros e salas de ensaio? A comunidade com deficiência tem capacidade, talento e merece ter suas histórias contadas. Fui a primeira usuária de cadeira de rodas a dançar no palco do Radio City Music Hall e, separadamente, uma das primeiras a dançar em uma produção televisionada ao vivo nacionalmente — eu não deveria ter sido ‘a primeira’, mas sei com certeza que não serei a última.”

A atuação de vocês junto à Cure CMD mostra o quanto se importam com a comunidade de doenças raras, oferecendo apoio genuíno. O que mais inspira vocês ao conversar com outras pessoas que vivem com a mesma condição?
Kelly: “É maravilhoso formar relações significativas que se transformam em amizades duradouras com pessoas tão parecidas comigo. É como encontrar um amigo ou parente perdido há muito tempo. Existe esse vínculo profundo e instantâneo que me traz tanta alegria. Eu realmente fico empolgada, talvez até assuste um pouco as pessoas com meu entusiasmo, mas essas conexões são o que mais desejo.”
Avery: “A ‘odisseia diagnóstica’, como chamamos na comunidade de doenças raras, costuma ser marcada por incertezas, ansiedade e desânimo. É algo muito desgastante — fisicamente, emocionalmente, mentalmente e financeiramente. Por isso, poder se conectar com alguém em outro nível, alguém que compartilha experiências e pode dizer ‘vai ficar tudo bem’, é algo incrivelmente significativo — tanto para nós quanto para quem acabou de receber o diagnóstico. Encontrar essas respostas e conectar-se com outras pessoas na mesma jornada é algo que valorizamos demais. E poder oferecer esse apoio, conhecimento e acolhimento que tanto queríamos ter tido no início, é algo pelo qual somos profundamente gratas. Essa condição nos levou às melhores amizades da vida — e faríamos tudo umas pelas outras, nos bons e maus momentos.”

Na condução dos webinars educativos, vocês não apenas informam, mas compartilham vivências reais e afetuosas. Como escolhem os temas que realmente vão tocar quem está do outro lado da tela?
Kelly: “Adoramos abordar temas que muitas vezes são ignorados ou pouco discutidos. Nos esforçamos para não repetir o que já está por aí — preferimos ser criativas e realmente atender às necessidades específicas da nossa comunidade com CMD. Focar em temas que realmente ressoam com nosso público e nos momentos de ‘queria que falassem mais sobre isso’ é o que nos motiva a buscar essas abordagens únicas, recursos e canais que possam ajudar nossa comunidade.”
Avery: “Tentamos trazer à tona assuntos que geralmente são ignorados, mas que estão constantemente na mente de quem vive com CMD — e, na verdade, com qualquer doença neuromuscular ou deficiência física. Como membros da comunidade, uma de nossas maiores prioridades é trazer palestrantes com vivências reais, que possam compartilhar seu conhecimento único com o mundo, além de dar espaço para que outros membros da comunidade também contribuam com suas percepções. Como Kelly e eu temos um tipo ultra-raro de CMD, o Colágeno VI, conseguimos trazer esse olhar específico para os webinars, ao mesmo tempo em que nos adaptamos aos diversos interesses e perspectivas das pessoas da comunidade, garantindo que abordemos tudo o que elas estão buscando.”

Vocês mencionaram a importância de trazer à tona conversas que muitas vezes ficam silenciadas. Quais assuntos acreditam que ainda precisam ser urgentemente discutidos dentro da comunidade de pessoas com deficiência?
Kelly: “Estamos vivendo um momento de mudanças intensas no mundo, especialmente com algumas políticas nos Estados Unidos. Gostaria que houvesse mais atenção voltada ao transporte acessível — carro, ônibus, trem, avião. Um dos maiores desafios para pessoas com deficiência física é ter acesso a formas de sair de casa e se envolver com a comunidade.”
Avery: “Complementando o que a Kelly disse, muita gente não percebe o quanto o transporte aéreo acessível é crucial para a vida de quem vive com doenças raras. Não deveríamos apenas ter o direito de ver o mundo e viajar, mas, como essas doenças são tão raras, existe uma enorme falta de médicos especializados nelas. Para receber o cuidado de qualidade que precisamos, tanto para nossa saúde quanto para nossa qualidade de vida, muitas vezes precisamos viajar ao redor do mundo. Outros assuntos que ainda precisam urgentemente estar na mesa incluem independência financeira, acesso à saúde e educação, financiamento de agências públicas de saúde e igualdade no casamento.”

A ausência de tratamentos para mais de 90% das doenças raras pode ser desanimadora para muitos, mas vocês escolhem alimentar a esperança. Como lidam com essa realidade e onde buscam força para continuar acreditando em avanços?
Kelly: “Encontrar aqueles pequenos brilhos de esperança e celebrar as vitórias, por menores que sejam. Qualquer conquista da comunidade de doenças raras — seja um tratamento ou a aprovação de uma lei — é uma conquista para todos nós. Isso nos leva um passo adiante rumo à ampliação do acesso a tratamentos e cuidados.”
Avery: “Esperança. Um sistema de apoio encorajador. Já avançamos muito como sociedade, especialmente em relação ao capacitismo e ao que éramos e onde estamos agora — mas ainda há muito a ser feito. Somos gratas por estarmos aqui, usando nossas vozes para promover mudanças positivas e significativas em nome da nossa comunidade, e para inspirar outras pessoas a fazerem o mesmo. Queremos começar e fazer parte dessas conversas tão atrasadas, garantindo que a comunidade com deficiência tenha seu lugar à mesa.”
Vocês já deixaram claro que estão apenas começando e que 2025 será mais um ano de luta e visibilidade para a causa de vocês. O que esperam conquistar – para si mesmas e para a comunidade – nas próximas etapas dessa jornada de advocacy?
Kelly: “Continuar encontrando novas formas de apoiar nossa comunidade e ampliar nossa rede de contatos. Construir relacionamentos e conexões com agentes de mudança e lideranças políticas é sempre algo positivo quando pensamos em avançar com nossa causa.”
Avery: “Vamos continuar nosso trabalho de advocacy, colocando um rosto humano nas doenças raras no Capitólio. Somos muito gratas por termos construído relações com nossos representantes e estamos ansiosas para continuar fortalecendo esses laços, diminuindo a distância entre as doenças raras e as políticas públicas, para que as necessidades da nossa comunidade sejam refletidas na legislação. Em todos os aspectos da vida, vamos seguir quebrando barreiras, iniciando conversas e eliminando preconceitos para garantir que a comunidade com deficiência e a acessibilidade não sejam apenas itens marcados em uma lista. Estamos animadas para continuar explorando o que significa fazer inclusão da forma certa — e isso exige que a sociedade nos veja além da caixa pré-definida em que tentaram nos colocar.”
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