Com narrativas que despertam a nostalgia dos fãs da série literária de Monteiro Lobato, Sítio do Picapau Amarelo, o escritor Gerson Montemor retrata situações inusitadas, vivenciadas por personagens do folclore brasileiro na obra “Lendas Brasilis”.

O que aconteceria, por exemplo, se o Curupira acordasse com os pés virados para frente? Quais as consequências dessa situação para os viventes da floresta? Aquilo que parecia normal para os outros seres se revela um grande perigo quando o guardião da mata precisa enfrentar caçadores e proteger a fauna e a flora de um incêndio causado pelos homens.

Dividido em seis contos, o livro conta também com aventuras, mistérios e conflitos com Saci, Mula Sem Cabeça, Boto-cor-de-rosa, Iara e Kauê, um indígena amigo dos entes da floresta. Sob o pseudônimo G. S. Montemor, o escritor evoca personalidades e criaturas que fizeram parte do imaginário brasileiro, com histórias leves e divertidas, capazes de despertar memórias afetivas da infância.

Com o apoio das ilustrações de Marcus Maia, o autor constrói uma narrativa literária capaz de conduzir o leitor cena a cena, como um roteiro de cinema. Nesta obra, a atmosfera da floresta tropical brasileira e o folclore nacional ganham uma releitura com toques estilísticos de escritores consagrados, a exemplo de Monteiro Lobato, Câmara Cascudo, J.K. Rowling, Julio Verne e Charles Dickens.

Como foi o processo de inspiração para escrever “Lendas Brasilis”? Quais foram os principais elementos que influenciaram suas histórias e personagens?

Foi uma experiencia incrível poder escrever sobre as lendas folclóricas que representam parte da diversidade da cultura brasileira. Desde o princípio, a intenção foi exaltar e divulgar esse tema tão belo da nossa identidade que abrange todas as regiões do país. A obra busca transportar o leitor para um tempo em que a natureza ainda era soberana sobre essas terras, em um tempo ainda permeado por muitas lendas e superstições.

Ao abordar figuras do folclore brasileiro como Curupira, Saci e Iara, quais desafios você enfrentou para trazer uma nova perspectiva ou reviver esses personagens tão icônicos na literatura nacional?

Por estar escrevendo sobre personagens já consagrados no imaginário popular, é sempre um desafio tentar trazer novas perspectivas sem que isso altere as suas verdadeiras características. Em “Lendas Brasilis” apresenta uma atmosfera mais leve e divertida sobre o tema folclórico, em que é perfeitamente possível os leitores de 10 a 90 anos lerem, compreenderem e apreciarem os enredos que ali se entrelaçam. Acredito que esse tenha sido o principal desafio no desenvolvimento dessa obra, poder ser lido por todas as idades.

Seu livro parece fundir elementos do folclore brasileiro com outros estilos literários. Quais foram as influências e referências que moldaram o estilo único encontrado em “Lendas Brasilis”?

Nas primeiras páginas do livro há dois autores citados que são muito importantes para o estudo e divulgação do folclore nacional, sendo eles, Câmara Cascudo e Monteiro Lobato. Os dois são, sem dúvida, as minhas grandes referências para a criação dessa obra. Quando mais jovem, eu era um ávido leitor dos livros da Série Vaga-Lume e a estética do livro bebe bastante nessa fonte. Admiro, também, inúmeros autores internacionais que escreveram sobre temas fantásticos e que são admiráveis do ponto de vista estilístico, além de deixaram obras memoráveis para a literatura universal, como, por exemplo, Julio Verne, Oscar Wilde, J.K. Rowling, Edgar A. Poe, Irmãos Grimm, entre tanto outros.

Os contos parecem explorar os conflitos e desafios enfrentados pelos seres do folclore brasileiro. Como esses elementos são utilizados para trazer reflexões ou mensagens aos leitores?

O livro aborda questões como a identidade do Curupira que teve a sua característica alterada e foi incompreendido em sua trajetória ao buscar ajuda para tentar reverter esse acontecimento. Por fim, quando ocorre um incêndio na mata, isso leva todos a se unir contra esse fato e os faz compreender a necessidade de existir as diferenças em cada um de nós. Nas páginas do livro é bastante recorrente a amizade e o companheirismo que os ajuda a enfrentar as dificuldades que possam vir a surgir no cotidiano da floresta.

Como foi a parceria com o ilustrador Marcus Maia? Como as ilustrações complementam e enriquecem as histórias narradas em “Lendas Brasilis”?

Trabalhar com um profissional como Marcus Maia foi um presente inesperado do destino, pois, um ano antes de publicar essa obra, eu já havia visto uma imagem sensacional do Curupira na internet e logo a salvei. Assim que o manuscrito foi aprovado pela editora, eu tornei a clicar naquela imagem, que havia guardado por meses, e lá estava, abaixo, escrito o nome do autor. Pesquisando no Instagram, eu imediatamente o encontrei. Quando o convidei para participar desse projeto, ele apenas pediu para ler uma história e se ambientar, mas, assim que leu, ele se apaixonou pelo tema. Ele findou criando uma capa linda e panorâmica, que nos transporta para uma floresta tropical junto aos entes folclóricos, sem contar que cada ilustração interna consegue captar, com encanto, a cena descrita, enriquecendo ainda mais essa obra, para o deleite dos leitores.

Gerson Montemor

O folclore brasileiro é um tesouro cultural. Como você vê a importância de manter essas histórias vivas e relevantes para as novas gerações?

É notório que o conhecimento popular reflete o legado de um povo no tempo, ajudando assim, a construir a sua identidade cultural. É bastante enriquecedor podermos descobrir e aprender a respeitar outros espaços e culturas através das atividades folclóricas. Acredito que seja importante incentivar o interesse e a curiosidade pela riqueza cultural do país entre as novas gerações, pois isso nos ajuda a criar e a manter a nossa identidade como nação. Ensinar as nossas riquezas folclóricas para os mais jovens é dar continuidade ao nosso legado cultural que já atravessa séculos de história.

Você menciona ter crescido em uma região que influenciou parte das histórias em “Lendas Brasilis”. Como essas experiências pessoais se entrelaçam com a criação dos contos no livro?

Embora eu tenha nascido no ABC paulista, uma região bastante urbana e industrializada de São Paulo e na minha infância eu pude conviver por dois anos, na região de Diamantina, em Minas Gerais. Ali foi possível conhecer um estilo de vida mais conectado à natureza, até então, desconhecido por mim. Esse contato direto com o verde, e com as pessoas do campo, deixaram marcas profundas em minha memória afetiva. Alguns personagens do livro são inspirados diretamente nas pessoas que conheci naqueles anos inesquecíveis, onde, pela primeira vez, tomei conhecimento de diversas histórias folclóricas!

Quais aspectos do Sítio do Picapau Amarelo e do estilo de Monteiro Lobato podem ser percebidos em sua obra “Lendas Brasilis”?

Eu diria que a fluidez do texto, com diálogos diretos, e de fácil assimilação, são referências diretas desse grande mestre da literatura brasileira. Monteiro lobato consegue reinar absoluto entre mundos imaginários entrelaçando personagens dos contos de fadas estrangeiros com animais falantes, enquanto Lendas Brasilis tem como único palco as florestas tropicas do Brasil, entretanto, os entes folclóricos dessa obra também conseguem se comunicar com os animais da mata, perfazendo, assim, um ambiente lúdico e divertido.

Em que medida você acredita que o livro pode ser uma oportunidade para despertar o interesse das crianças pela riqueza do folclore brasileiro?

Acredito que uma obra assim pode ser um portal para o que os jovens possam descobrir e se deleitar com a nossa riqueza cultural, pois entendo que seja de grande importância para as novas gerações que eles tenham um contato divertido e radiante ao descobrir novas possibilidades a respeito das nossas lendas folclóricas, sejam elas através da música, teatro, cinema ou artesanato. Creio que essa temática fantástica ainda possui espaço e diversos elementos a serem descobertos e difundidos pelo Brasil.

Para finalizar, qual mensagem ou sensação você espera que os leitores absorvam ao terminar de ler “Lendas Brasilis”?

Espero, de coração, que seja prazeroso se enxergar e se reconhecer como parte de tudo isso, afinal, o folclore nacional pertence a todos os brasileiros! Não importa a sua etnia, religião ou de qual região você pertença, no fim, é justamente essa riqueza de misturas, a grande característica da nossa identidade! É isso que faz do Brasil, ainda que com tantos desafios pela frente, um país tão belo, acolhedor e distinto do resto do mundo.

Acompanhe Gerson Montemor no Instagram

Share.