Gab Saab traz alertas importantes sobre violência em relacionamento através do livro “Abuso – Guia Prático”

Luca Moreira
12 Min Read
Gab Saab (Karin Castro)

Após sobreviver a um relacionamento abusivo grave, Gab Saab, uma nutricionista, transformou sua dolorosa experiência em uma oportunidade para ajudar outras pessoas a romperem os ciclos de sofrimento. Hoje, ela é uma especialista em Neuropsicanálise e Psicologia Jurídica, e acaba de lançar o livro “Abuso”, que serve como um guia para identificar e enfrentar vários tipos de convívio marcados pela violência, seja ela física, psicológica ou financeira.

Este livro aborda diferentes âmbitos do cotidiano, como o ambiente de trabalho, amizades, escola, família e relacionamentos amorosos, fornecendo informações essenciais para as vítimas e encorajando-as a dar um basta. A obra é estruturada em 40 capítulos curtos e diretos. Cada capítulo explora tipos de abuso, suas consequências e as etapas de enfrentamento, e também oferece insights jurídicos, como em situações de divórcio.

Através de exemplos baseados em experiências pessoais, Gab Saab demonstra como gestos que parecem amigáveis, como uma piada ou um elogio seguido de críticas, podem, na verdade, esconder atitudes abusivas. Além disso, ela destaca que a violência psicológica pode ser tão agressiva a ponto de desencadear sintomas físicos de doenças. A própria autora desenvolveu uma doença psicossomática e perdeu mais da metade de seus cabelos devido à violência psicológica que sofreu.

O livro utiliza uma linguagem simples e acessível, complementada por ilustrações que explicam conceitos e padrões comportamentais de manipuladores. Um “violentômetro” visual é utilizado para alertar sobre as três fases da violência. Gab Saab também fornece 25 dicas para auxiliar no processo de sair de um relacionamento abusivo, além de orientações sobre os principais canais de denúncia e etapas de planejamento financeiro pessoal para situações de perda de bens ou recursos.

Gabriela, você mencionou que o seu livro “Abuso” abrange diversos tipos de abuso em diferentes âmbitos da vida cotidiana. Pode nos dar alguns exemplos de como o abuso pode se manifestar em situações não românticas, como no trabalho ou entre amigos?

Claro. Os abusos são comuns em todos os ambientes e costumam passar despercebidos devido a sutileza inicial que tende a se agravar conforme a vítima é permissiva. De modo geral, existe um comportamento padrão abusivo, uma vez que a pessoa desenvolveu essa personalidade, ela poderá ser abusiva em todos os ambientes. Na relação afetiva, tende a ficar mais aparente devido ao convívio mais próximo somados a fatores emocionais que tendem a ser transferidos aos parceiros (as).

Na família:

– Chantagem emocional através de doenças: “estou tão doente que não sei o que será de mim”, fazendo a vítima se sentir culpada e atender seus caprichos;

– Inversão de papéis, casais fazem os filhos participarem de problemas conjugais;

– Inversão de culpa: provocam tumulto entre familiares e culpam as vítimas por seus próprios atos, tentando inverter a culpa para manipular uma situação. Eles nunca se sentem culpados e quando se dizem culpados, é apenas para atrair a vítima com um voto de confiança, mas esse sentimento não existe verdadeiramente.

No ciclo de amigos:

– Não desejam a prosperidade da vítima;

– Controle;

– Frases depreciativas, seguidas de elogios para confundir a cabeça da vítima como “você é muito inteligente, mas eu jamais gostaria de ser assim”.

No trabalho:

– Excesso de trabalho até esgotamento;

– Não permite gozar de horário de almoço ou até férias;

– Comentários depreciativos com intuito de diminuir a autoestima da vítima, a fazendo sentir que se sair do trabalho, não conseguirá algo melhor;

– A vítima se torna de dependente do trabalho e faz tudo para se encaixar para ser aceita, o que a leva cada vez mais ao fundo do poço.

Você compartilha experiências pessoais no livro para ilustrar como gestos que parecem amigáveis podem, na realidade, esconder atitudes abusivas. Como a sua própria experiência contribuiu para a compreensão desses comportamentos?

Por experiência própria, assim como pessoas abusivas, as vítimas também têm um padrão comportamental, esse padrão é permissivo, empático e coloca sempre as necessidades do outro acima das dela. Tenta agradar a todo custo para ser aceita e comumente perde a identidade por ser controlada.

Alguns pontos da minha vivência são cruciais para identificar uma relação abusiva. Nesses casos, todos os detalhes importam. O comportamento da vítima é sempre se silenciar e normalizar condutas que não são normais. Esse excesso de empatia torna a vítima permissiva a ponto de aceitar qualquer coisa. Ela esconde da sociedade os abusos que sofre temendo ser julgada e isso é o primeiro erro de uma vítima. É necessário falar.

Quando a vítima percebe, a vida dela é totalmente controlada pelo agressor e quando se dá conta, ela está completamente presa a ele. Eu só identifiquei minha história porque desenvolvi uma doença psicossomática de alopecia (queda capilar) que mesmo tratando e os exames não apontava nenhuma justificativa aceitável. Depois de muitos anos sendo vítima e perdendo boa parte dos meus cabelos, quando enfim consegui romper o ciclo de abuso, foram necessários apenas dois dias para meu cabelo parar de cair, o que foi apenas uma confirmação física do que o emocional denunciava.

Um dos tópicos abordados em seu livro é a violência psicológica, que pode ter sérias consequências físicas. Você poderia compartilhar alguns exemplos de como o abuso psicológico afetou sua saúde e o que aprendeu sobre essa relação entre mente e corpo?

O dano psicológico é devastador. Eu desenvolvi a queda capilar, ansiedade, transtorno com o sono e uma característica muito marcante, para mim, ter contato com o agressor é o mesmo que ter contato com um sequestrador, é muito grave. Pesquisas indicam que vítimas da violência doméstica sofrem tanto quando alguém que passou pela guerra. Eu sou apenas uma das milhares vítimas que sofrem caladas e morrem silenciosamente.

Um recurso visual que você menciona é o “violentômetro” para alertar sobre as três fases da violência. Pode explicar brevemente o que isso envolve e como pode ser útil para as vítimas identificarem os sinais de abuso?

O violentômetro é o marcador do nível de abusos e serve como alerta para identificar os abusos que tendem a aumentar.

Além de identificar o abuso, o seu livro oferece dicas para ajudar as pessoas a saírem de relacionamentos abusivos. Poderia compartilhar uma dessas dicas e explicar como ela pode ser eficaz no processo de libertação?

A principal dica é conseguir identificar a própria história. É comum vítimas enxergarem abusos nos vizinhos, mas normalizam suas histórias, pois de forma inconsciente, temem entrar em contato com a ferida emocional. Muitas vítimas até compreendem a relação abusiva, mas temem não ter apoio jurídico por não conhecerem os direitos, então, optam por manter a relação.

Gab Saab

Você mencionou no release que agora atua como coach de desenvolvimento humano com foco em relacionamentos abusivos. Como você ajuda as pessoas a superarem essas experiências tóxicas e a reconstruírem suas vidas?

Todo meu estudo foi para autoconhecimento. Eu precisei de muito para conseguir me libertar de uma relação extremamente perversa. Quando consegui vencer esse desafio, entendi que poderia ajudar outras pessoas também, foi quando decidi escrever o livro. A partir daí, muitos outros trabalhos surgem, inclusive sociais. Participo de grupo de mulheres em processo de divórcio, palestras, cursos e podcasts. Também desenvolvo trabalhos infantis que serão publicados em breve com o propósito de aumentar a autoestima na fase de construção emocional, pois acredito na educação como prevenção de uma sociedade mais saudável.

Para aqueles que estão lendo seu livro ou pensam em buscar ajuda, quais são os principais canais de denúncia que você recomenda para casos de abuso?

O primeiro é delegacia e se necessário, medida protetiva. Depois, é importante buscar auxílio de um defensor. Caso a vítima não tenha condições financeiras, ela pode buscar um defensor público que indico em meu livro. Auxílio psicológico, rede de apoio e estrutura financeira são outros pontos fundamentais para vencer esse processo que é delicado.

Além de denunciar, você também mencionou etapas de planejamento financeiro pessoal em casos de perda de bens ou recursos. Pode compartilhar algumas dicas sobre como as vítimas podem lidar com essas questões?

A questão financeira é uma das mais importantes, pois é através do controle patrimonial é que o abusador controla a vítima durante e depois do relacionamento, pois existe desvio de patrimônio e bloqueio de bens durante anos de disputa judicial, o que afeta a vida da vítima.

Um dos objetivos de uma pessoa abusiva é prender a vítima, então, ela usa o dinheiro para manter a vítima encarcerada por muitos anos, às vezes, a vida toda. Minha principal dica é: jamais deixe alguém ter controle absoluto dos seus bens.

Outra dica importante é ter uma reserva de emergência e ter uma profissão. Pessoas abusivas tendem fazer a vítima abandonar suas estruturas, pois desta forma conseguem ter o controle total.

Sua experiência pessoal o levou a se aprofundar em estudos de Neuropsicanálise e Psicologia Jurídica. Como esses campos estão relacionados à compreensão e superação do abuso?

Através da neuropsicanálise conseguimos nos aprofundar na nossa própria história, entender a dinâmica que vivemos e assim conseguimos moldá-la. É fundamental! Já a psicologia jurídica entra nos aspectos processuais, o quanto causa impacto nas crianças, filhos e vítimas indiretas das relações abusivas e quanto tudo isso gera de impacto social. É humanamente devastador.

Por fim, como você espera que seu livro e sua jornada pessoal possam ajudar outras pessoas que estão lutando contra relacionamentos abusivos e desejam se libertar?

Desejo que as pessoas identifiquem suas histórias e consigam se posicionar. Algumas pessoas optam por se manter na relação, mas uma vez que compreende o comportamento padrão, elas conseguem se proteger e limitar as condutas abusivas. Em casos mais graves, como o meu, é necessário romper completamente e se refazer. Meu maior desejo é que as pessoas tenham relações mais humanizadas.

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