Ana deixou sua Bahia natal ainda criança, em busca de novas oportunidades em São Paulo. Anos depois, já mãe de três filhos e enfrentando as adversidades de uma vida construída longe de seus sonhos, ela se torna a única provedora da família. Mas é através dos olhos de sua filha, Sol, que Ana se transforma em uma figura de super-heroína, carregando uma capa vermelha que parece desafiar as dores e as responsabilidades do dia a dia.

Este é o enredo de “Sra. Capa”, livro escrito por Fabiana C.O., que narra a história de Ana e sua família sob a perspectiva íntima de sua filha. Entre momentos de conexão e dificuldades, a obra retrata a jornada de uma mulher comum enfrentando os desafios da maternidade, do trabalho e da busca por autoconhecimento.

Baseada em experiências reais da autora, que também enfrentou crises de depressão, “Sra. Capa” é mais do que uma narrativa ficcional: é um testemunho de cura e empoderamento feminino. Fabiana C.O. não apenas compartilha a história de sua família, mas também se compromete a ajudar outras mulheres a se tornarem independentes e a reconectarem-se com suas emoções.

Além disso, o livro traz uma iniciativa solidária, em parceria com as ONGs “AC Despertar” e “Empoderem-se”, que apoiam mulheres em situação de vulnerabilidade. Os leitores podem adquirir o exemplar acompanhado de um saco de veludo, produzido pelas costureiras das instituições, cuja venda reverte em benefícios para as produtoras.

Com uma trajetória profissional diversificada e um compromisso com a causa feminina, Fabiana C.O. utiliza sua experiência como empresária e palestrante para abrir um diálogo sobre o valor do autoconhecimento e do respeito aos próprios sentimentos. “Sra. Capa” não é apenas um livro, mas uma ferramenta de transformação e inspiração para todas as mulheres que buscam encontrar sua própria força interior.

Sua história pessoal parece ser uma fonte de inspiração para o enredo de “Sra. Capa”. Como foi o processo de transformar suas experiências em uma narrativa ficcional?

Foi desafiador, não vou mentir. Era tanto para ser explorado, e, ao mesmo tempo, eu me questionava se as pessoas acreditariam na personagem e na trama. Teve um momento que eu parei, escrevi tudo o que era verdade em “Sra. Capa”, e foi quando eu tive certeza de que era possível.  Fui achando equilíbrio na construção dos temas. Busquei os temas nas minhas observações, história pessoal e nas trocas que tive durante minha vida. Essa busca foi muito próxima, de um núcleo muito íntimo, e eu tive a necessidade de mudar alguns detalhes e personagens. De maneira geral, o processo foi de muito equilíbrio. De trazer veracidade e, ao mesmo tempo, de construir personagens que pudessem falar com todas as mulheres. No começo, eu não queria dar foco onde elas moravam, cor de cabelo, idade etc. Queria que as pessoas a sentissem. E foi essa construção, a mistura do que era minha vida e da minha mãe que criou “Sra. Capa”.

A relação entre mãe e filha desempenha um papel central no livro. Como você explorou essa dinâmica complexa e como ela se reflete em suas próprias experiências pessoais?

A exploração do tema fez parte do primeiro rascunho do que seria “Sr. Capa”: uma mulher de capa, que esconde o que sente, se doa, cuida mais do outro do que de si etc. Quando finalizei esse rascunho, me perguntei: Sra. Capa é minha mãe? Nesse momento, entendi que minha escrita partiria das minhas observações pessoais e de tudo que já tinha vivido e escutado de minha mãe. O livro foi construído e inspirado na mulher que me deu a vida, e por tantas mulheres que nos cercam. Trago muito a importância de sermos verdadeiros e de falar sobre o que sentimos. E me questionei sobre esse movimento e olhar empático começar com a primeira pessoa que de fato temos contato nessa vida: nossa mãe. É um exercício complexo, eu sei, mas precisamos trazer para a consciência e treinar.

Minha mãe foi a pessoa que mais entendia minha depressão. Ao mesmo tempo, ela não reconheceu o seu momento e seus sentimentos em vários momentos da sua vida… Chegou um momento que mergulhei nos meus traumas e tive que aprender a separar as histórias, perdoá-la e entender que ela estava fazendo o seu melhor. Isso ajudou no meu processo. Sentar, falar, chorar e abraçar precisam ser mais constantes. Isso tudo aconteceu antes do livro, e tenho certeza de que me engajou a mostrar isso para as pessoas. Hoje o que faço com muita frequência é falar e mostrar para minhas filhas que mamãe sente, mamãe hoje está triste etc. Tirar essa capa de mãe heroína se faz necessário. Afinal, aprendemos com nossas mães como levamos a vida.

“Sra. Capa” aborda temas profundos, como depressão, abuso e autodescoberta. Como você equilibrou a sensibilidade necessária para lidar com esses assuntos delicados enquanto contava a história?

Se eu citar uma técnica, estou mentindo. O meu maior objetivo foi trazer luz para esses temas. Minha escrita é um drama com afeto. Parte da minha sensibilidade vem de como eu levo a vida: reconheço o problema, acredito na melhora e quero falar sobre… Ao trazer esses temas para “Sra. Capa”, acreditei que ficar batendo em alguns assuntos não traria de fato a conexão com as pessoas. Quando falo de abuso, por exemplo, eu poderia ter escrito metade do livro sobre isso. Mas a partir do momento que coloco o tema em poucas páginas e as pessoas se conectam com o que a personagem sente, isso traz muito mais conexão e reflexão. Acredito que minha sensibilidade foi possível porque eu foquei nos sentimentos gerados em cada tema. Não entreguei um começo, meio e fim em cada assunto. Entreguei um sentir. E, olhando por essa lógica, concluo que equilibrei a dureza de cada tema com o sentir de cada personagem e do sentimento que o leitor tem ao ler.

Você mencionou a parceria com as ONGs “AC Despertar” e “Empoderem-se” como parte do lançamento do livro. Como essa colaboração surgiu e qual é a importância desse trabalho para você?

Quando eu disse que teria o saquinho, busquei fornecedores e cotei importação. O custo apresentado era muito baixo e meu produto seria confeccionado do outro lado do mundo. Mas eu não sentia que era certo. Eu queria uma produção nacional e fui literalmente costurando caminhos. A minha personagem principal é costureira e, como eu era voluntária em um projeto social, pedi indicação e cheguei às meninas da AC Desperta e Empoderem-se Manas. Foi lindo ver a construção do saquinho, o envolvimento de tantas “Anas” costurando algo tão importante para a história e para mim. O saquinho criou uma conexão da ficção com a vida real. Quando as pessoas entendem a importância do saquinho, elas de fato compreendem minha emoção ao falar sobre. O saquinho, além do lado emotivo, traz oportunidade através da costura para essas mulheres. Ele virou um ofício, um trabalho e um momento de aprendizado e recomeço.

A capa de veludo produzida pelas costureiras das ONGs é uma ideia incrível e inovadora. O que a inspirou a incluir esse elemento na divulgação do livro?

Minha maior inspiração foi a pandemia. Sim, parece estranho, mas é verdade. Estávamos há 2 anos em isolamento e alimentando cada vez mais o contato online. Sou uma pessoa do físico e do abraço, por isso percebi a necessidade de trazer algo mais sensorial para o livro. Queria proporcionar um quentinho no coração das pessoas. Foi uma aposta, tanto que na produção do livro a ideia não foi bem aceita por pessoas do mercado editorial. Falavam muito de ser algo apenas para o lançamento etc. Quando as parcerias com as ONG’s foram feitas e o saquinho que já fazia parte da narrativa do livro começou a fazer parte de outras mulheres, eu não tive dúvidas da sua importância e continuidade. Meu maior objetivo agora é ter mais ONGs e costureiras, e vender cada vez mais livro. Virou algo maior do que a história de Ana e Sol. Com o saquinho, meu livro faz parte de dezenas de mulheres desse país. É um projeto social que tem ligação com a história e que mais uma vez faz o leitor “sentir” o livro!

Fabiana C.O
Fabiana C.O

Você menciona que o livro é uma jornada de cura pessoal. Como a escrita deste livro impactou sua própria jornada de cura e transformação?

A partir do momento que escrevo sobre a depressão e trago o tema e parte da minha experiência para meus leitores, familiares e todos que hoje buscam conhecer sobre mim, eu entendo que já é uma etapa importante da cura: reconhecer e falar sobre. Durante meu processo de autoconhecimento, vi na escrita um caminho para eu fazer o que gostava e fazia sentido. Às vezes chamo de propósito, outras vezes de missão, e assim por diante. Mas, de verdade, vejo que entender esse meu lado foi dar luz a um pedaço meu que eu não via. Descobrir que eu queria escrever foi a cereja do bolo da minha caminhada de autoconhecimento. Ao escrever “Sra. Capa”, voltei vários anos: observando e vivendo a depressão. Eu me coloquei no papel de rever alguns traumas, de criar uma personagem que tinha tanto de mim e isso fez muito sentido para eu juntar peças de quebra cabeça da minha vida.

Como você espera que “Sra. Capa” ressoe com os leitores, especialmente com mulheres que podem se identificar com as experiências da personagem principal?

“Sra. Capa” é intenso, mas é um livro que traz um amor para o peito, reflexões e momentos de sentir que não estamos sozinhas. Ao ler “Sra. Capa”, temos um exemplo simples de como qualquer história é construída por olhares diferentes e do sentir individual de cada pessoa. Claro que a conexão com os sentimentos e experiências é mais constante entre as mulheres; elas se conectam com as experiências retratadas no livro, pois vivem aquilo de forma direta ou indireta. O livro traz temas que não falamos abertamente e outros que achamos tão banais que não vale refletir sobre. O papel da mulher sobrecarregada, por exemplo, foi tão fantasiado na sociedade moderna que todas aceitam como algo positivo. Quando trago com minha literatura que precisamos enxergar essa capa e tirá-la é um grito de: “Precisamos falar sobre isso! O que me trouxe até aqui? O que me camufla, ou o que eu escondo? Eu tenho depressão?”

Quando trago Ana com sua lista da vida, os leitores começam a fazer check. Com essa conexão, espero que todos possam reconhecer suas capas e as de pessoas próximas, que tenham um olhar mais empático para as trocas e relações e que possam ter momentos de menos capa para serem quem precisam ser de verdade. E, claro, que as pessoas peçam ajuda. Prevenir depressão, reconhecer e olhar para a doença sem preconceito é um grande objetivo na minha escrita.

Você poderia compartilhar conosco um momento particularmente significativo ou desafiador durante o processo de escrita deste livro?

Acho que o momento mais significativo foi quando eu perdi minha avó materna no meio da produção do livro. Minha avó Maria está no prólogo, e toda a construção do tear manual que eu falo é real e é ela naquela página. Eu estava escrevendo sobre sua filha, sua neta, sobre ela de forma indireta, e isso me trouxe uma pausa.  Fiquei dois meses sem inspiração e sem vontade de escrever. Precisei respeitar essa pausa e respirar. Foi exatamente nesse momento que fui revivendo os últimos dois anos de sua vida e fui notando a qualidade de presença que tive com ela. A importância de estar junto, fazer algo pequeno, mas muito importante com e para a pessoa. Os pequenos detalhes e segredos da vida. Toda vez que eu observava como tinha sido essa relação nos momentos finais, eu ficava mais calma. Isso desbloqueou o meu lado criativo, pois eu queria que as pessoas tivessem um sentimento parecido com o meu antes de perder alguém. Lembro de uma noite fazer uma rodada musical, e ela falar sobre a música favorita dela. Isso não tem preço. Não conheci muito da minha avó, mas tive a oportunidade de conhecer um pouco, e esse pouco e algumas dores a fizeram ser a mulher que ela é e que eu carrego comigo.

Quais são seus planos futuros? Você planeja continuar explorando temas semelhantes em seus próximos projetos literários?

Estou me preparando para começar a escrever meu próximo livro: “O Buraco”. O livro dará continuidade a minha vontade de explorar temas relacionados a psicologia, cotidiano e, claro, vida feminina. Percebo uma tendência mais dramática na minha literatura, e estou bastante animada com o que vem pela frente. Estou estudando bastante e isso me traz mais confiança e ao mesmo tempo mais responsabilidade para esse novo projeto.

Os leitores pedem por Sra. Capa 2. Tem conteúdo? Sim! Mas não é o momento… “O Buraco” precisa vir antes, é o que sinto e quero. O que estou organizando é a produção de uma coletânea referenciando o livro “Sra. Capa”. A ideia é trazer as histórias e trocas que eu tive no último ano com mulheres de diversas regiões do Brasil e de fato, mostrar que somos todas Sra. Capa. O projeto está em rascunho e tem grandes chances de ser lançado ainda em 2024.  Essa coletânea me trará um respiro para a nova publicação e ao mesmo tempo, entregar algo para meu público.

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