Entre elementos e emoções: Ricardo Pegorini retorna com uma coletânea que transforma o cotidiano em épico

Luca Moreira
7 Min Read
Ricardo Pegorini
Ricardo Pegorini

Em Contos do Tempo e da Terra, do Fogo e do Mar, Ricardo Pegorini conduz o leitor por uma travessia que une o real ao mítico, explorando como a experiência humana se entrelaça com os quatro elementos da natureza. Com 30 narrativas que passeiam entre o humor sutil, a reflexão filosófica, o lirismo e a crítica social, o autor compõe um mosaico poético sobre memórias, perdas, epifanias, ancestralidade e reinvenção. Da força transformadora do fogo ao silêncio profundo do mar, Pegorini oferece uma obra híbrida que mergulha na fragilidade e na grandeza da existência — e que convida o leitor a descobrir, em cada conto, um pedaço de si.

A ideia dos elementos como metáforas — como nasceu?

Essa ideia nasceu quase sem que eu percebesse. Quando comecei a reunir os contos, percebi que muitas das histórias orbitavam em torno das forças da natureza, não apenas como cenário, mas como pulsões dos personagens. Terra, fogo, água e tempo são, antes de tudo, forças que moldam a vida — e também impulsionam a imaginação. Aos poucos, percebi que eram também lentes pelas quais eu olhava o mundo. Então não houve um “projeto” inicial: houve uma intuição. E, quando me dei conta, a coletânea já respirava si mesma, ancorada nesses elementos.

O extraordinário no cotidiano — de onde vem essa sensibilidade?

Talvez venha do hábito — ou da necessidade — de olhar para o mundo buscando um novo olhar, uma nova interpretação não tão óbvia como a primeira leitura provoca. Sempre me fascinou o instante em que algo que parece ser uma membrana de um evento, de uma entidade ou de uma situação absolutamente comum se rompe e revela uma verdade maravilhosa escondida lá dentro. A enchente, a chuva, a rua silenciosa… tudo isso guarda uma potência narrativa. A vida é extraordinária quando a gente permite que ela seja. Eu só tento decodificar esse murmúrio que normalmente passa despercebido.

Episódios pessoais que viraram ficção?

Sim, vários — embora diluídos, disfarçados, reinventados. Alguns contos nasceram de pequenos episódios que me atravessaram: uma conversa que ouvi, um gesto que me comoveu, uma memória antiga que insistiu em voltar. Nunca faço transposição literal, mas tenho certeza de que todo escritor escreve com o que carrega. Há histórias ali que retomam lugares da minha infância, medos muito íntimos, perdas que me ensinaram a caminhar. Ficção é uma espécie de tradução emocional: cada texto é uma janela para a alma do seu autor.

O “atlas emocional” — qual o maior desafio para dar unidade ao livro?

O maior desafio foi aceitar que a unidade não viria da temática, nem do estilo, mas da valia do olhar. Cada conto é um território, e eu preciso confiar que o leitor, em dado momento, perceberá que esses territórios explorados no livro pertencem ao mesmo mapa. A metáfora do “atlas emocional” me ajudou: eu não queria capítulos, queria países afetivos, cada um qual com seu clima, com sua geografia e com sua luz. Encontrar essa costura invisível foi talvez o trabalho mais cuidadoso da edição.

Ricardo Pegorini
Ricardo Pegorini

Qual elemento representa o seu momento de vida?

Hoje, sem dúvida, a travessia — então, o mar. Estou num momento de deslocamento criativo e pessoal. Há projetos novos, rumos que se abrem, riscos que preciso assumir. O mar me representa porque ele tem essa ambiguidade: é promessa e é incerteza. E eu acho que criar — escrever, compor, sonhar — exige aceitar esse movimento constante. Uma bela metáfora para a vida no seu sentido mais amplo e aventureiro, não é mesmo?

Equilibrar rigor literário e liberdade criativa em textos curtos — como?

É quase um exercício de respiração. O conto exige precisão, mas também exige espaço para o indizível. Tento trabalhar com uma linguagem que seja ao mesmo tempo econômica e poética, uma escrita que não explique demais, mas que também não deixe o leitor à deriva. É encontrar combinações de termos e expressões que normalmente não andam juntas e que agora, dispostas na mesma frase, corrompam o sentido burocrático e preguiçoso das palavras que as compõem na sua acepção rotineira.

A importância dos concursos e antologias na sua trajetória

Esses reconhecimentos foram importantes porque me ofereceram uma espécie de diálogo com o mundo. Quando um texto meu é selecionado ou premiado, não interpreto como medalha, mas como um sinal de que minha voz encontrou ressonância. Isso me deu coragem para continuar, principalmente nos períodos em que a escrita parecia um território incerto. Ensinou-me a enxergar o processo criativo com mais generosidade: escrever é insistir. E, também, as antologias motivam a gente a escrever mais frequentemente. São ótimos trampolins de motivação.

O que você espera que o leitor leve consigo?

Espero que eu tenha mobilizado alguma coisa dentro do leitor que o faça percorrer um caminho, que pode ser o de sempre, com outro andar, com outro olhar, com outra atitude. Se o livro conseguir criar esse instante de pausa, de reflexão, de afeto e de conexão entre as coisas da vida de uma forma criativa, então sinto que a viagem valeu. A literatura, para mim, é isso: um modo de fazer pequenos mapas para que as pessoas se encontrem — ou se inventem — um pouco mais.

Acompanhe Ricardo Pegorini no Instagram

Share this Article

Você não pode copiar conteúdo desta página