O encontro fortuito que dá título ao novo livro de Eloy de Oliveira, “Apenas um Esbarrão”, coloca a repórter Clarice no epicentro de uma série de eventos mortais e crimes aterrorizantes. Anos de ceticismo em relação ao amor deram lugar a uma abertura para novos relacionamentos quando ela esbarra com o delegado André Freitas a caminho do trabalho, desencadeando uma série de eventos inimagináveis.
Até aquele encontro, Clarice havia jurado nunca mais se apaixonar. Após envolver-se em relações frustrantes e abusivas, ela optou por concentrar-se na criação de sua filha e no sucesso profissional. Ambos os objetivos foram alcançados: ela se tornou uma renomada repórter de cultura, e sua filha está prestes a se formar em Psicologia. No entanto, a parte romântica de sua vida, que sempre ansiou, permaneceu vazia devido à ausência de um relacionamento saudável e estável.
Tudo parecia estar indo conforme seus planos até que ela inicia um relacionamento com o chefe da polícia, um homem atencioso, simpático e bem-humorado. Ele se destaca em relação aos homens do passado. No entanto, apenas o tempo e uma conexão mais profunda podem revelar se a imagem que ela tem dele é realmente verdadeira.
Eloy de Oliveira narra os eventos com capítulos concisos, diálogos envolventes e uma trama repleta de mistérios a serem resolvidos. O autor oferece uma perspectiva feminina, permitindo ao leitor adentrar na luta íntima da personagem principal para superar traumas do passado e buscar o amor. Além de ser um romance policial, o livro transmite a mensagem de que é possível encontrar a felicidade, mesmo diante das tragédias da vida.
O título do seu novo livro, “Apenas um esbarrão”, sugere um encontro casual que desencadeia uma série de eventos. Pode nos contar mais sobre como essa colisão afeta a vida da protagonista, Clarice?
Clarice é uma mulher maltratada pela vida no que se refere a relacionamentos amorosos. Teve uma grande decepção com o marido, que a traiu, e se separou. Depois conheceu homens que não valiam a pena ou pelo caráter ou pelo desempenho ou por ambos. Mas André Freitas, com quem se esbarra no metrô mais de dez anos depois da última decepção, é um homem totalmente diferente. De tal modo que ela o considera o último perfeito da face da terra. Claro que teme se decepcionar novamente. Então procura tirar todas as dúvidas antes. Mas à medida que o conhece, percebe um André que inspira confiança, um André apaixonado e um André surpreendente. Saudosa de um relacionamento amoroso e pressionada pela filha, que a quer acompanhada de alguém, ela vai se entregando. Ambos se apaixonam e vivem um tórrido romance como ela nunca imaginou. Tudo estaria perfeito, não fosse o aparecimento de uma mulher, que diz que André não é quem ela pensa que ele seja. A partir disso, tudo se desmorona. Mas Clarice acredita no amor e vai até as últimas consequências para ser feliz, enfrentando riscos mortais.
Clarice, a protagonista do livro, passou por relacionamentos frustrantes e abusivos no passado. Como essas experiências moldam sua visão sobre o amor e relacionamentos?
As experiências desastrosas de Clarice no amor a fizeram enxergar que não vale a pena entrar em relacionamentos apenas para ter alguém. Depois da separação, ela tinha essa visão. Era preciso encontrar alguém e não importava quem fosse, até para poder mostrar ao ex que estava bem. Essa escolha aleatória a fez descobrir que poucos homens estavam à altura de uma mulher como ela. O hiato nos relacionamentos por mais de dez anos, provocado pela série de decepções, aplacou outra expectativa de Clarice: a de que um amor é aquele que está lá à disposição dela, sem que precise conquistá-la todos os dias. Ela descobriu que esse tipo de relacionamento não faz falta. Ao final, Clarice conclui o óbvio, mas que não é óbvio até se viver tudo o que ela viveu: é preciso conhecer e confiar na pessoa pelos seus atos, não por suas palavras nem pela aparência ou condições. O risco da decepção sempre vai existir, mas nenhum amor pode ser vivido integralmente sem entrega, sem paixão e sem a admiração, o que se conquista com a confiança.
O livro combina elementos de romance e mistério policial. Como você equilibrou esses dois gêneros na narrativa?
O ponto central da narrativa é que a história da Clarice é uma história de amor. É a história de uma mulher que quer ser feliz. A vida é uma somatória de fatos que se interrelacionam sempre. Não importa a origem deles. Então, no meio dessa história de amor vão surgir pessoas que têm envolvimentos misteriosos ensejando a ação policial. Não tem como ela saber de antemão disso e não tem como separar a história que ela viverá desses fatos. O equilíbrio fica por conta de não perder o fio condutor do amor.
O personagem do delegado André Freitas desempenha um papel fundamental na vida de Clarice. O que o diferencia de outros homens em sua vida?
O ponto principal que torna o delegado André Freitas o último perfeito da face da terra para Clarice e que o difere de todos os outros é que ele é um homem focado nela. Ele tem empatia com a vida que ela viveu e sabe que tem de conquistá-la todos os dias. Para isto, é criativo, surpreendente e disposto em tempo integral. Também inspira confiança, por ser claro nas suas atitudes e na sua condição de vida. Estar com André significa para ela aprender a razão dos sentimentos, viver novas experiências e encontrar-se a si mesma.
Muitas vezes, as tragédias pessoais e os traumas do passado podem afetar nossa capacidade de amar e confiar. Como Clarice supera esses obstáculos em sua busca pelo amor?
Clarice é determinada. Para se conseguir qualquer coisa na vida, seja no campo pessoal, seja no profissional, é preciso ter essa disposição. Ela não desiste a partir do primeiro obstáculo. Em vez disso, procura aprender com os erros. Quando leva os golpes da vida, ela para um tempo, se recompõe e investe novamente. Apesar do hiato de mais de dez anos evitando relacionamentos, Clarice não deixa de querer ser feliz. Mas ela entende que o caminho para isto passa primeiro por ter uma boa ascensão profissional e por encaminhar a filha. Quando isto acontece, ela volta a tentar encontrar um amor. As tragédias pessoais e os traumas vividos são experiências que a fazem decidir melhor no presente. Não são garantias de erro zero, evidentemente, mas reduzem muito essa possibilidade.
Seu livro explora o tema do amor, não apenas o amor romântico, mas também o amor-próprio e o amor pelos nossos ideais e vida. Como esses diferentes tipos de amor se entrelaçam na história de Clarice?
Eles estão presentes nos vários momentos que ela passa na história. O amor romântico é a sua expectativa para ser feliz com alguém. Quando esse amor falha, ela precisa do amor-próprio para entender que ela é mais importante que a busca pelo amor em outra pessoa. Nesse meio tempo, ela vê que precisa buscar os ideais também fora do amor romântico para dar um sentido à sua vida. Clarice é uma mulher romântica, mas ela sabe que precisa se desenvolver profissionalmente e que precisa garantir o futuro da sua filha. Essas motivações, esses amores, a fazem crescer como pessoa.
Como autor, como você se aproxima de contar uma história sob a perspectiva feminina, especialmente quando se trata de descrever a luta íntima da personagem principal?
É um grande desafio e é prazeroso realizá-lo. Eu topei essa empreitada quando uma mulher desconhecida lançou a proposta em uma rede social. Ela queria saber como um homem contaria essa história a partir da visão de uma mulher. O primeiro instrumento para essa jornada foi me despir completamente do preconceito e do machismo, que estão arraigados na nossa sociedade. Uma mulher que leu o livro me disse uma coisa que me deixou muito feliz sob esse aspecto. Ela disse que eu não condenei a Clarice em nenhum momento. Isto é sinal de que o preconceito e o machismo foram mesmo eliminados. Outro aspecto necessário foi conversar com mulheres que pudessem me dar subsídio para o que elas sentem e pensam. Essas conversas foram fundamentais. Tem descrições no livro, como quando a Clarice se relaciona sexualmente com o André pela primeira vez que vieram desses depoimentos. Se eu fosse falar como um homem tiraria a roupa de uma mulher seria de um jeito, mas como uma mulher vê o homem tirar a sua roupa é outro totalmente diferente. Tem outros detalhes sobre como ela enfrenta os riscos. Precisei colocar muito da intuição feminina e dos receios que ela traz para fazer. Acho que as mulheres vão se identificar com essas passagens. Mas não só com elas. Também com a visão de mundo da Clarice, que vê no amor uma força salvadora para o mundo e sem a qual não quer viver.
O livro tem capítulos curtos, muitos diálogos e vários mistérios a serem resolvidos. Como você planejou a estrutura e o ritmo da narrativa?
A velocidade da narrativa é uma das estratégias para prender a atenção do leitor. As pessoas são rápidas para pensar e querem conclusões rápidas para as situações. Afora isso, não tem nada mais envolvente que um mistério surgir logo após outro estar resolvido. As pessoas gostam de resolver mistérios e é preciso muita atenção para construir esses cenários, porque são os detalhes que determinam soluções. Como o leitor está vidrado na história, não posso errar na composição dos detalhes. Às vezes uma situação seria bem mais fácil de ser construída, mas preferi refazer e trocar palavras e frases até chegar ao detalhe que não destoa do conjunto. É uma construção que exige um mergulho na escrita. Quando começo a descrever uma sequência, vou até o final antes de parar justamente para não perder o ritmo. Gostei muito quando o escritor que convidei para fazer o prefácio, um senhor de mais de 80 anos, cuja leitura é mais pausada, me disse que pensava em ler o livro em um mês, mas não conseguiu parar a leitura, fazendo-a em um dia e meio. Isto é sinal de que a velocidade e o ritmo estão ajustados para prender o leitor. Ele fala sobre isso no texto que apresenta o livro. Curiosamente, é a mesma impressão que teve outra escritora que prefaciou outro romance meu, “A Última Noite de Helena”, com o qual já concorri no Prêmio Kindle de 2020. É um tipo de estrutura que gosto de fazer mesmo que não seja um livro policial.
Vemos que o amor é um fio condutor na vida de cada um de nós. Como você acha que essa mensagem pode ressoar com os leitores?
É o meu desejo maior com esse romance. O amor é a liga mais importante que temos no relacionamento nosso com o mundo. Sem amor, tudo fica frio e sem tempero. E como se fôssemos máquinas prontas a desempenhar uma determinada função. Não, somos humanos. Tudo que fazemos precisa ter esse amor, essa emoção. É ela que faz com que as situações fiquem na nossa memória. É o amor que faz dar sentido para tudo o que fazemos. Se não estivermos apaixonados por aquilo que fazemos, estaremos apenas reproduzindo movimentos, palavras e atos. A Clarice luta por um amor para ser feliz e ela mergulha nessa busca completamente apaixonada, o que faz toda a diferença. Ao final, ela prova que vale a pena.
Além de “Apenas um esbarrão”, você tem uma carreira literária diversificada. Pode compartilhar mais sobre suas influências e como você se aventura por diferentes gêneros literários?
Eu amo escrever. Isto está comigo desde que eu era bem pequeno. Para se ter uma ideia, no meu tempo se entrava na escola aos 7 anos. Eu entrei com 5. Morava a um quarteirão da escola e acompanhava minha mãe quando ia levar meus dois irmãos mais velhos. Eu pedia para ficar. A diretora achava engraçado. Minha mãe não queria. Um dia peguei o registro de nascimento e fui me matricular sozinho. A diretora chamou minha mãe e disse o que eu já sabia: não dá para fugir mais. Ele terá de vir estudar conosco. E eu fui. Mas a decisão por me tornar escritor veio com a vitória em um concurso de redação no ensino médio. Aquela história, chamada “Num jardim domingo à tarde”, me levou ao jornal da cidade, a mudar de profissão de eletrotécnico para jornalista, e abriu o caminho para outros concursos. Comecei escrevendo poesias, depois crônicas, contos, ensaios e, por fim, romances. Tenho muita facilidade para escrever. Se me der uma foto, eu faço um conto só de olhá-la. Às vezes uma frase gera uma história inteira. Uma lembrança, enfim, sai sempre um texto. Minhas inspirações são muitas. Na poesia, gosto de Drummond, Quintana, Pessoa. Na crônica, Dalton Trevisan, Luiz Fernando Veríssimo, Drummond. Nos contos, Conceição Evaristo, Lygia Fagundes Telles, Clarice Lispector. No romance, tenho vários autores preferidos, mas vamos fechar a câmera para detectar um estilo. De todos os meus preferidos, destaco Luiz Alfredo Garcia-Roza, um escritor e psicanalista já falecido do Rio de Janeiro. Ele escreveu oito livros de não-ficção voltados à sua profissão inicial de psicanalista, mas, a partir de 1996, aos 60 anos, uma idade muito próxima da minha hoje, se aventurou a escrever histórias policiais e ganhou o Prêmio Jabuti, além de uma notoriedade ímpar no meio. Tudo porque ele fugia ao convencional dos romances policiais brasileiros, sempre relacionados ao narcotráfico e à venda de armas. Em vez disso, Garcia-Roza investia na revelação de dramas pessoais mal resolvidos, como o de Clarice de “Apenas um esbarrão”. Esse estilo faz a minha cabeça. De todos os 12 livros de ficção que escreveu, apenas um não tinha o personagem que ele tornou célebre, o delegado Espinosa, um policial que foge ao convencional da polícia brasileira, alguém que lê. O livro onde o delegado não aparece é “Berenice procura”.
Acompanhe Eloy de Oliveira no Instagram