Editora de documentários para a Netflix, Fernanda Schein fala sobre bastidores da edição e vida em Los Angeles

Luca Moreira
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Fernanda Schein (Foto: Divulgação)

Do interior do Rio Grande do Sul para Los Angeles, Fernanda Schein se move através da arte. Ela coleciona premiações e um currículo de peso conquistado em uma ilha de edição, desde grandes produções da Netflix como “Neymar: O Caos Perfeito” até curtas envolventes como “I See You”, seu mais novo trabalho que já conta com dois grandes prêmios e está em exibição em Los Angeles.

Parte do dream team da Campfire, Fernanda recebeu a história de um dos brasileiros mais conhecidos do mundo, nas mãos, como assistente de montagem e coordenadora de tradução ao lado de Affonso Gonçalves, editor brasileiro indicado ao Oscar pela montagem de “Carol”. “Neymar: O Caos Perfeito”, série documental da Netflix estreou em janeiro de 2022 e está em evidência novamente após a convocação do jogador para a Copa do Mundo Qatar.

No Brasil, a editora atuou em produtoras importantes do mercado publicitário. Em produções comerciais, trabalhou com Giovanna Antonelli e Alexandre Borges, além do ídolo do esporte nacional Gustavo Kuerten, o Guga. Em 2014, a gaúcha decidiu que precisava de novas experiências e partiu para a Califórnia.

Em Los Angeles, fez mestrado na New York Film Academy. A partir daí, seguiu com trabalhos como freelancer em produções locais e internacionais premiadas, como o filme “Forbidden Wish”, melhor longa pelo Santa Monica Film Festival disponível no Prime Video e produções independentes, como “The Boy in The Mirror”, vencedor do prêmio de melhor curta-metragem no California Women’s Film Festival. Confira a entrevista!

Retratando a trajetória de um dos maiores destaques das últimas gerações do futebol brasileiro e ao mesmo tempo com uma vida polêmica, você ganhou um grande destaque no currículo ao trabalhar como editora da série “Neymar: O Caos Perfeito”, lançada no ano passado pela Netflix. Como foi a experiência de estar envolvida em uma produção que recebeu tanto destaque assim entre o público?

Foi uma das melhores experiências profissionais que eu tive até agora. Eu trabalhei como assistente de montagem e coordenadora de tradução e legendagem das entrevistas, porque só um dos editores era brasileiro, o Affonso Gonçalves. Trabalhar com ele também foi muito incrível, um grande editor brasileiro com uma carreira internacional super extensiva.

A oportunidade de aprender com ele e com toda equipe incrível que compôs a produção dessa série foi algo pelo qual eu sou muito, muito grata. Além da experiência em si ter me ensinado muito, também me abriu muitas portas. Eu continuo trabalhando com montagem de documentários do Netflix desde o fim da série do Neymar, e conheci muitas pessoas que vem me ajudando a expandir minha carreira.

No audiovisual, pode ocorrer bastante certo apego de quem fez a direção e/ou roteiro da produção. Enquanto editora, você fica responsável por uma etapa que envolve seleção e, algumas vezes, até mudanças no “plano original”. De que maneira você lida com essa pressão por parte dos outros e como você equilibra esse apego pelo material em si mesma?

Se uma história chegou até mim para ser editada, é porque ela é importante demais para alguém. E se alguém quer compartilhar essa história, o meu papel então, passa a ser a ajudar essa diretora a fazer as melhores escolhas possíveis, dentro do material que ela filmou, para que o resultado final seja o mais incrível possível. Eu procuro manter um equilíbrio entre a humildade e a autoconfiança.

Humildade de compreender que preciso estar muito aberta a compreender a história pelos olhos daquela pessoa que está dirigindo o filme, e não só dos meus. A diretora pode não estar comigo durante o processo todo, mas ela precisa confiar que em sua ausência as decisões que eu estou tomando para montagem representam da melhor forma a visão dela

E autoconfiança de saber, que se eu sentar numa sala com centenas de horas de material filmado, e outra editora sentar na sala ao lado, com exatamente o mesmo material, é garantido que nós vamos fazer dois filmes completamente diferentes, mesmo com a mesma direção. Eu amo a consciência de que as minhas escolhas tem importância pro filme, eu amo dialogar com a diretora sobre o porquê dos meus cortes, e permitir que uma discussão saudável eleve a qualidade do projeto.

A maior pressão pra mim é na hora de apresentar o primeiro corte, mas percebo que a medida que fico mais experiente essa ansiedade vem se reduzindo, compreendo cada vez mais que cinema é um processo colaborativo. Eu procuro transformar a ansiedade de receber criticas, em empolgação para aperfeiçoar meu trabalho com a ajuda de outras pessoas que amam contar histórias, tanto quanto eu.

Natural do interior do Rio Grande do Sul, você se mudou para Los Angeles e aos poucos foi acumulando grandes títulos em seu currículo, principalmente nos streamings. Como foi essa mudança do RS para os Estados Unidos e principalmente a construção da sua visão a respeito do mercado do entretenimento internacional?

Trabalhar com cinema e morar em Los Angeles foi algo que eu idealizei desde adolescente, consequentemente eu tinha muitas expectativas quando cheguei aqui. Eu precisei passar por um processo de desconstruir várias dessas ideias, e me adaptar a realidade da forma como ela é.

Muita gente vem pra Los Angeles, e muita gente também vai embora porque não aguenta morar aqui. Dizem que é uma cidade cruel, com pessoas falsas que só se relacionam por interesse. Isso não deixa de ser verdade, e depois dos meus primeiros dois anos em Los Angeles eu tive um período em que fiquei bem deprimida, questionando meu talento, minha identidade pessoal e profissional, e a veracidade dos relacionamentos que construi aqui.

Muitas coisas contribuíram para que eu aos poucos fosse aprendendo a lidar com a vida longe do Brasil, de casa, da família. Eu fiz um grupo de amigos maravilhosos aqui, muitos deles brasileiros. Eu moro fora, mas eu sigo me sentindo conectada com a minha cultura e isso me dá força de continuar trabalhando pelos meus sonhos aqui.

Também aprendi que mesmo numa cidade que vive da indústria audiovisual, que prioriza a imagem e o sucesso acima de tudo, ainda é possível nos mantermos centrados em nossos valores, basta redefinir a nossa própria visão de sucesso. A lição mais difícil que eu aprendi foi que para não abrir mãos dos nossos valores, às vezes somos obrigados a tomar decisões difíceis – e que as decisões fáceis às vezes tem retorno mais imediato, mas que pra construir uma carreira consistente e uma vida satisfeita, nem sempre o que vem rápido é melhor.

Fernanda Schein (Foto: Divulgação)

Antes de ir para a Califórnia em 2014, você chegou a atuar algum tempo em agências publicitárias aqui no Brasil. Em relação a se inserir na indústria internacional, quais foram os principais desafios que enfrentou nesse início e como foi a recepção das equipes americanas? Qual considera ser seu objetivo final de carreira atualmente?

O maior desafio foi que eu não conhecia ninguém em Los Angeles. Ninguém mesmo, eu vim completamente sozinha, então eu precisei aprender formas de literalmente, me inserir nos lugares que eu queria estar. Eu mandei fazer cartões de visita com meu site (onde fica meu portfólio), telefone e e-mail e eu ia para eventos de networking sozinha, que achava na internet, para conhecer pessoas. A gente tem que vencer o medo de mostrar a nossa cara e dizer pros outros o que quer.

Como meu currículo no Brasil era de edição para publicidade, eu fui logo procurando fazer contatos nessa área primeiro para poder me estabilizar financeiramente. Depois comecei a juntar o equipamento necessário para fazer projetos maiores. Eu trabalhei entre publicidade e cinema independente por alguns anos, até conseguir a oportunidade da série do Neymar, quando consegui então migrar da publicidade pro streaming.

No momento, eu tenho trabalhado majoritariamente com montagem de documentários e conteúdo para televisão. Num futuro de médio prazo, eu gostaria de migrar para conteúdo narrativo e para as telas de cinema. Um passo de cada vez. Eu estou muito satisfeita com o meu momento atual.

Atualmente em exibição na cidade de Los Angeles, o seu mais recente projeto foi o “I See You”, curta que já conta com dois grandes prêmios. Poderia falar um pouco mais sobre os bastidores desse projeto e o que tem achado da recepção dele?

Esse projeto foi uma delícia, e já é meu quarto projeto com o diretor Michael Carnick, com quem eu amo trabalhar. Esse sempre escolhe contar histórias peculiares e fazer abordagens inusitadas. “I See You” conta a história de um senhor e uma senhora que se conhecem na UTI de um hospital, e iniciam um romance. O filme não tem diálogo, apenas música – então as imagens dizem muito.

O amor entre pessoas mais velhas, especialmente o contato físico, pode ser um tabu, e pra muitas pessoas algo desconfortável de assistir. Eu amo como o Michael se propôs a quebrar essas barreiras e a mostrar imagens tão sensíveis, de forma tão humana.

Ele também me deu muita liberdade criativa de experimentar com a edição. Tem sido muito prazeroso e ver o quão positivas são as reações das plateias nos festivais de cinema.

Você é instrutora de Yoga há mais de 10 anos e a prática parece ser grande na sua vida. De que forma a Yoga influencia no seu trabalho no audiovisual?

Existiu um período da minha vida que era muito difícil para mim mesma entender como esses dois lados da minha personalidade se integrariam. Eles pareciam tão dividos.

Ou eu estava conectada com a Fernanda Yogini, que quer acordar ao nascer do sol, meditar, se alimentar a base de plantas e viver uma vida tranquila e espiritual; ou eu estava conectada com a Fernanda Editora, que quer passar 12h do dia sentada na frente de três monitores trabalhando, viver de refeições convenientes como pizza ou fast-food, e ter uma vida de cinema e glamour.

Aos poucos eu fui percebendo que todas as vezes que passava tempo demais com uma Fernanda só, eu acabava frustrando a outra. A Fernanda Yogini tinha paz, mas não tinha satisfação criativa porque o cinema é minha paixão. E a Fernanda editora tinha satisfações momentâneas dos resultados do trabalho, mas tinha desconfortos físicos e stress mental constante.

Hoje em dia, eu acendo para editar o mesmo incenso que eu acendo no final do dia para dar aula de Yôga. Eu agradeço pela paz, conforto e satisfação que o Yôga me traz, tirando a expectativa de que a minha carreira precisa suprir completamente a minha satisfação. Eu uso diariamente para trabalhar no Cinema as técnicas do Yôga.

As longas horas da montagem não prejudicam a saúde do meu corpo porque eu sei como aliviar a tensão e devolver mobilidade para ele. Eu não tenho dificuldade de me concentrar no trabalho, porque a meditação diária me ensina a direcionar minha atenção. Eu lido bem com situações de stress e com outras pessoas, porque eu utilizo técnicas de respiração que mantém minhas emoções sobre controle.

E além de tudo, eu sei as histórias que eu quero contar porque eu sou profundamente conectada com meus valores morais, algo que só os anos de Yoga e auto-estudo puderam me mostrar com clareza.  E ainda assim, tem dias que uma das Fernandas está mais ativa do que a outra, e tá tudo bem, porque na verdade apesar de um pouco contraditórias, seguem sendo a mesma pessoa.  Procurar manter o equilíbrio é a chave.

Fernanda Schein (Foto: Divulgação)

Já nos Estados Unidos, você ingressou na New York Film Academy, uma das mais respeitadas instituições de ensino de artes cênicas do mundo, e isso acabou abrindo portas para trabalhos em produções premiadas, como foi o filme “Forbidden Wish”, melhor longa pelo Santa Monica Film Festival disponível no Prime Video e o “The Boy in The Mirror”, vencedor do prêmio de melhor curta-metragem no California Women’s Film Festival. O que essa formação significou para o seu currículo e quais foram os principais aprendizados que teve ao estudar na academia?

Eu amo a NYFA e sou muito grata por tudo que aprendi e pelas pessoas maravilhosas que conheci lá. Mas para ser sincera com você, a NYFA nem tem uma notoriedade tão grande aqui nos EUA. Se você for procurar no ranking das escolas de cinema nos EUA, ela vai aparecer lá embaixo. Porque é uma instituição pequena, e é majoritariamente frequentada por estudantes que vem de fora do país.

Quando eu fui aceita na NYFA e comecei a comentar com meus colegas de trabalho em Porto Alegre que iria estudar lá, alguns deles me mostraram no YouTube filmes de alunos feitos lá, me dizendo que não eram bons filmes e eu talvez eu não devesse estudar lá. Mas era uma das únicas escolas que permitia fazer o Mestrado em apenas um ano e depois dava um visto provisório de trabalho por mais um, e eu queria me formar rápido porque queria trabalhar logo.

E o que eu respondi para esses amigos, foi que no Brasil eu estudei em uma das melhores faculdades de publicidade do país (ESPM), com uma das melhores estruturas de aprendizagem e equipamentos moderníssimos. E ainda assim, eu tive colegas que passaram a faculdade inteira reclamando de tudo. E enquanto eles focavam no problema, deixavam de aproveitar o ensino privelegiado que eles tinham ao invés de dar valor a ele. Então mesmo que a NYFA não fosse a melhor universidade, eu sabia que ia aproveitar o máximo do que ela tinha a me oferecer, porque eu tinha muita vontade de aprender.

Quando comecei o curso, e entendi que parte do programa era fazer diversos curtas-metragens, eu também mudei completamente de visão sobre aqueles filmes de alunos que me mostraram como algo ruim. Porque agora eu era aluna: e mesmo com equipamento de ponta, auxilio de excelentes instrutores, e as mesmas câmeras que usam na TV… eu fiz filmes péssimos! Porque a gente aprende errando. E pra fazer filmes bons, a gente precisa antes fazer alguns filmes ruins. Os maiores cineastas do mundo têm trabalhos que foram considerados fracassos. E nem todo mundo que estuda na melhor universidade é o melhor profissional.

A pergunta é, que tipo de pessoa você quer ser? A que deixa as oportunidades passarem porque tá preocupado demais em reclamar do que já tem, ou a que reconhece e utiliza das suas oportunidades ao máximo, e depois abre oportunidades para os outros, com menos acesso?

Em uma de suas citações, você diz que para trabalhar com cinema, é preciso saber qual a mensagem que você quer passar para o mundo, principalmente pelo fato de lidarem com as pessoas e seus sentimentos. Qual acredita ser o fator que mais a move dentro desse tipo de arte e como é a satisfação de receber o feedback do seu público? Existe algum momento que mais tenha marcado a sua carreira?

O que me inspira é a vontade de contar histórias de que elevem a consciência do mundo. Como praticante de Yoga, eu vivo uma jornada de auto-estudo para elevar minha própria consciência, e como instrutura, eu assumo a responsabilidade de ajudar outras pessoas nessa própria jornada. O cinema se torna mais uma ferramenta para fazer isso.

É da natureza do ser humano ouvir e contar histórias, e quando uma historia nos toca, ela nos muda. Você nunca assistiu a um filme que te carregou por tantas emoções que parecia até que aqueles personagens eram reais? Você não saiu se sentindo diferente dessa experiência?

O cinema incentiva a gente a pensar, a questionar, a ver a vida por outras perspectivas.

Um dos momentos mais marcantes da minha carreira foi quando viajei para Washington para apresentar meu curta “The Boy In The Mirror” em um festival. Esse filme conta a história de um personagem com transtorno de múltipla personalidade. No final da exibição, uma pessoa da plateia me procurou para me contar que havia uma história muito parecida na família dela, e que o filme foi para ela uma oportunidade de processar os sentimentos dela sobre aquilo, enquanto assistia aquelas personagens fictícios lidando com uma situação que pra ela é verdadeira. Essa humanidade do cinema é sempre minha maior inspiração.

Já para esse ano de 2023, você já tem três produções que estão para estrear no streaming, sendo eles “Envenenados: O Perigo na Nossa Comida”, o longa “Farewelling”, dirigido por Rodes Phire e o curta “Last Minute”, de Joel Junior. Como estão suas expectativas para as estreias?

Esperar a estreia é a pior parte! Até porque as datas sempre mudam. Sinceramente, há um ano eu achava que essas três produções já estariam disponíveis hoje e cá estamos ainda aguardando o lançamento. Estou ansiosa para que saiam logo. Esses três projetos são completamente diferentes um do outro, mais são todos muito importantes pra mim. Mal posso esperar para poder compartilha-los com todos.

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*Com Júlia Vasconcelos

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