Em “Em Busca do País das Maravilhas”, série de cinco livros escrita por Joaquim Coelho, um jovem brasileiro se depara com uma intrigante lenda urbana ao ingressar na Universidade de Oxford: a possível existência de um terceiro volume inédito de Alice no País das Maravilhas, escrito por Lewis Carroll. Martin Roque, o protagonista, embarca em uma perigosa jornada para desvendar o mistério, ao lado de um grupo de amigos igualmente fascinados pelo clássico literário. A série, que mistura suspense, realismo mágico e referências literárias, promete envolver os leitores em uma trama cheia de enigmas, sociedades secretas e um serial killer à solta no campus. Com o lançamento do último volume previsto para 2025, a saga já se consagra como um tributo à curiosidade humana e à obra de Carroll.
O que inspirou você a criar a série “Em Busca do País das Maravilhas” e como surgiu a ideia de conectar a trama com a lenda de um terceiro volume de Lewis Carroll?
Fui uma criança com híperfoco em Alice no País das Maravilhas. Na casa da minha mãe, na minha cidade natal, teve uma época em que cheguei a ter quase 60 edições diferentes do mesmo livro. Também tinha um hábito de colecionar objetos que remetiam a história: tinha caixas cheias de chaves antigas, relógios de bolso, cartas de baralho, xícaras… Cresci com a história alimentando o meu imaginário e criatividade. Chegou um momento em que cansei de reler a mesma história e comecei a pesquisar o autor e como o livro surgiu, talvez de um desejo de entender essa mágica na história que me enfeitiçou tanto. Foi quando descobri que a vida do Lewis Carroll era cheia de mistérios e pontas soltas que estão até hoje carecendo de explicações: ele era um criptógrafo, um cara de exatas super-racional e lógico que, por algum motivo, era obcecado com o sobrenatural; ele desapareceu com os próprios diários, há diversos buracos propositais que ele criou na sua biografia; e também tinha o hábito de esconder “tesouros” nos lugares onde morava. Na mesma época, na adolescência, fiquei fascinado com thrillers, principalmente os que envolviam conspirações e enigmas, como os livros do Dan Brown, em que personagens saem numa caça ao tesouro, visitam pontos turísticos e descobrem curiosidades sobre arte e história. Uma influência se misturou com a outra e nasceu o primeiro livro da série em poucos meses, fruto de mera paixão e inspiração.
Como você desenvolveu os personagens Martin Roque, Nicole Fialho, Lucas e Sabrina, e qual é a importância de cada um na resolução dos mistérios da história?
Essa é uma pergunta corajosa, já que todos os personagens da série escondem segredos que são spoilers bombásticos caso eu comece a falar dos seus arcos dramáticos. Mas uma coisa que eu sempre tive em mente na hora de cria-los foi o fato deles serem perfeitos para solucionar o mistério da vida do Carroll: Martin é um acadêmico de letras obcecado em entender seu livro e autor favoritos; Nicole é uma estudante de história; Sabrina é de teologia, sabe tudo sobre ocultismo e o sobrenatural; Lucas já é a força racional da turma, muito lógico e cético. Todos eles representam, em maior ou menor grau, as várias facetas do autor de Alice, os seus interesses e personalidade. Mas fora isso, dou o meu máximo para fazê-los tridimensionais. Todos os personagens são motivados por perdas e traumas do passado, e esses problemas internos vão sendo aos poucos revelados de modo que cause conflito e, claro, muito entretenimento na trama.
Pode nos contar mais sobre a pesquisa e os detalhes históricos e literários que você incluiu na série? Como esses elementos enriquecem a narrativa?
Eu geralmente uso os detalhes históricos e literários como forma de movimentar o enredo e criar obstáculos. Grande parte da trama funciona como uma caça ao tesouro, os personagens precisam decifrar pistas deixadas pelo Lewis Carroll para poder encontrar artefatos ou localizações importantes. Essas pistas — e a resolução delas — sempre estão ligadas a alguma curiosidade histórica sobre Alice. Vou dar um spoiler: “Lewis Carroll” não é o nome de verdade do escritor, seu nome era Charles Dodgson; ele criou esse pseudônimo não só como uma forma de se afastar da fama, mas também porque era gago e não conseguia pronunciar seu nome completo. Ele sempre empacava na sílaba inicial de Dodgson e acabava dizendo Do-do. Isso acabou dando origem ao personagem do pássaro Dodô, foi uma autoinserção de Carroll na sua própria história. Em Oxford também há um antigo Dodô empalhado (que Carroll chegou a ver durante uma exibição no museu local na companhia de Alice Liddell, a garota real que inspirou a protagonista). Na minha série, os personagens recebem uma pista de que há algo importante escondido “dentro da cabeça de Dodgson”. E, através dessa pesquisa, eles acabam entendendo que, na verdade, Lewis Carroll escondeu algo na cabeça do Dodô empalhado da faculdade. Meu objetivo com isso não é só gerar entretenimento, mas também trazer educação e cultura ao leitor. É especulado que Carroll, como professor e por viver num tempo em que a educação não era ainda um direito de todos (muito menos de meninas, as quais ele mantinha muitas amizades), escreveu Alice como uma forma de subliminarmente educar sobre vários assuntos. Ao ler Em Busca do País das Maravilhas, esses assuntos são expostos para o leitor. Aprendemos não só sobre curiosidades do processo criativo do escritor, mas também sobre a matemática, filosofia e ciência que estão infusas nos seus trabalhos.

A série combina elementos de mistério, suspense e realismo mágico. Como você equilibra esses gêneros para criar uma experiência coesa e envolvente para os leitores?
Eu sempre digo para mim mesmo que Em Busca do País das Maravilhas é uma série primariamente de mistério. Até mesmo quando a trama fica ousada e se aventura em outros gêneros (SPOILER LIVRO 4 E 5: no último volume lançado, os personagens estiveram no próprio País das Maravilhas, que, sim, é um lugar real nesse universo FIM DO SPOILER), a estrutura narrativa ainda continua sendo de natureza investigativa. Cada volume começa com ganchos que são abertos e não fazem muito sentido inicialmente, mas, à medida em que o enredo progride, essas lacunas vão se preenchendo e sendo explicadas através de reviravoltas e descobertas feitas pelos protagonistas, assim como seria em um livro tradicional de mistério.
Qual foi o maior desafio ao escrever os enigmas e códigos que os leitores podem desvendar junto com os personagens?
Até o momento não tive muitos desafios. Criar enigmas e códigos é algo que vem naturalmente para mim. Acho que a minha maior dificuldade está mais em como fazer os códigos sempre serem relevantes para a progressão do enredo e encaixá-los de forma natural.
Como você criou a sociedade secreta dos Carrollianos e o antagonista conhecido como Rainha de Copas? Qual a importância desses elementos na trama?
Você está querendo que eu dê spoiler, né? É para dar spoiler aqui? Você leu os livros? Suas perguntas fazem parecer que sim. Falar diretamente sobre isso envolveria contar toda a história de 5 livros. Se for para dar uma resposta breve e sem spoiler, criei para gerar tensão na trama. Claro, a função deles na história vai além disso, mas falar muito sobre envolveria ter que dizer quem é o assassino, por exemplo. A minha intenção com esse personagem foi reforçar a mensagem da série sobre tomar cuidado com o que deseja e as consequências de se deixar levar demais pela curiosidade e ambição.

Pode compartilhar algum detalhe interessante ou curiosidade sobre a criação dos cenários e ambientações na Universidade de Oxford que aparecem na série?
Quando se estuda Carroll você vê que quase todas as suas influências estão presentes em Oxford. A portinha que Alice atravessa para chegar ao Jardim da Rainha de Copas é na verdade uma pequena porta que liga a faculdade aos jardins da igreja de Christ Church. As cenas em que o pescoço de Alice se espicha e aumenta de tamanho quando ela come ou bebe algo é uma referência sobre a experiência de jantar no refeitório da faculdade – quando os estudantes e professores fazem as suas refeições lá eles geralmente observam os guarda-fogos nas lareiras que são no formato de cabeças com pescoços longos. [SPOILER DO LIVRO 4]: Quando Lewis Carroll era criança, o pai dele era responsável por cuidar de uma catedral em Ripon em que há esculturas de coelhos em suas tocas. A mesma igreja também tem uma cripta com um corredor que se alarga à medida que você o atravessa, gerando a ilusão de óptica em que parece que você está diminuindo de tamanho. Na minha série, Ripon acabou se tornando o local onde a entrada para o País das Maravilhas está escondida. E o pai de Carroll acabou sendo reimaginado como membro de uma sociedade secreta que vigiava a catedral em prol de proteger a toca do coelho, que está debaixo dela, na cripta. [FIM DO SPOILER]. Tento ser fiel ao máximo com as localizações reais, mas como nunca fui em Oxford pessoalmente, as minhas descrições se limitam a imagens do Google Street View, vídeos no YouTube e descrições de outras pessoas que li em pesquisas. Nem sempre sou 100% fiel, às vezes mudo propositalmente um pouco (ou muito) os fatos para se adequar às necessidades da história. Jamais permito que a minha criatividade seja limitada pela realidade.
O que você espera que os leitores levem de Em Busca do País das Maravilhas ao terminar a série? Há alguma mensagem ou sentimento específico que você gostaria de transmitir?
Estou apaixonado por essa pergunta, pois estou escrevendo o último volume da série agora e ela está sempre na minha cabeça. Em Busca do País das Maravilhas sempre foi uma cautionary tale, uma narrativa feita para alertar. Nesse caso, sobre as consequências da ambição e curiosidade desmedidas, mas sem generalizar nem trazer como vilão o intelectualismo (os personagens geralmente conseguem sair das enrascadas por também serem sabe-tudo). No decorrer da série vemos Martin tomar decisões impulsivas simplesmente por seguir sua curiosidade insaciável e isso acaba trazendo muitas, muitas, MUITAS consequências desastrosas para ele, seus amigos e todo o mundo. Toda a história vai culminar numa consequência fatídica e irreparável para o protagonista. Transformando isso aqui numa sessão de psicanálise, sinto que a jornada de Martin reflete um pouco a minha: tentando seguir uma ambição de escrever uma série de 6 volumes (a maioria das pessoas luta a vida inteira para terminar um único livro) que já dura mais de uma década, seguir uma carreira artística e, no processo, pesquisar e estudar um monte sobre todos esses assuntos. Durante essa década eu percebi que o estudo intenso, curiosidade e dedicação edificam sim, mas também quanto mais você sabe, quanto mais alta é a sua ambição, mais isso te afasta das pessoas e gera um tipo diferente de alienação e isolamento. Você deixa de entender como fazer coisas simples, como ter amigos e se conectar com os outros. Ter desejos e sonhos é importante, mas não devemos permitir que isso suprima as nossas relações sociais. É necessário um equilíbrio entre intelectualidade e humanidade. Pode não ser uma mensagem tão universal – reconheço que soa como algo “de nicho” e hermético –, mas é o que eu sinto que a história tem de verdadeiro e é nessa nota que ela se fecha.
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