Depois de revelar os singles “Não Tenho Mais Créditos”, “Deixa Eu Falar II” e a faixa-título “Vale da Realidade”, o cantor e compositor carioca Claudio Lyra entrega seu terceiro disco solo em um lançamento do selo Caravela Records, com distribuição da Warner Music Brasil. O trabalho marca uma nova fase para o artista, que assina a produção ao lado de Jr Tostói (Lenine) e onde mescla a sua tradicional base de música brasileira com tons eletrônicos.
Com um pé em tons oitentistas e outro em estéticas mais modernas, Lyra usa de guitarras, instrumentos eletrônicos e sintetizadores para criar uma sonoridade que vai além do violão que o acompanhou nas primeiras etapas de sua carreira solo. A temática das canções passeia por reflexões pessoais e universais, oferecendo um olhar para dentro de si e para o mundo ao redor. Esteticamente, o surrealismo dá o tom – tanto dos vídeos, quanto das fotografias.
No seu “Vale da Realidade”, surgem assuntos como a influência da tecnologia na sociedade e impessoalidade e padronização das relações humanas na contemporaneidade, como em “Não Tenho Mais Créditos” e na vinheta bem-humorada “Não Sei Onde Botei Meu Telefone”. A solidão e a reflexão pessoal surgem nas despedidas de “Nesse apê” e na faixa-título. Um chamado à união em “Tô aqui” (com participações de Mariana Dias e Gabriel Lyra) encerra o álbum em tom otimista.
Já adiantando as três primeiras faixas do novo álbum “Vale da Realidade”, você finalmente entregou o seu terceiro disco em carreira solo em parceria com a Caravela Records. Como estão sendo as suas expectativas em relação à recepção do público? Tem recebido muitos retornos sobre o trabalho?
Esse foi um disco feito em circunstâncias muito diferentes do que eu estava acostumado, por causa da pandemia, que não permitiu aquela rotina do estúdio de gravação. Isso também me fez não criar grandes expectativas, já que não sabemos quando será possível mostrar o trabalho novo ao vivo, e ter o retorno do público nos shows. Mas o retorno tem sido muito positivo, mesmo o de quem estava acostumado com a sonoridade analógica dos meus discos anteriores. Acho que isso é porque a essência do trabalho continua a mesma.
Esse trabalho está sendo o início de uma nova fase em sua trajetória musical em que além de novas pessoas na equipe, como o produtor Jr. Tostói, a fase vem sendo marcada por uma mescla de músicas tradicionais brasileiras que se encontram com o estilo eletrônico. O Brasil está sempre muito ligado ao MPB, samba, funk e outros gêneros que tem tido um crescimento constante no país durante as últimas gerações. A música eletrônica já tem tido uma base de criação forte em solo nacional?
Esse disco é marcado pela presença dos sintetizadores e da guitarra elétrica, sem abrir mão da brasilidade. Quando defini o conceito do trabalho, pensei Jr Tostoi imediatamente para produzir comigo. Ele é um craque da guitarra e das texturas sonoras e o resultado superou em muito o que eu esperava. O casamento da música brasileira com a música eletrônica já rola há tempos. O próprio funk e Rap são frutos deste casamento. A Nova MPB também transita confortavelmente nesse território. Esse meu trabalho é mais um capítulo dessa história.
O álbum “Vale da Realidade” está sendo ambientado em um mundo bastante reflexivo que foca em questões de identidade e temas relacionados à nossa própria existência em relação ao universo. Você acredita que as pessoas estejam a cada dia perdendo o contato com si mesmo? Em que ponto percebeu que os indivíduos estavam deixando de se reconhecerem?
Meu trabalho sempre foi fortemente marcado pelas questões existenciais. Sempre questionei o meu lugar de fala no mundo, já que sou branco, hétero e classe média. Os temas relacionados à existência são comuns a todos, e portanto naturalmente sempre abordo eles em minhas canções. Acho que vivemos num tempo em que as pessoas se sentem cada vez mais sozinhas, e a pandemia aumentou muito esse sentimento. O individuo se sente pressionado a postar uma vida ideal nas redes sociais, mas quando olha para a realidade, o contraste pode ser muito pesado. Muitos amigos vivem angustiados e sem perspectivas. Esse disco aborda essas questões.
Seguindo ainda o contexto da filosofia que procuraram trazer no projeto, a questão da influência tecnológica é algo que vem sofrendo uma forte crítica, ainda mais entre as gerações em comparação com a atual que já nasceu nos tempos dos dispositivos modernos. Na sua opinião, ela é um vilão ou um acréscimo para a sociedade?
Como tudo na vida, a tecnologia não tem apenas um lado, seja ele ruim ou bom. Existem aspectos positivos, como o acesso a informação em umas escala sem precedentes, a possibilidade de estar em contato instantâneo com pessoas em qualquer lugar do mundo, entre outras coisas, mas também tem os aspectos negativos, como a dependência e angústia que os dispositivos causam nas pessoas, a crescente impessoalidade nas relações humanas, a propagação da mentira como arma de dominação política, entre outros fatores que ainda estamos tentando entender. Este álbum tem a algumas canções que tratam diretamente destas questões, como Não Tenho Mais Créditos e Não Sei Onde Botei Meu Telefone.
Sobrinho e parceiro de Carlos Lyra, um dos pais da bossa nova, você leva contigo a arte e poesia no sangue. Conte-nos um pouco quem é Claudio Lyra e o que a arte representa em sua vida?
Claudio Lyra é um artista que tenta viver o agora, que acredita que o sentido da vida é estar em movimento, em sintonia com as pessoas a sua volta. A arte está presente em cada momento, as vezes de forma direta, quando está compondo, produzindo ou cantando, mas também ao arrumar a cama, limpar a areia dos gatos ou na hora de fazer o almoço. Ele acredita que mais do que viver da poesia, o que realmente importa é viver a poesia no dia a dia.
Além de seu próprio trabalho autoral, você compõe também para cinema, TV, teatro e dança. Para ser artista é necessário estar em todas as categorias da arte? O que o leva a seguir todas essas vertentes?
Compor música por encomenda foi o jeito que encontrei para viver da música que escrevo. Não me dei muito bem tocando na noite, pois muitas vezes as condições de trabalho eram ruins além de pagar mal e de ter que trocar a noite pelo dia muitas vezes na semana para pagar as contas. Descobri que gostam mais do trabalho em estúdio e quando vi que era possível viver de trilha sonora mergulhei de cabeça nessa área. Não se se é necessário estar em todas as categorias da arte, acho que é melhor se especializar cada vez mais em alguma coisa. No meu caso é a composição e a produção. Mas sou muito curioso e inquieto, portanto acabo me aventurando por outras vertentes.
Em um momento de tanta dificuldade que a sociedade tem vivido diante da pandemia, gostaria que você deixasse uma mensagem de positividade ao público que estiver lendo essa entrevista.
Estamos realmente passando por um momento muito difícil, possivelmente o mais difícil de nossas existências até aqui, mas como tudo na vida isso vai passar. A humanidade já enfrentou crises como essa, e até piores, e conseguiu superar e continuar a evolução. Não será diferente dessa vez. Sairemos mais fortes e mais conscientes do que realmente é importante. Não vejo a hora de poder tocar ao vivo, olhando olho no olho do público, e de encontrar os meus amigos.
O que te chamou atenção para que pudesse criar um álbum que te leva a reflexões pessoais e universais, oferecendo um olhar para dentro de si e para o mundo ao redor?
Este disco nasceu, em grande parte, das conversas que tive com meus amigos, a respeito deste momento que estamos vivendo. Mesmo antes da pandemia, já estávamos passando por um momento difícil, de grande polarização, de relações estremecidas e de grande incerteza quanto ao futuro. A pandemia chegou no meio do processo de composição e produção deste trabalho e serviu de catalizador para tudo isso. O álbum é uma consequência direta das minhas reflexões e sentimentos a respeito de tudo que estamos passando.
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