Com mais de cinquenta filmes no currículo, Charles Paraventi, arrebatou o espectador com o filme Marighella nos cinemas. A trama dirigida por Wagner Moura, e produzida pela O2 Filmes, conta a história de Carlos Marighella, guerrilheiro do partido comunista brasileiro, assassinado em 1969. No elenco, Charles Paraventi deu vida a um agente do Governo dos Estados Unidos, peça crucial e relevante no conflito explorado pela trama, ao viver a relação entre o Governo brasileiro e o Governo americano, na ditadura militar. Seu personagem se desenvolve, atravessando momentos importantes, e expondo situações emergentes, que levam ao clímax do filme.
Bob, (personagem de Charles Paraventi), rouba a cena com o trabalho cênico realizado pelo ator, que deu vida ao agente americano. A prosódia, o sotaque, a persuasão, e toda construção das características do personagem americano, foram artesanalmente executadas pelo ator, de maneira impecável, impactando a todos que assistem o filme. O silêncio, e o olhar de Bob, encarnam em tom justo a relação entre o Governo brasileiro e o Governo americano, na ditadura militar. Charles Paraventi brilha em atuação digna de elogios e aplausos.
Charles Paraventi nasceu em Nova Iorque, no ano de 1969, onde começou a carreira fazendo shows de mágica aos cinco anos, em um clube brasileiro, tendo como assistente a própria mãe. Ainda pequeno, participou de várias peças de teatro infantil. Já no Brasil, em 1986, encarnava personagens e realizava imitações de seus amigos e professores em sátiras divertidíssimas. Sua facilidade na escrita lhe ajudou a criar textos que declamava e interpretava sem dificuldades. No Brasil, estudou na CAL- Casa das Artes de Laranjeiras participou de peças em teatros lotadas e filmes vencedores de diversos prêmios: Bárbara Não lhe Adora, O Burguês Ridículo, Tainá – Uma Aventura na Amazônia, Cidade de Deus, Malhação, e diversos outros trabalhos marcam a trajetória do ator.
Dono de um currículo impressionante que já constam mais de 50 filmes, o último sucesso que participou foi do filme “Marighella” que conta a história de um personagem que foi muito importante para a história antiga do Brasil. Como é a responsabilidade de estar envolvido em uma história que toca tanto em nossos ascendentes?
É uma responsabilidade muito grande pois trata-se de uma histórica verídica e biográfica que pega uma fatia do final da vida do guerrilheiro Marighella. É muito importante a gente não esquecer porque não foi tão antiga, eu nasci em 69 e ele morreu em 69, e eu considero uma parte do Brasil vivo ainda. É bom a gente não esquecer o que aconteceu, muita gente não sabe da existência do Marighella, e eu acho importante, não só dele, mas da luta contra a ditadura que foi uma parte obscura da nossa história.
Durante a história do filme, o seu personagem foi um agente do Governo Americano que foi um dos pilares centrais para o conflito da ditadura militar abordado na trama. Como funciona o seu estudo para esse papel? Foi necessário um mergulho para conseguir montar o contexto da participação desse personagem em algo baseado em fatos reais?
Eu sou um grande consumidor de história e conheço muito bem o jeito do governo americano na época, o pavor do comunismo e como eles metiam os tentáculos nos governos querendo aniquilar o comunismo. Eles faziam de tudo em qualquer país, seja na Ásia, Vietnã, nos governos sul-americanos após a 2° Guerra Mundial …. isso tudo fez com que o americano se tornasse o “policial do mundo”.
Durante uma entrevista ao podcast de Mano Brown no “Spotify”, o diretor Wagner Moura falou com bastante detalhamento a riqueza que existe por trás da produção de “Marighela”. Como foi a parceria de vocês durante esse projeto e “o que é trabalhar com Wagner Moura”?
Trabalhar com o Wagner foi uma maravilha! Mesmo porque ele é ator, e acho que por nós dois sermos atores, conseguimos trabalhar numa mesma frequência. Ele foi um lorde no set e um grande profissional. Eu amei trabalhar com o Wagner e espero ainda o segundo filme dele com ansiedade.
O seu personagem, no caso, o Bob, viveu em um momento muito desafiador da história, onde foi o responsável por vazar diversas informações e situações que iriam contribuir para o clímax da história. Enquanto estava interpretando-o, você já imaginou como teria sido viver esse agente na vida real lá na época da ditadura? Como imagina lidar com o que ele passou na vida?
Viver na época da ditadura deveria ser muito ruim, principalmente para quem era contra a ditadura. Tinha que ter cuidado com o que e com quem você fala, com o que você lê, aquilo deveria ser uma prisão horrível! Para o Bob isso era um desafio, porque o intuito dos Estados Unidos era acabar com o comunismo, e quando o parceiro do meu personagem foi morto pela guerrilha, o Bob queria vingança.
Na sua opinião, porque as pessoas devem assistir “Marighela” e em qual sentido o filme contribuirá para o nosso desenvolvimento como integrantes de uma sociedade única?
As pessoas devem querer assistir “Marighella” porque faz parte da nossa história, e o Brasil precisa saber que houve essa luta para a liberdade de expressão, contra a opressão, e é isso que a sociedade quer, ter um pensamento livre, poder ler e ver o que quiser, falar contra o governo se estiver insatisfeito. Isso tudo são leis naturais do homem e para uma sociedade funcionar ele tem que ser livre e tem que lutar pelos seus princípios, sendo eles a liberdade de expressão, a de ir e vir, e por aí vai.
Existe uma questão técnica que costuma dividir bastante a opinião entre alguns atores – a questão da construção do personagem. Enquanto muitos acreditam que ele venha do seu ser natural, outros creem que eles sejam montados através de elementos externos. Como artista, você acredita que o personagem nasça a partir do ator ou ele seja visto como uma coisa a ser totalmente projetada?
Isso depende muito do ator. O meu ator é do tipo “Pai de Santo”. Eu leio o texto, dou uma estudada na época e no contexto e o personagem vem. Eu prefiro que o personagem venha do inteiro desse jeito porque ele fica mais natural. Se você for ficar ornamentando muito ele deixa de ser natural, ele fica uma forma projetada, ele não fica um ser, uma entidade crível.
O quão do Charles Paraventi existe dentro do Bob? O que vocês têm em comum entre os dois além da encarnação?
A única semelhança entre o Bob e o Charles Paraventi é quem ambos são gringos, ambos dos Estados Unidos. Eu não sou muito politizado, eu prefiro manter as minhas opiniões para mim, e é apenas isso.
O Bob é um personagem que conseguiu atrair muito o público pelas suas características marcantes, tais como o sotaque, persuasão, o silêncio e o olhar, por exemplo. Qual acredita ser o principal ponto forte de seu personagem e o porque dessa aproximação tão grande do público?
O forte do personagem é que ele é o emissor do governo americano querendo interferir em um outro país, nesse caso, o Brasil. Sobre a aproximação com o público, eu fico lisonjeado, porém, eu acho que a gente pode falar muito só com gestos ou com o olhar, e no caso do cinema, o menos é mais. Eu não procurei fazer uma coisa muito operesca, porque acho que o personagem é um cara sangue frio e de barata. Uma pessoa que é representante de uma potência mundial e que não precisa gritar, não precisa xingar, espernear para mandar a sua mensagem.
Você nasceu em Nova Iorque, mas nunca perdeu suas raízes com o Brasil. Você acredita que essa dupla cultura instaurada em você contribui para o seu crescimento profissional?
Com certeza! Essa mescla cultural que tenho me ajudou muito na minha carreira profissional. Já interpretei filmes americanos, brasileiros, espanhóis, argentinos, enfim. Eu tive a sorte de ter essas duas culturas, e isso acabou abrindo um leque de possibilidades para mim, e eu agradeço muito.
O que muitos podem passar a saber somente agora, é que ainda aos cinco anos de idade, você rodou clubes brasileiros nos Estados Unidos com shows de mágica. O ator em sua função, ele mexe também com o ilusionismo do público, fazendo com que o enredo e a experiência demonstradas por seus personagens atinja de forma fidedigna os espectadores. No caso a mágica que fazia nos clubes transcendeu à que é vivenciada hoje nas telonas?
Eu comecei como mágico mirim aos cinco anos de idade e depois que eu pisei no palco era a única coisa que eu queria fazer. Minha mãe era a minha assistente, me deu muito apoio, eu tenho até que agradecer a ela e a minha família por todo o apoio. Eu não vejo como uma anormalidade como os pais falam – “pô, você vai ser ator, profissão de vagabundo. Vai ser médico, dentista …”. Em relação a como isso reflete no meu trabalho atual, eu já acho diferente. Claro que tem uma imagem, uma representação da realidade, aí vem a parte do ilusionismo. Mas quando eu pego um personagem, eu sou fiel a ele. Eu tento não fingir ser, mais ser o personagem. Eu tenho a ilusão de enganar todo mundo, uma ilusão real, digamos assim.
Sabendo que cada personagem traz um novo olhar sobre o mundo com maior amadurecimento, como esse seu novo personagem tem contribuído para o seu crescimento?
Eu não acredito que o personagem contribuiu para o meu crescimento. Acredito que o filme inteiro contribuiu para o meu crescimento. Saber que esse filme será visto por pessoas que não tinham ideia de quem era Marighella, acho uma responsabilidade maravilhosa, e espero que o Brasil aprenda com esse filme. Eu tenho a honra de ter trabalhado nele e estou muito feliz.