A irreverência do punk e do hardcore ganha novas camadas no “Empacotado”, novo álbum da banda carioca Meu Funeral, lançado no último dia 19 de setembro em todas as plataformas pela Marã Música. Composto por Luquita (voz e violão), Dan (baixo), Pepe (guitarra e backing vocal) e Tent (bateria e coreografias), o trabalho mescla humor, existencialismo, críticas cotidianas e experimentações sonoras que criam uma atmosfera “estranhamente maravilhosa”, segundo os integrantes. O disco, que conta com participação de Duda Beat e produção de Tomás Tróia, reafirma o grupo como um dos nomes mais criativos do rock brasileiro atual e ainda ganha videoclipe da faixa “Velho Pra Sempre”, que aposta no contraste entre a velocidade da música e a lentidão das imagens.
O “Empacotado” é descrito como um álbum que transita entre humor, caos e experimentação. Se vocês pudessem resumir esse trabalho em uma única imagem ou metáfora, qual seria?
O auge de uma festa de aniversário com muitos convidados pode ser uma boa imagem. Sempre tem alguém muito feliz, alguém brigando, gente passando mal, aquele doidão que resolve passar um café 2 horas da manhã… Tá tudo ali de uma forma meio caótica e espontânea.
Algumas músicas têm mais de dez anos e outras foram criadas minutos antes da gravação. Como foi equilibrar essas fases tão diferentes da vida de vocês em um mesmo álbum?
Foi uma experiência bem diferente no que diz respeito à seleção de repertório. Foram escolhas muito casuais, um processo quase irresponsável. A gente acordava, tomava café e falava “E aí, qual vamos gravar hoje?”, e a gente escolhia alguma música pronta, semi pronta ou alguma ideia e trabalhava. Nos outros álbuns a gente pegava 20 ou 30 demos e escolhíamos qual íamos trabalhar antes de começarmos o processo de gravação. Então o Empacotado foi muito um retrato daquele dia específico em que fizemos a escolha de gravar aquela música específica. Ele foi tomando cara de disco ao longo do processo de gravação e no fim ficou com cara de álbum e com uma diversidade sonora que representa muito bem o que é o Meu Funeral hoje.

Vocês comentaram que este disco é “menos engraçado” que o anterior, mesmo ainda carregando ironia. Em que momento sentiram que queriam explorar um lado mais denso ou reflexivo nas letras?
Não sei se teve um momento específico. A gente sempre teve nossos momentos de falar sério também, então talvez pelo processo de escolha de repertório, acabamos optando por algumas músicas menos cômicas, mas a essência e a identidade da banda estão bem presentes nesse novo lançamento. Falando assim parece que ficamos sérios como o Dead Fish, mas também não é assim. Acho que “Café” é a música mais engraçada que já fizemos. “Tudo Que Eu Queria” também não é uma música que eu chamaria de séria, mas de fato, tem algumas coisas menos engraçadinhas de modo geral.
A sonoridade mistura camadas de punk, hardcore, pop e influências brasileiras. Como vocês chegam ao ponto de dizer “essa mistura faz sentido, essa é a cara do Meu Funeral”?
Sinto que a identidade da banda vem sendo construída muito em cima do que estamos ouvindo em determinado momento. Então a gente tenta incorporar outros estilos musicais sem forçar a barra, trabalhando para que essa miscelânea faça sentido e que seja mais uma pecinha na construção da identidade da banda. A gente cresceu ouvindo bandas que fazem misturas sem perder a identidade como o Planet Hemp e Charlie Brown, então acho que é dessas fontes que a gente bebe na hora de fazer nossas misturas, só que tentamos fazer isso do nosso jeitinho.

O processo de composição e gravação envolveu muitas experimentações. Qual foi a experiência mais inesperada ou inusitada que rolou no estúdio durante essa produção?
Durante o processo de pós produção na casa do Tomás Tróia, a gente abria uma música e íamos pirando nos barulhinhos. Lembro que ele ficava me mostrando algumas coisas antes de serem lançadas, e numa dessas ele me mostrou “Sem Dormir” do Cícero com participação da Duda Beat, que tem uma parte instrumental muito maneira no final. Eu achei tão irado que sugeri de fazermos algo do tipo numa música nossa, e ele super topou! E assim surgiu o final de “Orgulho de Ser Burro” que ficou uma mistura de Turnstile com Stranger Things (risos). Outra curiosidade é que “Leite com Manga” foi gravada na sessão de gravação que deu origem ao Modo Fufu (nosso primeiro álbum), com Jorge Guerreiro, e lembro que enquanto estávamos gravando a gente saiu usando o máximo de instrumentos e pedais que tinham à nossa disposição. Então tem viola caipira, Moog, guitarra com “Metal Zone” (o pedal que todo metaleiro conhece), ebow pra fazer sustains infinito com a guitarra e até usamos canetas Bic como instrumento de percussão.
Vocês mencionam que o “Empacotado” deve funcionar tanto no fone de ouvido quanto no show lotado. Como pensam na relação entre o público e o som de vocês ao criar as músicas?
A gente geralmente trabalha as músicas de forma bem livre. Acho que esse lance de atender às expectativas do público pode ser uma grande armadilha. A gente gosta de experimentar para não ficarmos nos repetindo, mas ao mesmo tempo tentando manter uma identidade. A “expansão” de nossa identidade tem sido assim: no nosso primeiro EP era punk e hardcore com um ska perdido ali no meio. Depois misturamos com funk e rolou, então pensamos “opa! Podemos fazer rock com funk também”, com pagode foi a mesma coisa. Agora com synth pop e assim vamos esticando a corda. Com relação às canções funcionarem no show lotado, acho que isso tem muito a ver com o fato do punk rock estar no nosso DNA e ser o fio condutor dessas misturas;então independente do som que estivermos fazendo a energia caótica e pulsante acaba se fazendo presente.

A participação da Duda Beat traz um tempero novo ao universo sonoro da banda. Como foi a colaboração e o que ela acrescentou ao resultado final?
A pós produção do Empacotado foi feita pelo Tomás Troia, que é marido da Duda, na casa deles. Então a gente tava junto com uma certa frequência, ela sempre foi uma querida. Ela sempre foi muito acolhedora, então em um papo na cozinha da casa deles eu fiz o convite e ela topou na hora. Eu fiquei meio impressionado pq ela chegou no estúdio de pantufa, com roupa de ficar em casa (porque ele de fato estava em casa, mas é inusitado pra quem tá acostumado a ver ela super produzida em palcos gigantes) e mandou brasa no primeiro take. Foi improvisando umas vozes enquanto gravava e pegando a letra na hora. Ficou lindo. Somos muitos gratos pelo acolhimento e generosidade tanto da Duda quanto do Troia.
Para quem vai ouvir o “Empacotado” pela primeira vez, que faixa vocês indicariam como a porta de entrada perfeita para entender o que é o Meu Funeral hoje?
Pergunta polêmica! Mas acho que a porta de entrada pode ser “Velho Pra Sempre” que abre o disco, aí se gostar fica mais um pouquinho e ouve “Não Sei Me Despedir”. Aí como você é uma pessoa educada, fica pro “Café” que é a próxima e é curtinha… Quando você se der conta acabou o álbum e vc tá dando o play nele de novo.
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