Arnaldo Rocha Filho transforma Ouro Preto em memória, poesia e contemplação em novo livro

Luca Moreira
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Arnaldo Rocha Filho
Arnaldo Rocha Filho

Em Inelutável Modalidade do Visível, Arnaldo Rocha Filho convida o leitor a enxergar Ouro Preto para além de suas ladeiras históricas e igrejas centenárias. A obra reúne crônicas, poemas e textos de jornalismo literário que entrelaçam autobiografia, observação e reflexão, compondo uma narrativa sensível sobre tempo, pertencimento e a busca por sentido nas experiências cotidianas. Entre Minas Gerais, Dublin e outras geografias afetivas, o autor constrói uma jornada que transforma o visível em matéria poética e o invisível em presença constante.

Mais do que uma coletânea de textos, o livro se apresenta como um encontro entre linguagens e memórias. Com fotografias de Eduardo Tropia, ilustrações de Chiquitão e tradução poética de Adriana Iennaco de Castro, a publicação amplia seu diálogo estético ao incorporar diferentes olhares artísticos. As participações de nomes como João Bosco, Carlos Bracher, Guilherme Mansur, Angelo Oswaldo e Edvaldo Pereira Lima reforçam o caráter plural da obra, que se consolida como um mosaico cultural profundamente conectado à identidade ouro-pretana.

Ao transformar lembranças pessoais, cenas urbanas e encontros humanos em literatura, Arnaldo Rocha Filho oferece um convite à contemplação e à escuta. Inelutável Modalidade do Visível propõe um exercício de atenção ao mundo e à condição humana, onde cada palavra busca revelar aquilo que, muitas vezes, passa despercebido — um tributo lírico à cidade, ao tempo e ao ato de observar com espanto e gratidão.

O livro apresenta Ouro Preto para além do cartão-postal. Quando você escreve sobre a cidade, o que está tentando revelar que normalmente passa despercebido aos olhos do turista ou mesmo dos moradores?

Eu conheci Ouro Preto de uma forma diferente daquela que busca o cartão-postal turístico. Cheguei com a família de forma involuntária, pois meu pai havia sido transferido em seu trabalho e eu estava quase completando 17 anos. Encontrei uma cidade com luzes fracas de lampiões e pouquíssimo movimento nas noites escuras dos meios de semana. Esse foi o meu primeiro contato com a cidade, e o que parecia sombrio e triste tornou-se a luz que brotaria no lado oculto dos lampiões e revelaria em mim a chama ávida e múltipla da criatividade e vida. E essa luz não poderia ser percebida pelos turistas.

Em Inelutável Modalidade do Visível, autobiografia e contemplação se misturam. Em que momento você percebeu que sua própria história também era uma chave para interpretar o mundo – e não apenas para contá-lo?

Mesmo que eu já vivesse desde a infância uma eclética curiosidade e uma vontade intrínseca do fazer diferenciado – e isso deveria ser traduzido como uma forma de interpretar o mundo – foi em Ouro Preto que eu recebi a chave que abriria meu mundo para o mundo e vice-versa. Eu não poderia deixar de mencionar a felicidade da existência contextualizada com a época ainda incipiente da alta tecnologia.

A obra atravessa geografias – Ouro Preto, Dublin e outros lugares – mas mantém uma unidade emocional muito forte. Como esses diferentes espaços dialogam dentro de você e se transformam em literatura?

De um modo geral, as pessoas quando viajam para lugares que não fazem parte de seu dia a dia, adoram registrar momentos para contar aos amigos e parentes, assim como eu. Como tenho preferência própria pela postura diferenciada de interpretar o mundo, aliada ao gosto especial pela literatura e o jornalismo literário, o verdadeiro prazer ao desvendar novos lugares é provocar e aceitar que eles se dialoguem enquanto os descrevo de forma subjetiva, usando as alternativas poéticas e a criatividade que a literatura permite.

O texto “O hostel e eu”, que conecta sua passagem por Dublin à memória de James Joyce, parece condensar tempo, espaço e referências literárias. Que tipo de encontro você buscou entre a sua vivência e a tradição literária mundial?

O texto é fruto natural da minha busca incessante por matéria-prima de jornalismo literário de viagem. A ideia de escrever “O hostel e eu” surgiu quando eu já estava de volta ao Brasil. Relembrando posteriormente aquela viagem tão intensa em um espaço curto de tempo, ou seja, exatamente trinta e seis horas com duas noites no quarto coletivo de um hostel, os fatos e acontecimentos com os hóspedes de várias nacionalidades na rotatividade das duas noites,  Dublin como terra de James Joyce e cenário de Ulisses, a condensação do tempo no enredo do livro e a possibilidade de percorrer a cidade em dois tempos distintos, 1904 e 2016, despertaram em mim a ideia de escrever uma crônica literária. A viagem pelo texto, enquanto escrevia, foi mais prazerosa do que a própria presença física pelas ruas da emblemática cidade irlandesa.

O livro reúne crônicas, poemas e textos de jornalismo literário. Como você equilibra essas linguagens para que convivam sem hierarquias e, juntas, construam uma narrativa sensorial e afetiva?

A ideia do livro surgiu durante a exposição “Igrejas Ouro Preto”, selecionada para o Fórum das Letras de Ouro Preto de 2017. Primeiramente, o curador e artista gráfico Guilherme Horta, responsável pela criação de uma caixa-quadro onde as lâminas da obra poderiam ser alternadas como capa em uma exposição dinâmica, sugeriu a edição de um livreto. Porém, como eu tinha outros escritos prontos e alguns em andamento, optei por trabalhar tudo isso em um livro. A dificuldade foi realmente saber como equilibrar linguagens diversas em um único livro e isso foi motivo de várias reuniões com o próprio Horta e o diagramador Flávio Vignoli. Por fim, chegamos ao equilíbrio pela ordem posicional sem que isso pudesse sugerir uma hierarquia de importância ou preferência. Eu, particularmente, senti mais prazer ao escrever “O hostel e eu”.

O livro conta com fotos, ilustrações e contribuições de nomes como João Bosco, Carlos Bracher e Angelo Oswaldo. Como foi construir essa obra coletiva? De que maneira esses outros olhares ampliam o universo que você criou?

As fotos e as ilustrações foram encomendadas a dois grandes artistas de Ouro Preto: o fotógrafo Eduardo Tropia e o ilustrador e exímio conhecedor da cultura e história ouro-pretana Chiquitão. A tradução de Ouro Preto 75/85 e Igrejas Ouro Preto só poderia ter sido feita pela tradutora Adriana Iennaco de Castro e, às vezes, penso que essa versão já estava na concepção criativa e a única pessoa capaz de externá-la como tradução poética das crônicas e poemas seria a Adriana, tanto pela cumplicidade de ideias, quanto pela participação no momento dos acontecimentos, mesmo que, em alguns casos, não fisicamente.

Após o projeto pronto, pensei: preciso de um texto de orelha, prefácio e apresentações para completar o livro. Mostrei para quem considerei mais adequado a escrever sobre cada uma das partes do livro. Pronto… o cantor e compositor João Bosco escreveu o texto de orelha ou segunda capa; o poeta Guilherme Mansur escreveu a apresentação de Ouro Preto 75/85 e nomeou as pequenas neocrônicas de verbetes; Angelo Oswaldo apresentou Igrejas Ouro Preto e o escritor e professor Edvaldo Pereira Lima, com quem aprendi e apliquei sua técnica de Escrita Total, validou Cartografias.

Dessa forma, esses olhares diversos e adequados às partes do livro, contribuíram para ampliar o universo criado com os textos e, ao mesmo tempo, torná-lo uno e coerente com a própria visão poética que trago em meu processo de criação e entendimento do mundo.

Você escreve que cada palavra é uma tentativa de tornar o invisível visível. O que ainda permanece invisível para você – e que talvez a literatura seja a única forma de alcançar?

O título do livro vem de uma frase do livro Ulisses de James Joyce e a busca pelo visível no invisível esteve presente durante todo o tempo em que eu perambulava pelas ruas de Dublin, ora em 2016, ora em 1904, ora com Deus, ora com James Joyce, ora sozinho e invisível. Esse mesmo sentimento ou arrebatamento guiou-me às palavras dos poemas sobre as igrejas de Ouro Preto e culminou com a percepção privilegiada do artista plástico Carlos Bracher ao nomear-me como poeta do invisível. Isso pode ocorrer em diversos momentos e formas de contato com o objeto ou ser, mas a literatura é, para mim, a única forma ou meio de manifestação.

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