André L. Nascimento apresenta cenário diatópico da sociedade em novo livro

André L. Nascimento
André L. Nascimento

Na distopia provocadora “O Bicho”, escrita por André L. Nascimento e publicada pela editora Flyve, o domínio da humanidade é virado do avesso, explorando um mundo onde os humanos são maltratados e oprimidos, tratados como meros animais. A narrativa gira em torno de Dakota, uma cachorra que se revolta contra a crueldade e o desequilíbrio da sociedade, liderando uma insurgência para implodir o sistema. Com humor ácido e críticas afiadas à exploração animal, destruição ambiental e injustiças sociais, a obra faz uma reflexão poderosa sobre a nossa realidade.

Como surgiu a ideia para criar a distopia em “O Bicho”, onde humanos são tratados como animais?

Tudo começou com a encomenda de um conto, feita pela minha revisora. A ideia era publicar gratuitamente na Amazon. Isso foi durante a pandemia, um dia antes do lockdown. Quando estava saindo do mercado, uma cachorra vira-lata escondeu-se sob meu carro. Demos comida a ela e não resisti, coloquei-a dentro do carro, passamos na clínica veterinária e corremos para casa. Ela viveu 15 dias de princesa, depois tudo foi por água baixo. Ela tinha cinomose e não conseguimos salvá-la. Comecei a escrever o conto sobre isso, uma história na qual ela era uma guerreira que lutava por um mundo melhor, ao passo que eu ainda nutria minha raiva por quem a tinha abandonado no mercado e queria que a pessoa sentisse a mesma dor que ela. Depois de duas semanas, eu tinha um livro, e a protagonista se chamava Dakota, assim como aquela que resgatamos.

Você mencionou que a protagonista Dakota é uma guerrilheira em prol da humanidade. Como desenvolveu essa personagem e o papel dela na trama?

Queria uma personagem feminina, excluída, desacreditada e esquecida pelos sistemas de poder e governo, assim como as minorias em nosso mundo, mas que fosse determinada e se alimentasse do próprio sistema para se tornar forte e o derrubar. Dakota veio assim, a cadela vira-lata esquecida entre as merdas e o lixo da favela, mas que aprendia com os jornais que vinham pelo esgoto, ao ponto de atravessar o muro que apartava seu povo e se infiltrar naquela sociedade de aparências, até derrubá-la e se tornar uma heroína. Tudo veio da minha própria luta, de mulheres ao meu redor, do meu amor pelos animais e de uma mensagem de nunca desistir.

Quais foram as principais inspirações para a construção do mundo cruel e desequilibrado retratado no livro?

Muitos livros e filmes distópicos, desde Blade Runner e Admirável Mundo Novo a 1984, The Matrix e Tron. Ao contrário do que muitos apontaram, A Revolução dos Bichos não foi a grande inspiração, mas sim o poema de Manuel Bandeira – O Bicho. Nele, já enxergamos a inversão de papéis ao lermos um homem que se esgueira pelo lixo feito uma criatura animalesca que confunde o poeta. Mas, acima de tudo, a maior inspiração foi o nosso país. Não precisamos ir muito longe para vermos, ao nosso redor, a mais louca distopia de todas.

Como você integrou temas como identidade de gênero e política ditatorial na narrativa de “O Bicho”?

A partir do momento em que os animais vivem em um mundo onde metrópoles são divididas em castas e apenas alguns, privilegiados, podem votar. Na metrópole de Dakota, Otto, o lobo-guará, governa de modo a privilegiar grandes multinacionais, a igreja, a universidade – uma empresa dona de escolas e manipulada por ele – e fábricas de armas. Além disso, ele é capaz de matar e acabar com qualquer animal que entre em seu caminho, também manipulando resultados de experimentos, que sempre devem passar por sua aprovação, a TV, as redes sociais e as rádios. Mais uma vez, meu próprio país foi a inspiração. Dakota, além de toda essa loucura, encontra-se em um triângulo amoroso com outros dois cães, descobrindo que o amor não enxerga gênero.

Você usa humor ácido e trocadilhos com nomes de políticos e influenciadores. Como decidiu incluir esses elementos e qual foi a reação dos leitores?

Os leitores amam perceber as conexões nada aleatórias entre as características dos animais e seus nomes, como um pavão fashionista chamado Louis Pavvon, por exemplo. Tudo é pensado, desde o chefe supremo da Igreja – uma naja – até aves com nomes que remetem a cantoras famosas, donos de rinha Pitbulls e o grande astro de uma tourada, um touro galante e metido. Acho que a figura maior é Otto, o governante da metrópole e sua familícia. É engraçado ver a reação dos leitores ao notarem que muitas falas da personagem, na verdade, são falas de um político real na história brasileira.

André L. Nascimento
André L. Nascimento

De que maneira sua experiência como vegano influenciou a criação da história e a mensagem central do livro?

A principal meta do veganismo: salvar os humanos! Exato, veganismo não é apenas proteger animais, é proteger o planeta; subsequentemente, a raça humana. É preciso, com urgência, pensar em como a sede de lucrar tem escalpelado a Terra, como a produção em massa de gado de corte destrói o planeta feito um boliche (formação de pasto, dejetos, transporte, injeção de hormônios, engorda, produção de grãos, abate, venda, fezes…) É uma bola de neve mortal. É isso que está acontecendo no mundo de Dakota: a produção desenfreada de carne humana, além de cruel, aquece e desertifica o planeta, não restando mais florestas. E quando não houver mais planeta para nossos filhos e netos? Irão comer pedra? Uma raça que se diz evoluída enxerga apenas a si mesma como capaz de sentir dor?

Na obra, você aborda vários temas complexos e sombrios. Quais foram os maiores desafios ao equilibrar esses elementos com uma trama envolvente?

Deixar claro que, apensar de ser uma obra crítica, O Bicho é uma narração cheia de aventura, mistério, sustos, tensão, investigações, momentos divertidos e romance. Não é teoria ou panfletagem chata, é uma história aos moldes de Missão Impossível, com traições e espionagem. Quero uma mensagem forte, mas quero, acima de tudo, revirar o estômago do meu leitor – em todos os sentidos.

Após o sucesso de “O Coelho”, como você acredita que “O Bicho” contribui para a sua evolução como escritor e para os temas que você explora?

O Bicho me tirou da caixa da fantasia e do público mais jovem, embora seja extremamente enraizado nas novas gerações questionadoras; porém, aproximou-me de um público mais adulto e crítico. Senti que sou capaz de divertir e emocionar, mas também deixar um legado de reflexões, questionamentos e ensinamentos sobre respeito, repensar o dia a dia, em quem votamos, não acreditar no que vemos nas redes sociais, lutar por seus direitos e, acima de tudo, daqueles que não possuem voz. As causas são muitas, qual é a sua?

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