Alipio Rangel revela os meandros artísticos em “Nos Bastidores da Vida”

Nos meandros da produção televisiva, cinematográfica, exposições e eventos, Alipio Rangel, um experiente administrador e ex-colaborador da Renato Aragão Produções, encontrou a semente para sua estreia literária, “Nos Bastidores da Vida”. Nesta obra de ficção, o autor entrelaça críticas à política brasileira, desvela as agruras dos trabalhadores das artes e expõe as contradições da sociedade, revelando os conflitos da juventude através da jornada de Dora, assessora de imprensa de um renomado ator, Adriano.

Além das vicissitudes da carreira artística, a trama se aprofunda nas relações pessoais de Dora, permeadas por romances e reflexões internas, pintando um panorama da realidade do país por meio de suas personagens. Essa narrativa envolvente, repleta de pontos de vista distintos, espelha as experiências do autor, oferecendo uma visão singular sobre o Brasil contemporâneo. Alipio Rangel, originário do Ceará e atualmente residente em Jundiaí, São Paulo, materializa suas vivências e visões em uma obra que convida à reflexão sobre os bastidores da vida e da arte no Brasil.

Você mencionou que suas experiências no meio artístico inspiraram “Nos Bastidores da Vida”. Como essa transição influenciou a narrativa e a construção dos personagens no livro?

Excelente pergunta. Sou um escritor extremamente intuitivo, geralmente começo um livro escrevendo e não fazendo uma pesquisa prévia, ou seja, basta que eu escreva o primeiro parágrafo para a história começar a surgir no “papel”. Muitas vezes as ideias vêm quando estou dormindo, então eu acordo e escrevo em qualquer papel ou no celular. Acontece também de uma pessoa ou cena do cotidiano me chamar a atenção, e aquilo me servir para incluir na história ou enriquecer um personagem. A vida é meu laboratório de escrita. É comum eu acabar de escrever hoje uma parte do livro e não ter noção do que escreverei no dia seguinte. No caso específico do Nos Bastidores da Vida, te juro que comecei a escrever sem saber o que iria sair. Foi no cotidiano da escrita que personagens e história foram surgindo. Claro que me apoiei em algo que vivi por décadas, e isso facilitou o processo de criação.

Dora, a protagonista, vivencia um romance com seu cliente, um ator famoso. Como esses relacionamentos interligados no universo artístico moldam a visão que o livro busca transmitir sobre a sociedade?

Lembro a você que este livro foi escrito em 1996, a visão da sociedade brasileira era outra, bem diferente do que vivenciamos nos dias de hoje, graças aos deuses. Atualmente existe uma maneira de se ver os relacionamentos de uma forma diferente e para melhor. Hoje em dia, até em função da tecnologia, os filmes são produzidos em menos tempo. Antigamente a equipe se tornava quase uma família, pois convivíamos mais tempo com os colegas de trabalho do que com as pessoas de casa. Para ser muito sincero com você e os leitores, não procurei transmitir quaisquer lições para a sociedade em termos de relacionamentos. O amor não se explica, não tem lógica, não há como traçar um passo a passo de como agir, e esse é o grande barato de se apaixonar ou amar alguém. Dora e Adriano, apesar de estarem sempre tendo “dr” sobre o que sentem, simplesmente se entregam aos sentimentos que os dominam, mas sem que isso interfira no relacionamento profissional. Eles vivem o dia de hoje, e sou inteiramente a favor de literalmente viver o momento, já que o passado se foi e o futuro não existe, ele é resultado de nossas ações e omissões daquilo que fazemos ou deixamos de fazer hoje.

A obra apresenta uma crítica à política brasileira. Quais aspectos específicos da política contemporânea você aborda no livro, e como isso se reflete na vida dos personagens?

Sou um ser que não convive bem com a política, não acredito em políticos, não gosto de políticos, não tenho partidos ou candidatos. Acho que um país viveria melhor se tivesse menos interferência de políticos. O livro foi uma grande chance de falar mal dessa classe desqualificada e que merece muito pouco respeito. Criei uma peça de teatro, cujo tema é a política, e nela mostro toda a sujeira de políticos sempre envolvidos com falcatruas e corrupção. Dora é a pessoa que me representa, é através dela que eu falo. O pai dela é um ex-advogado que foi preso político na época da ditadura. Exploro um pouco essa época suja que nosso país viveu. É um livro onde eu coloquei para fora todo o meu sentimento, que não é nada bom, sobre a política que, para mim, é um câncer em nossa sociedade.

A sexualidade e a aceitação dela parecem ser temas importantes na história, especialmente através do relacionamento de Dora com Raquel. Qual mensagem deseja transmitir aos leitores sobre esses aspectos da vida contemporânea?

Imagine você ter um relacionamento homossexual na década de 1990. Hoje as pessoas sofrem todo tipo de preconceito, muitos são assassinados, expulsos de casa, são considerados escória da sociedade… nos anos 90, não era diferente. As pessoas tinham que realmente se esconder como se fossem bandidos condenados. Dora e Raquel vivem esse dilema, chegam a se considerar pessoas anormais, sentem-se culpadas por estarem se relacionando. Na verdade, não são aspectos da vida contemporânea: o amor entre pessoas do mesmo sexo passou a existir junto com a existência da humanidade, mas até hoje não evoluímos neste quesito. Em pleno 2023, vemos pessoas trans e homossexuais serem desrespeitadas. As religiões e, mais uma vez, os políticos os consideram fora da sociedade, tenta-se ligá-los ao demônio, à promiscuidade, luta-se para que não tenham direitos mínimos, nega-se a possibilidade de formarem família. Enfim, não existe proteção do estado, das religiões e da sociedade num todo para essas pessoas, e isso me deixa muito triste. Elas não têm direito de levar uma vida normal. Na época em que escrevi o livro, o que tentei foi exatamente alertar, chamar a atenção da sociedade para isso que muitos consideram ser um problema. Dora e Raquel sofrem muito por causa desse relacionamento.

Ao ambientar a trama no final do século XX, quais desafios você enfrentou para garantir que os temas abordados permanecessem relevantes e relacionáveis para os leitores atuais?

Apesar de ser um livro do século passado, ele é bem atual. Procuro mostrar à geração atual que alguns problemas que eles vivem hoje não são diferentes dos que aconteciam há mais de 40 anos. Isso é desolador, até quando o Brasil vai ficar estagnado, por mais quantos anos conviveremos com corrupção, falcatruas, homofobia, misoginia, preconceitos, hipocrisia…? Como viver no país onde religiosos e políticos versam apenas para o que lhes é de interesse?

“Nos bastidores da vida” explora a realidade dos trabalhadores do mundo das artes. Como você vê o papel da arte e da cultura na sociedade contemporânea brasileira?

Um país não existe sem educação, artes e cultura, é simples assim. Costumo dizer que, no Brasil, essas três palavrinhas parecem trazer com elas uma doença séria e transmissível, não existe interesse em investir na arte e na cultura. O Estado e até mesmo o setor privado estão se lixando para isso, e o que acontece é que nosso povo perdeu o hábito e não se interessa. A literatura é quem mais sente essa omissão, a cada mês vemos livrarias fantásticas fechando suas portas por falta de público, e por qual o motivo? Falta de hábito da leitura. Muitos brasileiros têm aversão a livros, alguns tem orgulho de dizer que nunca leram um livro, e isso é terrível.

A ditadura militar é mencionada como um pano de fundo que afeta a visão dos personagens sobre a política. De que maneira a história do Brasil moldou os personagens e suas atitudes em relação à política e à arte?

Eu tinha sete anos quando foi dado o golpe militar e quase me deparei novamente com isso aos 66. Cresci com a ditadura, vi nossos artistas serem censurados, presos, torturados e expulsos do país por discordarem do governo, fui proibido de ouvir determinadas músicas, de assistir peças de teatro, de ficar com minha turma da faculdade, pois muitos estudantes juntos já eram considerados um motim. Mais uma vez um “legado” vergonhoso da política nos trouxe, não se combate ideias, não se declara guerra à arte. No livro, mesmo que sem me aprofundar, eu procuro mostrar ao leitor os males que a política é capaz de nos trazer. Sou inteiramente contra o voto obrigatório, e isso não muda por quê? Os personagens são meus porta vozes, é através deles que eu me exprimo, eles dão som ao meu clamor.

Qual foi o seu processo de criação para desenvolver personagens femininas fortes e complexas como Dora e Raquel, e qual mensagem você espera que essas personagens transmitam para os leitores?

Sou um homem com alma feminina, tenho o privilégio de ser um cara extremamente sensível. Já ouvi várias pessoas me dizerem que eu consigo entrar na essência da mulher quando escrevo. O fato de admirar profundamente a mulher me ajuda muito a escrever sobre elas. Dora e Raquel são mulheres fantásticas, corajosas e sensíveis, lutadoras e frágeis, bem-sucedidas e sabedoras, mas que não são valorizadas na sociedade por serem mulheres. Até hoje a mulher é maltratada, desrespeitada, e isso é inconcebível. O livro valoriza as mulheres, enaltece esses seres maravilhosos. Elas são fantásticas e merecem todo o respeito e encantamento.

A obra equilibra descrições, narrações e diálogos sob diferentes pontos de vista. Como essa estrutura narrativa contribui para a compreensão mais profunda da trama e das mensagens que deseja transmitir?

Para mim, literatura é isso, até pelo fato de a vida ser moldada por descrições, narrativas e conversas. Eu procuro ser o mais simples possível, escrevo de forma coloquial, sem que seja preciso que o leitor interrompa a leitura para procurar no dicionário o significado das palavras. Leitura é aprendizado, mas é diversão, passatempo, uma viagem que nunca acaba. Leitura é alegria, felicidade e êxtase.

Além das questões sociais e políticas, quais são os temas mais pessoais que você gostaria que os leitores refletissem ao terminar “Nos Bastidores da Vida”?

As pessoas precisam acreditar nelas mesmas. Cada personagem convive com dramas e seguem suas vidas. Cada personagem tem no trabalho uma grande paixão. Amar aquilo que fazemos, independentemente da profissão, é o que realmente vale. Quantas pessoas ganham excelentes salários e são infelizes? Exatamente pelo fato de não gostar daquilo que exercem. Meus personagens são pessoas comuns, com seus desafios, suas preocupações, suas inseguranças, mas, no fundo, são felizes. Viemos para essa vida não para purgar, mas para sermos alegres, faceiros e podemos ser lépidos e joviais mesmo que convivendo com problemas. Aliás, as pessoas que são assim não têm problemas, porque veem isso como desafios a serem superados e acabam por superá-los.

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