Mix de culturas explora diferentes visões da arte brasileira

Luca Moreira
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Luca Moreira/Moreira Comunicação Global

Telma Gadelha está apresentando sua série de pinturas intitulada “Guerreiros, Cães e Reis” na galeria de arte da Universidade Federal Fluminense (UFF) durante o evento “A Ponte”. A renomada pintora, nascida na Bahia e criada no Ceará, atualmente reside no Rio de Janeiro. A exposição conta com aproximadamente 12 obras inéditas, feitas em acrílica e/ou óleo sobre tela. Além de Telma Gadelha, outras exposições desta mostra incluem trabalhos de Jamex, Thiago Almeida e do coletivo Raquel Reine Areias Gandra. Todos foram selecionados por meio do Edital de Artes Visuais da UFF para expor na galeria e participar de uma coletiva no Museu Janete Costa, no Ingá. Este projeto é parte integrante do 13º Interculturalidades – Inventação, um evento que celebra a arte e a cultura brasileira, com uma programação elaborada pelo Centro de Artes da UFF e a Fundação de Arte de Niterói. A entrada é gratuita para todos os interessados.

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As obras de Telma Gadelha neste projeto são fruto de suas recentes viagens ao Cariri cearense, onde estudou os cortejos festivos do Ciclo de Reis, em especial os quilombos de Juazeiro do Norte. Nas pinturas de Telma, somos imersos na grandiosidade das celebrações pelos detalhes. Suas telas funcionam como câmeras que se concentram em pequenos planos, recortes e zooms, retirando da multidão personagens específicos ou aspectos das fantasias. As obras, de tamanhos variados entre 35 x 25 cm e 160 x 130 cm, são dominadas por cores vibrantes como verde, azul e vermelho.

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Embora os rostos não sejam visíveis, as pinturas retratam figuras icônicas dos cortejos, como os mestres que lideram cada grupo, acompanhados por reis, rainhas, príncipes, princesas, embaixadores e guerreiros, representados por coroas, mantos e armaduras adornadas com fitas, lantejoulas e espelhos. Também podemos identificar os personagens cômicos emblemáticos da festa, os Mateus e Catilinas, com as faces pintadas de preto. Telma expressa: “Essa exposição é, acima de tudo, uma celebração da festividade do povo cearense. São pinturas que prestam homenagem às cores e movimentos do Reisado, à batalha entre a luz e a escuridão, ao caos e à ordem”.

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O Reisado, também conhecido como Folia de Reis, é uma manifestação popular que celebra a visita dos três reis magos a Belém. Essa celebração começa no Natal e vai até 6 de janeiro, quando os reis presenteiam o menino Deus com os dons de rei (ouro), divindade (incenso) e mortalidade (mirra). Esses doze dias são considerados como dias de sorte e profecia, refletindo os doze meses do ano seguinte. Cada Reisado é liderado por um mestre, que traz originalidade ao seu grupo. Em Juazeiro, um dos Reisados mais conhecidos é o Reisado Discípulos de Mestre Pedro, também chamado Reisado dos Irmãos, liderado pelos mestres Raimundo e Antônio, que são retratados nas obras de Telma.

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Entrevista com Telma Gadelha:

Como as suas viagens recentes ao Cariri cearense influenciaram a criação da série de pinturas “Guerreiros, Cães e Reis” que está sendo apresentada na galeria de arte da UFF?

Eu cresci em Fortaleza e nasci na Bahia. Crescer no Ceará foi uma experiência marcante. Sempre ouvi falar do Cariri, mas na época em que morei lá já tem um tempo, estou há muito tempo no Rio de Janeiro, não fui ao Cariri. A primeira vez que fui ao Cariri foi uns 15 ou 20 anos atrás.

O Cariri é o epicentro do sertão e do interior dos estados do Nordeste, localizado no sul do Ceará, na fronteira com Pernambuco, próximo de Alagoas e Sergipe. É um celeiro cultural, principalmente a cidade de Juazeiro do Norte, que se destaca pelas romarias devido à história do Padre Cícero. É um centro de cultura, especialmente em Juazeiro e no bairro do João Cabral.

Na primeira vez que fui lá, me apaixonei. Há uma quantidade incrível de expressões artísticas, desde artes visuais, música, cordel até reisados. Mais recentemente, decidi morar lá por várias razões. Encontrei amigos e, junto com meu pai, decidimos morar lá. Uma das experiências marcantes foi mergulhar nos festejos de reis de Juazeiro do Norte, principalmente no bairro do João Cabral.

Você chegou a mencionou que suas obras focam em detalhes e aspectos específicos dos cortejos festivos do Ciclo de Reis. Pode nos falar sobre como escolheu esses detalhes e o que eles representam para você?

Existem festejos de Reis em vários estados. O meu foco foi muito específico, pois não conheço muito sobre os outros. Foi uma imersão no processo de trabalho. À medida que eu criava várias pinturas, fui me interessando cada vez mais pelos detalhes.

Essa festa é um espetáculo de luzes, esplendor, espelhos, fitas e lantejoulas. A maneira como eles a realizam é espetacular. O que gostaria de destacar é que, para mim, os verdadeiros artistas são eles. Não há expressão artística mais significativa do que a arte que surge de um grupo trabalhando junto. Isso é evidente nas periferias, onde pessoas menos favorecidas e mais humildes criam as expressões artísticas mais interessantes. Quando essas pessoas se juntam e trabalham nos detalhes, o resultado é magnífico. O trabalho deles nos adereços de cabeça e nos peitorais, como chamam, é impressionante. Cada grupo de Reisado tem suas peculiaridades. Eles contam sua história através da coreografia, mas também através desses adereços únicos que são uma marca de cada mestre e grupo de Reisado. À medida que eu avançava nas pinturas, era como se eu desse um zoom nos detalhes.

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Suas pinturas retratam personagens do Reisado, uma manifestação popular que celebra a visita dos três reis magos a Belém. Como você aborda a representação desses personagens em suas obras?

Na verdade, os personagens do Reisado têm uma origem provavelmente egípcia. Depois, essa festa era celebrada no final de dezembro, no dia 25 de dezembro. Os romanos também tinham festividades nessa época. Na Península Ibérica, existiam grupos semelhantes, pois essa tradição remonta à Europa e se misturou com as culturas indígenas e afro no Brasil. É uma fusão de diversas culturas antigas.

Os personagens do Reisado incluem os reis, guerreiros e os cães e diabos, que estão presentes para acasalar. Essa é uma mistura de culturas antigas que remontam antes do cristianismo. Posteriormente, o cristianismo adotou o dia 25 de dezembro como o dia de nascimento de Jesus Cristo. Essas festas estavam ligadas às colheitas e à passagem das estações. Os personagens dessas festas têm várias interpretações, e é difícil afirmar com certeza, pois são uma combinação de culturas antigas que se misturaram ao longo do tempo.

Os Mateus, por exemplo, são uma referência às festas ibéricas e às festas dionisíacas do Mediterrâneo. Após a chegada do cristianismo, essas tradições antigas foram trazidas para o Brasil durante a colonização e se misturaram. Eu me encanto especialmente com os Mateus, que são como palhaços com o rosto pintado de preto e lideram os Reisados. Eles geralmente são adultos, mas às vezes também crianças, e desempenham um certo teatro. Esse é um personagem muito importante que eu gostaria de explorar mais em minhas pinturas. Eles têm o hábito de mostrar a língua. Estou interessado em estudar esse gesto de resistência, pois há uma referência a isso.

Além disso, temos os personagens conhecidos como caretas, que têm influências de diversas culturas ao longo dos séculos.

Sua exposição faz parte do evento “A Ponte” que celebra a arte e a cultura brasileira. Como você vê o papel da arte na construção de pontes entre diferentes culturas e comunidades?

Acredito que estamos em um momento muito interessante. A expressão ‘arte naïf’ está perdendo sua importância. O que importa é a narrativa que a pessoa traz, não importa de onde vem, não importa a cultura, seja ela popular, naïf, intelectual, acadêmica ou de rua. Isso é algo muito enriquecedor. Estamos vivendo esse momento, e acho que a coisa mais importante é que adoro ver pessoas falando sobre brincadeiras de rua, pichações e skate nas ruas. Antes de pintar o Reisado, eu até estava fazendo algumas pinturas que tinham uma vibe muito urbana, uma ligação com a cidade. Acho isso fascinante, pois o que chamamos de ‘arte contemporânea’ é muito inclusivo. Na verdade, qualquer um pode ser artista. Não é preciso ter frequentado uma academia. Tudo depende da sua capacidade de criar uma narrativa interessante, e isso é maravilhoso.

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Além de pintora, você é também ativista ambiental e embaixadora do Greenpeace Brasil. Como a sua paixão pela preservação da natureza se entrelaça com a sua expressão artística?

É uma pergunta difícil. Eu já pintei coisas que falam muito sobre o meio ambiente. É interessante, porque antes, se você viu no meu Instagram, antes dessa série, eu fiz uma série sobre o fundo da Baía de Guanabara e sobre o nosso meio ambiente. Quero dizer, o nosso meio ambiente, nós que vivemos em uma cidade que cresceu nas bordas de uma lagoa ou, desculpe, de uma baía. E o estado atual dessa baía não é ideal. Era uma série meio denúncia sobre o que está acontecendo com o meio ambiente. Acho que o artista está sempre falando do mundo ao redor. Acho que o Reisado é uma festa de resistência. Não sei muito bem como isso se entrelaça com o meio ambiente, mas em outras obras minhas, eu disse algo como ‘a obra trata de questões ambientais’. Acredito que o artista está sempre falando sobre o mundo ao seu redor, o mundo em que vive. E o nosso mundo está em uma grande crise ambiental, então não sei, vou pensar sobre isso e tentar incorporar isso mais na minha pintura atual.

Por último, o que você espera que os visitantes levem consigo após experimentar a sua exposição “Guerreiros, Cães e Reis”? Qual mensagem você deseja transmitir por meio da sua arte?

Acho que a minha pintura traz uma alegria, sabes? Uma resistência. Como se eu quisesse que as pessoas sentissem que das comunidades mais carentes brota a beleza, a vontade de viver, o brilho. Quero que sintam o brilho do Reisado como um brilho que vem de uma expressão muito popular, antiga, ancestral, que perpassa toda a história até hoje. Sobretudo, é um brilho de vida que surge nos lugares que não são dos bairros ricos, da burguesia. É das comunidades mais simples. É como na nossa música, sobretudo na música de origem afro, em que as pessoas foram escravizadas, torturadas e trouxeram toda a alegria para o Brasil. Acho que o Reisado é isso, traz alegria, independentemente da origem, e acredito que alguém pode sentir isso ao ver essas pinturas.

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A Galeria de Arte UFF surgiu em 1982 com a missão de promover e fomentar a discussão em torno da arte contemporânea no Brasil. Ao longo de sua história, recebeu reconhecimento ao ser premiada pela ABAPP – Associação Brasileira de Artistas Plásticos Profissionais como a principal galeria cultural do Rio de Janeiro em 1984. Após a revitalização de todo o Centro de Artes, a Galeria de Arte UFF renova seu compromisso com a arte brasileira contemporânea. Através da busca pela contemporaneidade, a galeria busca desafiar o cenário artístico e proporcionar informações e insights sobre a produção de arte contemporânea, atendendo tanto à comunidade acadêmica quanto à população local.

Entrevista com Sávio Ribeiro (montador da exposição juntamente com o Adilson Dávila):

Na sua visão, como a exposição “A Ponte” representa um encontro entre diferentes formas de arte e artistas de gerações e regiões diversas do Brasil, como se deu a ideia dessa exposição?

A exposição está em um ciclo de exposições e projetos que foram aprovados, se não me engano, no início do ano. O edital foi aberto para receber diferentes projetos, e esses foram contemplados. Houve até um acréscimo de novos projetos, ampliando a visão de como compor o ano de exposições. Essa é, se não me engano, a terceira exposição desse projeto, que conta com Tiago, Ultramex e o coletivo de fotografia, todos integrando as interculturalidades. Acredito que tudo começa com uma triagem da curadoria dos projetos. Depois, o curador da casa, Alan, que recebe esses projetos, tenta fazer as melhores combinações para esse projeto específico. Temos uma interlocução com museus e outros equipamentos culturais da cidade, e planejamos trazer três peças deles para dialogar junto com esses artistas contemporâneos que já estavam no projeto.

Como essa exposição desafia a concepção convencional de arte popular e contemporânea?

Acredito na horizontalização dos diálogos de fato, você sabe, interpretando a arte popular e de onde ela vem. Será que a arte popular não está, de certa forma, cortada por um viés regional ou, às vezes, por um viés preconceituoso? Será que a arte popular é realmente arte? Por exemplo, acho que ela consegue desafiar esses diálogos, horizontalizando, por exemplo, a produção contemporânea. Um artista como os americanos vai falar sobre racionalidade, trazer sensibilidade e uma mensagem de protesto através do grafite. Ou então o universo do skate interpretado pelo Tiago, que vai pensar na prioridade, não apenas no skate, mas acho que na infância, na vida, de fato, com a mensagem que a Telma vai registrar de maneira muito sensível quando fala do reisado e traz esses aspectos. Eu acho que horizontalizar o diálogo é o que dá força para conseguir dialogar.

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Quais são as preocupações dos artistas que participam da exposição, considerando o contexto de desigualdades ainda presentes no Brasil?

Acho que a própria instituição já está inserida em uma comunidade, em uma sociedade. Assim, ela vai ter a preocupação de tornar acessíveis, por exemplo, os ingressos para filmes. Não só filmes, mas de maneira mais acessível. O ingresso mais barato da nossa casa está aberto, acho que consegue chegar em algumas zonas mais afastadas, por exemplo. A instituição aqui do SEARTE é um desafio, assim, a instituição conseguir chegar nesses lugares. Acho que é um desafio, e federal, algumas outras instituições conseguem um pouco mais. Acho que talvez seja um efeito de um trabalho a ser estudado por mais contemporâneas. Mas de toda forma, a gente tenta, de fato, abrir, por exemplo, com eventos que aconteceram agora em setembro, tipo são gratuitos. Entende? A gente, por mais que não tenha a capacidade de colocar a cidade toda dentro da instituição, acho que a gente vai tentar, por exemplo, a partir dessas formas e o diálogo da arte. Ela não vai viver só na exposição dela, existem diversos meios de comunicação. Acho que a partir da exposição, não a transformar em algo distante ao ponto dos diversos públicos. Vai falar do skate, por exemplo, vai aproximar uma juventude, talvez vá trazer o Jamex vai aproximar a um diálogo de racionalidade e que a gente sabe quais são as inserções desses discursos. A gente sabe que até uma nova discutir mais o aspecto regional. Acho que, claro, ela vai discutir, não apenas o artista, mas dentro da exposição, integrando esses diversos jogos. Acho que é por aí.

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Quais são as expectativas em relação ao impacto que a exposição pode ter na apreciação e compreensão da arte pelos espectadores?

A compreensão é a forma como cada pessoa interpreta o mundo, seja na maneira como ela se expressa ou se comunica. Todo mundo é capaz de compreender e apreciar a arte. A sensibilidade é algo que pode ser desenvolvido nesse contexto. Às vezes, estamos com pressa, tentando resolver coisas e correndo com a vida. No entanto, quando entramos em uma galeria de arte, paramos de repente e começamos a lidar com o tempo de uma forma diferente.

Acredito que a compreensão está relacionada a como os corpos, que muitas vezes não estão inseridos nos espaços artísticos, se adaptam a esses ambientes. É entender como essas pessoas, que talvez não sejam o público tradicional desses espaços, vão interagir com eles. Por exemplo, temos diversas pessoas que frequentam exposições e não são necessariamente um público de lazer. Também temos colaboradores, pessoas que trabalham no espaço, que vão lidar com a arquitetura da exposição e observar a tipografia de uma maneira individual. A troca de experiências ocorre nesses encontros, com pessoas que estão transitando nesse universo.

Informações:

Exposição de arte contemporânea

Título: A Ponte

Artistas: Jamex, Thiago Almeida, Raquel Reine Areias Gandra e Telma Gadelha

Local: Galeria de Arte UFF – Leuna Guimarães dos Santos

Abertura: dia 20 de setembro, às 17h

Endereço: Rua Miguel de Frias, 9 – Icaraí – Niterói

Horário: segunda a sexta, das 10h às 21h; sábados e domingos, das 13h às 21h

Tel: +55 (21) 2629-5576 ∙ faleconosco@centrodeartes.uff.br

https://www.centrodeartes.uff.br/historia/galeria-de-arte-uff/

Entrada franca

Acompanhe Telma Gadelha e Sávio Ribeiro no Instagram

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