*Por André Luís Penha de Sena, empresário da carcinicultura com mais de 20 anos de experiência no setor aquícola
Ao longo das últimas duas décadas, tenho acompanhado de perto a transformação da carcinicultura. O aumento da demanda global por frutos do mar e a exigência crescente por produtos sustentáveis e rastreáveis pressionam os produtores a modernizar seus sistemas. Nesse processo, vejo dois pilares fundamentais para a chamada “nova carcinicultura”: a adoção de energias renováveis e a implementação da aquicultura de precisão. A combinação dessas abordagens transforma fazendas tradicionais em unidades produtivas limpas, eficientes e alinhadas às exigências do mercado internacional.
A energia elétrica representa hoje um dos maiores componentes do custo operacional, sobretudo em sistemas intensivos como o RAS (Recirculating Aquaculture Systems). Em alguns casos, pode chegar a 40% do custo total de produção. Isso torna a matriz energética um fator estratégico para a competitividade. Nos últimos anos, tenho defendido a adoção de fontes renováveis, solar e eólica, não apenas como alternativa para reduzir despesas, mas também como forma de melhorar a previsibilidade financeira e atender às exigências de importadores que priorizam produtos com baixa pegada de carbono.
Em fazendas do Nordeste brasileiro, já observamos resultados práticos: sistemas solares fotovoltaicos on-grid podem suprir até 90% da demanda diurna, enquanto microturbinas eólicas complementam a geração à noite. Além disso, linhas de financiamento verde e programas de compensação de carbono tornam o investimento mais acessível, permitindo que produtores acelerem o retorno do capital aplicado.
Mas energia limpa, por si só, não basta. É preciso também trazer inteligência para a operação. A chamada carcinicultura de precisão integra sensores, automação e plataformas de análise de dados em nuvem para monitorar, em tempo real, parâmetros como oxigênio dissolvido, temperatura, pH, amônia e nitrito. A partir dessas informações, aeradores e bombas podem ser acionados automaticamente, evitando desperdícios de energia. Sistemas de alimentação inteligentes reduzem em até 15% a conversão alimentar (FCR), enquanto algoritmos de inteligência artificial detectam padrões de risco de mortalidade e recomendam ajustes de manejo.
Essa integração já está em prática em polos produtores do Ceará e do Rio Grande do Norte, além de projetos em RAS nos Estados Unidos, que alcançam taxas de sobrevivência acima de 80%, FCR abaixo de 1 e menor incidência de doenças bacterianas. Na minha visão, o conceito de Smart Shrimp Farms, ou fazendas de camarão inteligentes, é o próximo passo natural para regiões estratégicas como o Nordeste do Brasil e as HUBZones americanas, onde energia renovável e automação podem caminhar juntas para viabilizar uma produção mais estável, rastreável e ambientalmente responsável.
Os benefícios dessa convergência são claros. Do ponto de vista econômico, é possível reduzir o custo energético em até 30%, aumentar a produtividade por hectare e alcançar retorno sobre o investimento em painéis solares entre três e cinco anos. Ambientalmente, a pegada de carbono da atividade cai significativamente, permitindo acesso a certificações como BAP e GlobalG.A.P. No mercado, o resultado é um produto premium, valorizado por consumidores que exigem atributos ESG, antibiotic-free e rastreabilidade completa.
Já existem estudos de caso comprovando esses ganhos. No Ceará, fazendas que adotaram sistemas multifásicos com automação reduziram em até 25% a conta de energia. Em projetos nos EUA, a integração de RAS com energia solar permitiu a entrega de camarão fresco, nunca congelado, com baixa pegada de carbono — um diferencial competitivo importante em nichos de alto valor.
Acredito que o futuro da carcinicultura passa, inevitavelmente, pela integração entre energias renováveis e tecnologia de precisão. Essa transformação reduzirá custos, aumentará a eficiência produtiva e posicionará o setor como referência em sustentabilidade. A “Smart & Green Shrimp Farming” não é apenas uma tendência: é um caminho necessário para garantir segurança alimentar, gerar empregos, fortalecer economias locais e oferecer ao consumidor um produto de qualidade, saudável e ambientalmente responsável.
Sobre André Luís Penha de Sena
André Luís Penha de Sena é empresário da carcinicultura com mais de 20 anos de experiência no setor aquícola. Fundador de uma fazenda em Parajuru (CE), atua também como gerente administrativo da JE Pescados e proprietário da Gelo Guajiru. Filiado à Associação Brasileira de Criadores de Camarão (ABCC) e à Associação dos Produtores de Camarão do Ceará (APCC), desenvolve projeto de internacionalização para os Estados Unidos com foco em sistemas de recirculação de água (RAS), sustentabilidade e rastreabilidade na produção de camarão.